Em função da guerra na Ucrânia, a China foi forçada a mudar algumas estratégias referentes à Nova Rota da Seda (BRI, na sigla em inglês, de Belt And Road Initiative), iniciativa lançada pelo presidente Xi Jinping para financiar obras de infraestrutura no exterior. Com o principal corredor de transporte de mercadorias prejudicado, Beijing foi obrigada a estabelecer novas rotas na Eurásia, uma mudança que dará trabalho aos chineses e reduzirá o faturamento da Rússia. As informações são da rede Radio Free Europe.
Até então, as ferrovias russas eram a principal alternativa para transporte de bens entre China e Europa, respondendo por 68% do tráfego no sentido oeste e 82% no sentido leste. Com a guerra e as sanções ocidentais impostas a Moscou, Beijing passou a evitar o corredor habitual e recorreu à Rota de Transporte Internacional Trans-Caspiana (TITR), o Corredor Médio da BRI, que tem 6,5 mil quilômetros e cruza Cazaquistão, Azerbaijão, Geórgia e Turquia.
Embora tenha recebido bilhões em investimentos nos últimos anos, a TITR sempre ficou em segundo plano devido aos custos e à logística. A guerra mudou esse cenário, e a projeção é de que receba em 2022 um fluxo de mercadorias seis vezes maior que o do ano passado. Assim, governos de países por onde o corredor passa discutem maior colaboração e novos investimentos para se beneficiar.
Prejuízo à vista
Se de um lado algumas nações se preparam para faturar, do outro a Rússia calcula o prejuízo inevitável. Em 2018, o presidente russo Vladimir Putin determinou que a companhia ferroviária nacional, Russian Railways, ampliasse o tráfego de contêineres, com a expectativa de atingir 3,6 milhões deles por volta de 2035. A China, por sua vez, atuou para rentabilizar ao máximo essas linhas e levou a um aumento de 50% na carga transportada em 2020.
Agora, com muitas empresas relutantes ou incapazes de transportar seus bens através da Rússia, não há previsão para que o objetivo estabelecido por Putin seja atingido. As rotas russas têm sido rejeitadas até por empresas de logística da China, que antes encaravam como pouco lucrativa e confusa a TITR, mas agora a enxergam como única opção
A China também tem com que se preocupar, vez que o Corredor Médio tem custos maiores e logística mais complicada. Assim, a viabilidade futura não é garantida, de acordo com Emil Avdaliani, diretor de estudos do Oriente Médio no think tank Geocase e professor da Universidade Europeia, em Tbilisi, na Geórgia. Ele cita como problemas centrais a geografia complexa da região, frente à necessidade de se usar uma rota que envolve linhas marítimas e terrestres, e a geopolítica complicada em alguns países.
Segundo ele, a guerra deve levar a China a buscar outras alternativas, para não mais ficar refém de um corredor prioritário. “Muitas vezes, tendemos a retratar a BRI como uma iniciativa estática. Mas, como todas as rotas comerciais ao longo da história, a BRI é fluida e está se adaptando”, diz Avdaliani. “Fronteiras fechadas exigem encontrar novas rotas, e é isso que está acontecendo no momento”.
Por que isso importa?
A Nova Rota da Seda começou a se desenhar após a crise financeira internacional de 2008, quando as empresas chinesas se voltaram para a Eurásia de olho em atraentes ativos industriais e comerciais. Então, pipocaram projetos de infraestrutura de transporte e energia com financiamento chinês, o principal foco desde então. Em 2013, a iniciativa se estabeleceu globalmente como uma das bases da política externa do presidente Xi Jinping.
O objetivo central da BRI é espalhar a influência de Beijing através do investimento. No total, 140 países foram beneficiados com dinheiro proveniente da iniciativa chinesa até 2020, sendo o maior número da África, 40 nações. Entre 2013 e dezembro de 2020, a China investiu cerca de US$ 770 bilhões nos países participantes da BRI.
No início, os governos receberam muito bem os bilhões de dólares injetados por Beijing, especialmente pelo fato de isso ter ocorrido logo após uma recessão global histórica. Hoje, com muitas das nações inseridas na BRI em situação financeira dramática, manter em dia o pagamento das dívidas é missão quase impossível.
Isso é parte da estratégia da China, que invariavelmente usa a inadimplência como justificativa legal para assumir a gestão dos próprios projetos que financiou. Assim, estende os tentáculos do Partido Comunista Chinês (PCC) mundo afora ao assumir o controle de infraestruturas cruciais em todos os continentes.
A questão ambiental é outro ponto negativo da BRI. Segundo Vuk Vuksanovic, pesquisador da Escola de Economia e Ciências Políticas de Londres, Beijing tem como objetivo “a terceirização da poluição e da degradação ambiental para países mais pobres e distantes, com extrema necessidade de financiamento de infraestrutura e desenvolvimento socioeconômico, cujos governos ignoram os riscos ambientais”.
Um estudo do think tank canadense Iffras (Fórum Internacional por Direitos e Segurança, da sigla em inglês) corrobora a opinião de Vuksanovic. Segundo relatório publicado em setembro de 2021, a iniciativa chinesa tende a “aumentar ainda mais a degradação ambiental e as mudanças climáticas”.
Em países como Indonésia, Egito, Quênia, Bangladesh, Vietnã e Turquia, a BRI está ligada a projetos de usinas de geração de energia movidas a carvão. No final de 2016, a ONG Global Environment Institute (Instituto de Meio Ambiente Global, em tradução literal) registrou 240 projetos movidos a carvão ligados à iniciativa chinesa.
“A Nova Rota da Seda tem um grande foco na construção de projetos de energia, e quase 90% deles são intensivos em carbono, operando com combustível fóssil“, diz o documento do Iffras. “Dada a magnitude da BRI, que se espalha pelos cinco continentes, o planeta vai sofrer impactos graves e negativos graças ao jeito chinês de construir projetos em que as diretrizes ambientais dificilmente são seguidas”.
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