A Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) contornou a rejeição da Turquia e confirmou que Suécia e Finlândia se juntarão à aliança militar. A adesão dos países escandinavos, que derruba décadas de neutralidade, ocorre em meio às ameaças crescentes da Rússia, sobretudo após a invasão da Ucrânia, e da China, em escala menor. “Em um mundo mais perigoso, temos que investir mais em nossa defesa”, disse o secretário-geral Jens Stoltenberg, segundo a agência Al Jazeera.
O processo de adesão de suecos e finlandeses foi formalizado nesta quarta-feira (29) na cúpula da Otan em Madrid, na Espanha, aberta na noite anterior com um jantar no Palácio Real. “Hoje, decidimos convidar a Finlândia e a Suécia a se tornarem membros da Otan e concordamos em assinar os protocolos de adesão”, disse a aliança em um comunicado.
“Estamos enviando uma mensagem inconfundível de que a Otan é forte, unida e os passos que estamos tomando durante esta cúpula aumentarão ainda mais nossa força coletiva”, declarou o presidente norte-americano Joe Biden a jornalistas, segundo a rede Radio Free Europe. “Nós falamos sério quando dizemos que um ataque contra um é um ataque contra todos”.
Militarmente, a aliança já se movimenta. Washington ampliou a frota de destróieres navais de quatro para seis em Rota, na Espanha, e prometeu estabelecer uma base permanente na Polônia. Também enviará uma “brigada rotativa adicional” à Romênia, com três mil combatentes, e outra equipe de combate de duas mil pessoas. Dois esquadrões adicionais de jatos F-35 serão enviados à Grã-Bretanha e mais defesa aérea e outras capacidades serão colocadas na Alemanha e na Itália.
Vitória turca
O único empecilho à expansão da aliança, que agora ficou no passado, era o veto que Ancara ameaçava impor aos novos membros e que remetia a antigas críticas turcas às nações escandinavas e outros países ocidentais pelo tratamento cordial dispensado a organizações que a Turquia classifica como terroristas. Sobretudo as milícias curdas PKK (Partido dos Trabalhadores Curdos) e YPG (Unidade de Proteção do Povo) e os seguidores do clérigo islâmico Fethullah Gulen, que vive nos EUA.
Os jornais turcos tratam a mudança de posição como uma vitória do presidente Recep Tayyip Erdogan. “A Turquia conseguiu o que queria”, disse o jornal Milliyet, dizendo que os suspeitos do PKK seriam extraditados para a Turquia. “Dois redutos do terrorismo caem na Europa”, escreveu o periódico Yeni Akit, que acrescentou: “Suécia e Finlândia aceitaram as exigências da Turquia”.
O acordo que levou Ancara a mudar de posição diz que os Estados nórdicos “atenderiam” aos pedidos do governo turco de extradição de suspeitos do PKK “de forma rápida e completa”, segundo a agência Reuters. Entretanto, o presidente finlandês Sauli Niinisto disse que o memorando, que posteriormente será divulgado, descreve princípios para extradições relacionadas ao terrorismo, mas não cita cidadãos individuais. Suécia e Finlândia ainda suspenderão as restrições à venda de armas para a Turquia.
Rússia e China
Além dos atuais membros e dos novos candidatos, a cúpula tem quatro nações convidadas: Austrália, Nova Zelândia, Coreia do Sul e Japão. Ao deixar suas pegadas na Ásia-Pacífico, a Otan manda um recado claro a Moscou e Beijing, que contestaram a expansão da aliança em uma declaração conjunta emitida no final de fevereiro.
O papel de russos e chineses será formalmente definido no documento que estabelece a estratégia da Otan. A Rússia, hoje tratada como um “aliado estratégico”, passará a ser descrita como a “principal ameaça”. Já a China, que atualmente não figura no texto, será citada como um “desafio”, embora os Estado-Membros deixem claro que a enxergam como um adversário.
A China contestou a iniciativa através de seu embaixador na ONU (Organização das Nações Unidas), que na terça (28) falou ao Conselho de Segurança. “A Guerra Fria terminou há muito tempo. É necessário que a Otan reconsidere seu próprio posicionamento e suas responsabilidades, abandone completamente a mentalidade da Guerra Fria que se baseia no confronto em bloco e se esforce para construir um sistema de segurança na Europa equilibrado, eficaz e sustentável, de acordo com o princípio da segurança indivisível”, disse Zhang Jun, segundo a agência estatal chinesa Xinhua.
Moscou, por sua vez, contestou seu novo status e disse que os papeis estão invertidos. “É a aliança que nos ameaça”, afirmou o vice-chanceler Sergei Ryabkov, segundo o jornal independente The Moscow Times. “A cúpula em Madrid confirma e consolida a política deste bloco de contenção agressiva da Rússia. Consideramos a expansão da aliança do Atlântico Norte um fator puramente desestabilizador nos assuntos internacionais”.
Por que isso importa?
Criada em 1949 como uma resposta à União Soviética, a Otan tem como finalidade essencial proteger de eventuais agressões externas os Estados-Membros com poder militar reduzido. Atualmente, 30 países fazem parte da aliança, cuja convenção prevê em seu artigo 5º que um ataque contra qualquer um deles é um ataque contra todos eles.
Em meio à guerra na Ucrânia e com a crescente ameaça russa, essa cláusula de solidariedade militar levou Finlândia e Suécia a abandonarem décadas de neutralidade, solicitando o ingresso na aliança. Helsinque, por exemplo, compartilha com Moscou uma fronteira de 1,3 mil quilômetros e se diz ameaçada.
“Tudo mudou quando a Rússia atacou a Ucrânia. E eu, pessoalmente, acho que não podemos mais confiar que haverá um futuro pacífico ao lado da Rússia”, disse a primeira-ministra finlandesa Sanna Marin em abril, classificando a adesão como “um ato de paz, [para] que nunca mais haja guerra na Finlândia no futuro”.
A premiê sueca Magdalena Andersson também manifestou preocupação com a Rússia ao justificar a decisão. “Para garantir a segurança do povo sueco, o melhor caminho a seguir é se juntar à Otan, assim como a Finlândia”.
Moscou, por sua vez, usou a expansão da Otan rumo ao leste como uma das justificativas para a invasão da Ucrânia, devido ao fato de que está cercada de inimigos. E, em maio, deixou sua insatisfação clara novamente, diante da possibilidade de os escandinavos se juntarem à aliança.
“Finlândia, Suécia e outros países neutros participam há anos dos exercícios militares da Otan. A Otan levou em consideração seus territórios ao planejar seu movimento para o leste”, disse o porta-voz do Kremlin Dmitry Peskov.
O vice-ministro das Relações Exteriores Sergei Ryabkov reforçou a posição russa. “Será outro erro grosseiro com consequências de longo alcance. Mas, infelizmente, esse é o nível de sanidade daqueles que estão tomando decisões políticas nos países correspondentes”.
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