A Universidade de Hong Kong instituiu uma nova matéria obrigatória para todos os cursos de graduação, a partir de setembro: “segurança nacional”. A determinação, mais um desdobramento da repressão crescente no território autogovernado, consta de um e-mail recentemente enviado aos alunos, ao qual teve acesso a rede Radio Free Asia.
O novo curso estudará tópicos como a lei básica de Hong Kong e a lei de segurança nacional, mas os detalhes não serão conhecidos antes do dia 1º de setembro. A obrigatoriedade do curso é determinada por lei, presente nos regulamentos governamentais de 2022 a 2025, e a meta é “promover a educação nacional” e a “afeição pelo povo chinês”.
“Não há explicação (no e-mail) sobre qual será o conteúdo, quem o projetou, se o conteúdo foi escrito pelo [aparato] de segurança nacional de Hong Kong”, disse Eric Lai, especialista em direito de Hong Kong da Universidade de Georgetown, nos EUA.
Ele se diz preocupado com a possibilidade de que alunos e professores que venham a se manifestar em sala de aula sofram perseguição estatal, caso deixem transparecer um posicionamento crítico em relação à lei de segurança nacional ou às autoridades do território.
“Ainda estou preocupado que os alunos possam usar a linha direta de segurança nacional para relatar o que professores ou alunos estão dizendo em sala de aula”, disse ele. “Esta é a questão maior”.
Enquanto isso, as escolas de ensino fundamental e médio vão substituir o curso de Estudos Liberais, instituído em 2009, por um programa nacionalista de Educação Moral e Cívica, sendo igualmente obrigadas a ensinar alunos e funcionários sobre a lei de segurança nacional.
Para Beijing, o curso de Estudos Liberais influenciou cidadãos a organizarem os protestos em massa dos últimos anos, entre eles as grandes manifestações por democracia de 2019 que levaram o governo chinês a impor a lei de segurança nacional no ano seguinte.
“Está bem claro que o governo usará a segurança nacional como pretexto para implementar a educação patriótica, ou educação ideológica, o mais rápido possível nos próximos dois anos”, afirmou Lai. “[Esse programa] nega a separação de poderes em Hong Kong e enfatiza o controle total da China sobre Hong Kong, além de ensinar que a segurança nacional tem precedência sobre os direitos humanos e as liberdades”.
Dentro desse novo pacote de normas educacionais está incluída uma visita obrigatória à China continental. “O programa de intercâmbio cívico não é um programa eletivo. É um programa muito valioso pago pelo governo”, disse a secretária de Educação Christine Choi. “Os alunos não devem desistir a não ser em circunstâncias especiais, como doença grave”, disse ela. “Eles não podem simplesmente escrever uma carta dizendo que não querem participar. Isso não é permitido”.
Segundo Andrew To, ex-líder estudantil de Hong Kong, tal imposição mostra como a repressão aumentou desde que a lei de segurança nacional entrou em vigor, silenciando a oposição política e a dissidência pública.
“No passado, se uma universidade queria realizar um curso tão politicamente sensível, tinha que consultar o sindicato estudantil. Se eles tentassem pular a consulta, o sindicato estudantil definitivamente contra-atacaria e realizaria reuniões e fóruns no campus para pressionar a escola”, disse ele. “Agora, as universidades podem implementar essas coisas com uma única diretiva. Sem os sindicatos estudantis, não há voz e nenhuma força que possa se opor a eles, o que é um grande retrocesso”.
Por que isso importa?
Após a transferência de Hong Kong do domínio britânico para o chinês, em 1997, o território passou a operar sob um sistema mais autônomo e diferente do restante da China. Apesar da promessa inicial de que as liberdades individuais seriam respeitadas, a submissão a Beijing sempre foi muito forte, o que levou a protestos em massa por independência e democracia em 2019.
A resposta de Beijing aos protestos veio com autoritarismo, representado pela lei de segurança nacional, que deu ao governo de Hong Kong poder de silenciar a oposição e encarcerar os críticos.
No final de julho de 2021, um ano após a implementação da lei, foi anunciado o primeiro veredito de uma ação judicial baseada na nova normativa. Tong Ying-kit, um garçom de 24 anos, foi condenado a nove anos de prisão sob as acusações de praticar terrorismo e incitar a secessão.
O incidente que levou à condenação ocorreu em 1º de julho de 2020, o primeiro dia em que a lei vigorou. Tong dirigia uma motocicleta com uma bandeira preta na qual se lia “Liberte Hong Kong. Revolução dos Nossos Tempos”, slogan usado pelos ativistas antigoverno nas manifestações de 2019.
Os críticos ao governo local alegam que os direitos de expressão e de associação têm diminuído cada vez mais, com o aumento da repressão aos dissidentes graças à lei. Já as autoridades de Hong Kong reforçam a ideia de que a normativa legal é necessária para preservar a estabilidade do território
O Reino Unido, por sua vez, diz que ela viola o acordo estabelecido quando da entrega do território à China. Isso porque havia um acordo para que as liberdade individuais, entre elas eleições democráticas, fossem preservadas por ao menos 50 anos. Metade do tempo se passou, e Beijing não cumpriu sua parte no trato. Muito pelo contrário.
Nos últimos anos, os pedidos por democracia foram silenciados, a liberdade de expressão acabou e a perspectiva é de que isso se mantenha por um longo prazo. Nas palavras do presidente Xi Jinping, “qualquer interferência deve ser eliminada”.
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