Duas proeminentes figuras da sociedade russa entraram na mira do governo de Vladimir Putin por seu posicionamento contrário à guerra na Ucrânia. Um deles é o escritor Dmitry Glukhovsky, autor do livro de ficção Metro 2033 (editora Planeta), que deu origem a um popular jogo de videogame. O outro é Pinchas Goldschmidt, rabino chefe de Moscou. As informações são do jornal independente The Moscow Times.
Glukhovsky, que acredita-se estar vivendo no exterior, foi julgado e condenado à revelia sob a acusação de “desacreditar as forças armadas“, com base em uma lei de março que visa a punir aqueles que contestam a invasão da Ucrânia. A pena, que ainda não foi anunciada, pode chegar a dez anos de prisão.
“Estou sendo acusado de desacreditar as forças armadas russas por um post no Instagram“, disse ele no aplicativo de mensagens Telegram. “Estou pronto para repetir tudo o que foi dito lá: Parem a guerra! Admitam que esta é uma guerra contra toda a nação e parem!”.
Após a condenação, e considerando o fato de que Glukhovsky possivelmente não está na Rússia atualmente, o nome dele foi inserido em uma lista de criminosos procurados do Ministério do Interior.
Quem também não esperou para ser detido por sua posição antiguerra foi Pinchas Goldschmidt, rabino chefe de Moscou. Na terça-feira (7), a nora dele, a jornalista Avital Chizhik-Goldschmidt, anunciou no Twitter que o líder religioso havia deixado a Rússia em março, duas semanas depois do início da guerra.
Segundo ela, o sogro e a sogra buscaram refúgio na Hungria. “Eles agora estão exilados da comunidade que amaram, construíram e criaram seus filhos por mais de 33 anos”, disse Avital no Twitter, lembrando que o rabino havia acabado de ser reeleito para o cargo.
Também através da rede social, a nora do líder religioso afirmou que ele optou por fugir devido à pressão que vinha sofrendo do governo. “Finalmente posso compartilhar que meus sogros, Rabino Chefe de Moscou @PinchasRabbi e Rebetsin Dara Goldschmidt, foram pressionados pelas autoridades para apoiar publicamente a ‘operação especial’ na Ucrânia – e recusaram”, diz o post.
Can finally share that my in-laws, Moscow Chief Rabbi @PinchasRabbi & Rebbetzin Dara Goldschmidt, have been put under pressure by authorities to publicly support the ‘special operation’ in Ukraine — and refused. pic.twitter.com/Gy7zgI3YkJ
— Avital Chizhik-Goldschmidt (@avitalrachel) June 7, 2022
Por que isso importa?
Na Rússia, protestar contra o governo já não era uma tarefa fácil antes da eclosão da guerra na Ucrânia. Os protestos coletivos desapareceram das ruas da Rússia desde que o governo passou a usar a pandemia de Covid-19 como argumento para punir grandes manifestações, sob a alegação de que o acúmulo de pessoas fere as normas sanitárias. Assim, tornou-se comum ver pessoas solitárias erguendo cartazes com frases contra o governo.
Desde a invasão do país vizinho por tropas russas, no dia 24 de fevereiro, o desafio dos opositores do presidente Vladimir Putin aumentou consideravelmente, com novos mecanismos legais à disposição do Estado e o aumento da violência policial para silenciar os críticos. Uma lei do início de março, com foco na guerra, pune quem “desacredita o uso das forças armadas”.
Dentro dessa severa nova legislação, os detidos têm que pagar multas que chegam a 300 mil rublos (R$ 16,9 mil). A pena mais rigorosa é aplicada por divulgar “informações sabidamente falsas” sobre o exército e a “operação militar especial” na Ucrânia, que é como o governo descreve a guerra. A reclusão pode chegar a 15 anos.
Apesar dos riscos, muitos russos enfrentam a repressão e a possibilidade de serem presos e protestam de diversas maneiras para deixar clara sua oposição ao conflito.
Em Moscou, no dia 15 de março, ignorando todos esses riscos, uma mulher escolheu como ponto de protesto a Catedral do Cristo Salvador. Em um cartaz, reproduziu o sexto mandamento segundo a Igreja Ortodoxa: “Não matarás”. Outra mulher desafiou a censura e se posicionou em uma esquina próxima do Kremlin com um cartaz que dizia “Não à guerra”. Ambas foram retiradas por policiais e colocadas em um camburão menos de dez minutos depois de exibirem os cartazes.
Yevgenia Isayeva, uma artista e ativista da cidade russa de São Petesburgo, optou por um protesto mais gráfico no dia 27 de março. Com um vestido branco, ela se posicionou em frente à prefeitura da cidade e, então, despejou tinta vermelha sobre a roupa, enquanto dizia repetidamente: “Meu coração sangra, meu coração sangra…”. Também teve poucos minutos para se manifestar antes de ser retirada à força.
Há, ainda, os manifestantes que querem deixar sua mensagens sem expor a própria imagem. Casos dos grafiteiros que têm feito surgir nos muros de cidades russas mensagens antiguerra. Também em 27 de março, dois homens foram presos na cidade de Tula, no sul do país, acusados de grafitar mensagens como “Derrubem Putin” e “Parem Putin”.
A jornalista russa Marina Ovsyannikova, por sua vez, ficou conhecida mundialmente por interromper um noticiário na TV estatal russa Canal 1 (Piervy Kanal) para protestar contra a invasão da Ucrânia. No dia 14 de março, ela se postou repentinamente atrás da apresentadora de um telejornal com um cartaz escrito em russo e inglês que dizia “Não à guerra, não acredite na propaganda. Eles estão mentindo para você”. Ela ficou no ar durante vários segundos até que o canal a tirasse de cena.
No dia seguinte ao protesto, a Justiça russa condenou a jornalista a pagar também uma multa de 30 mil rublos (cerca de R$ 1,69 mil), justificando de se tratar de uma “tentativa de organizar um protesto não autorizado”. Ovsyannikova diz que pediu demissão e que não pretende sair do país, alegando ter recusado uma oferta de asilo da França. Em abril, ela foi contratada como correspondente freelancer do jornal alemão Die Welt.
Coletivamente, um jeito diferente de protestar tem sido através de mensagens escritas em cédulas e moedas de rublos. O fenômeno passou a ser compartilhado em plataformas como Twitter, Telegram e Reddit. As mensagens são normalmente escritas à mão, sendo as frases mais comuns “não à guerra” e “russos contra a guerra”.
O post Rabino e autor de livro de ficção que virou game são os novos alvos da repressão na Rússia apareceu primeiro em A Referência.
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