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domingo, 5 de junho de 2022

Punidos por ‘desacreditar’ o exército, russos se rebelam e prometem ignorar multa

Desde o início da guerra na Ucrânia, em 24 de fevereiro, mais de 15 mil pessoas foram detidas na Rússia por se manifestar contra o conflito. Nesse mesmo período, mais de 1,9 mil ações judiciais foram abertas sob a acusação de “desacreditar as forças armadas”, segundo o site OVD-Info, que monitora protestos e a repressão no país. As denúncias, baseadas em uma lei que vigora desde o dia 4 de março, pegaram de surpresa alguns dos acusados, que dizem que não tinham consciência de estar cometendo um delito. Outros dizem estar indignados com a possibilidade de serem punidos por manifestarem a opinião, algo que a lei não pune. E também há aqueles que se recusam a pagar a multa imposta pelas autoridades, ou que simplesmente não têm condição financeira de fazê-lo. As informações são da rede Radio Free Europe.

De acordo com a severa nova legislação, pessoas consideradas culpadas de “desacreditar as forças armadas”, conforme prega o texto legal, têm que pagar multas que variam entre 30 mil rublos (R$ 2,28 mil) e 300 mil rublos (R$ 22,8 mil). A pena mais rigorosa é aplicada por divulgar “informações sabidamente falsas” sobre o exército e a “operação militar especial” na Ucrânia, que é como o governo descreve a guerra. A reclusão pode chegar a 15 anos.

Sergei Filenko foi condenado por protestar contra a guerra e diz que não pagará a multa (Foto: reprodução/Facebook)

Tatyana Kuznetsova é uma das vítimas da repressão estatal baseada na lei de março. Ela foi denunciada porque contestou a guerra em dois posts diferentes. Considerada culpada, foi multada em 30 mil rublos.

“Quando fui chamado à promotoria, fiquei chocado. Não cometi nenhum crime”, disse ela. “Eu não tinha ideia do que era ‘desacreditar o exército russo’. De canto de ouvido, é claro, ouvi falar dessa lei, mas não pensei muito sobre isso”.

Ela conta que se manifestou, primeiramente, porque tem parentes na região separatista de Donetsk, uma das principais concentrações de tropas russas da guerra. “Nós ligamos para eles quase todos os dias. Eles são testemunhas oculares de tudo isso”, disse ela. “Sinto-me mal pelas pessoas que têm que dormir debaixo das escadas. E, enquanto estamos falando, é algo constante: ‘Ataque aéreo, ataque aéreo’. As pessoas têm que deixar tudo e fugir. Com isso em mente, essas emoções, eu falei”.

Posteriormente, em outro site, ela diz que fez um comentário aleatório de que, se tivesse um filho ou um marido, não concordaria com a ida deles para lutar na Ucrânia. E que considerava um erro enviar soldados russos para combater na Ucrânia.

De acordo com a advogado dela, a punição é ilegal. “Não houve nenhum descrédito”, disse Maria Zyryanova. “Ela expressou sua opinião e não houve consequências negativas como resultado de suas ações”.

Kuznetsova, que tem deficiência e vive com uma pensão mensal, diz que não tem condições de arcar com a multa e pretende recorrer da punição. De toda forma, admite que o recado do governo foi dado. E que, a partir de agora, só opinará se estiver em meio a amigos. Não através da internet.

Quem também recebeu uma multa de 30 mil rublos foi Sergei Filenko, um carpinteiro e ativista da região de Carélia, perto da fronteira com a Finlândia. Detido por fazer um protesto público na cidade de Petrozavodsk, ele recitou um poema enquanto era carregado para a viatura pelos oficiais de polícia. A cena foi gravada e serviu para justificar a punição, baseada também em posts na rede social VK, a mais popular da Rússia.

Durante o julgamento de Filenko, o agente de polícia Roman Timichev se baseou na cartilha do Kremlin ao aprovar a punição. “Eu acho que, por suas ações, ele realmente desacreditou o uso das forças armadas da Federação Russa”, declarou o policial, segundo o site PTZ-Gorovit. “Além disso, em algumas de suas citações, ele indica que supostamente há uma guerra em andamento, embora não seja uma guerra, mas uma operação especial para proteger os cidadãos”.

Agora, Filenko diz que não pretende pagar a multa imposta pela Justiça. E que não culpa os policiais pela repressão. “Eles não são más pessoas. São curiosos e educados’, afirmou o ativista, que diz ter conversado com o capitão enquanto era autuado “Eu perguntei a ele: ‘Então, você pega criminosos normais?’. E ele respondeu: ‘É apenas um trabalho’”.

Quem está à espera do julgamento, igualmente por desacreditar as forças armadas, é Vladimir Malegin, ativista da mesma cidade de Filenko. Ele admite que fez alguns posts online contestando a guerra e o governo russo. “Em um deles escrevi: ‘a raiva animal com que a pequena cidade litorânea de Mariupol está sendo bombardeada com bombas superpesadas é surpreendente'”, relatou.

Por sua vez, Anna Boikova foi denunciada graças a um militar infiltrado em um grupo do aplicativo de mensagens Telegram. Ela é acusada de organizar um evento não autorizado pelo simples fato de ter encaminhado uma mensagem a outras 70 pessoas. O texto convocava cidadãos contrários à guerra a protestar no Dia da Vitória, feriado de 9 de maio.

Levada pela polícia, ela diz que perguntou ao oficial se o mero compartilhamento “constitui algum tipo de organização”. Diante da resposta afirmativa, ironizou. “De acordo com a lógica do policial, se a esposa dele, pelo menos uma vez, enviar informações sobre uma festa de ano novo para as amigas em uma conversa em um site de jardim de infância, ela organizou isso”.

Um caso extremo é o de Nikolai Kuzmin, legislador local da cidade de Pskov. Ele foi multado em 30 mil rublos por um comentário publicado no VK sobre a ação de Marina Ovsyannikova, jornalista que interrompeu um noticiário na TV estatal russa Canal 1 (Piervy Kanal) para protestar contra a invasão da Ucrânia.

Kuzmin postou um comentário no vídeo do protesto da jornalista, no qual ele dizia: “Uma mulher muito corajosa”. Foi julgado e condenado por “descrédito”. Segundo ele, futuramente, a maior prejudicada pode ser a própria magistrada que o condenou. “A juíza é muito jovem, em seu primeiro ano de trabalho. Quero dizer, o poder de Putin terminará em vida. E, com tais decisões sobre o chamado descrédito, a carreira dela como juíza também pode acabar”.

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