Ao passo que acumula derrotas, sobretudo nas regiões de Syevyerodonetsk e Kharkiv, a Ucrânia cobra do Ocidente o envio de armamento mais poderoso, argumentando que não tem como conter a agressão da Rússia sem tal reforço em seu arsenal. Ao longo da última semana, o presidente Volodymyr Zelensky reclamou da lentidão dos países europeus nesse sentido, enquanto a vice-ministra da Defesa, Anna Malyar, afirmou que apenas 10% das armas que o país requisitou foram entregues.
“Não importa o quanto a Ucrânia tente, não importa o quão profissional seja nosso exército. Sem a ajuda de parceiros ocidentais, não seremos capazes de vencer esta guerra”, disse Malyar, em pronunciamento feito na televisão ucraniana e reproduzido pelo site The Defense Post. “Precisamos saber prazos claros, porque todos os dias há um atraso. Estamos falando sobre a vida de soldados e civis ucranianos”.
Zelensky, por sua vez, afirmou que suas tropas não têm mais a necessidade de receber munição, que antes era um problema. Atualmente, o que o exército mais precisa são armas de longo alcance, que o Ocidente hesita em fornecer devido à possibilidade de a Ucrânia atacar território russo e levar a uma escalada imprevisível na guerra.
“Temos armas suficientes. O que não temos o suficiente são as armas que realmente atingem o alcance que precisamos para reduzir a vantagem do equipamento da Federação Russa“, disse o presidente em coletiva de imprensa online, segundo a agência Reuters.
Yuriy Sak, assessor do ministro da Defesa da Ucrânia, ratificou as declarações do líder nacional, em entrevista ao jornal Financial Times. “Nosso presidente disse muitas vezes que, se tivéssemos recebido essas armas antes, a situação seria diferente, com [menos] regiões ocupadas nas mãos da Rússia hoje”.
Rússia sob ataque?
A hesitação ocidental explica-se também pelas ameaças frequentes de Moscou. O presidente russo Vladimir Putin já disse em mais de uma ocasião que o fornecimento de armamento de longo alcance poderia levar a Rússia a mirar “novos alvos”, uma ameaça velada de atacar países da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte).
Questionado, o presidente norte-americano Joe Biden também teria descartado essa hipótese, de acordo com publicação do jornalista Steve Holland, da Reuters, no Twitter. “Perguntei a ele: ‘você vai enviar sistemas de foguetes de longo alcance para a Ucrânia?’. Biden: ‘Não vamos enviar para a Ucrânia sistemas de foguetes que possam atacar a Rússia’”.
I asked him: Are you going to send long-range rocket systems to Ukraine?
— Steve Holland (@steveholland1) May 30, 2022
Biden: “We are not going to send to Ukraine rocket systems that can strike into Russia.” https://t.co/ifz3UjWJ21
Embora na maioria das vezes receba as ameaças de Putin como bravatas, Washington encara essa questão de forma diferente. E não mostra disposição em mudar o posicionamento, apesar das promessas ucranianas de que não usaria o eventual arsenal para atingir o território inimigo, mas apenas para se defender.
“Não queremos tomar medidas que ampliem o conflito. Portanto, algumas das garantias que pedimos no contexto desses sistemas específicos estão cientes disso, de não querer que esses sistemas sejam usados para atacar o território russo”, disse Colin Kahl, subsecretário de Defesa, no final de maio.
Ainda de acordo com Kahl, tais sistemas de longo alcance sequer são militarmente necessários na guerra em andamento. “Não avaliamos que eles (ucranianos) precisem de sistemas que alcancem centenas e centenas de quilômetros para a luta atual”.
Otan na mira
Volodymyr Zelensky contextualizou as ameaças de Putin afirmando que a Otan está na mira de Moscou independentemente do apoio oferecido à Ucrânia. “A Rússia não está interessada apenas em nossas (cidades de) Mariupol, Syevyerodonetsk, Kharkiv e Kiev. Não, suas ambições estão direcionadas a uma vasta área de Varsóvia a Sofia”, disse ele, sem exibir provas e citando as capitais da Polônia e da Bulgária.
Correto ou não, o alerta de Zelensky parece ter reverberado na Otan, que admitiu a necessidade de fortalecer sua fronteira leste. Durante uma conversa informal com jornalistas, o secretário-geral da aliança, Jens Stoltenberg disse que essa questão será debatida na cúpula de Madrid, no final de junho.
“Em Madrid, vamos acordar um grande reforço da nossa postura”, disse ele na última terça (14), de acordo com a Reuters. “Nesta noite, discutimos a necessidade de uma presença avançada mais robusta e pronta para o combate e uma prontidão ainda maior, e mais equipamentos e suprimentos pré-posicionados”.
Stoltenberg também concordou que “a Ucrânia deveria ter mais armas pesadas”, afirmando ainda que os aliados e parceiros da Otan estão “estão intensificando” o fornecimento.
Porém, como alertou Malyar, promessas não faltam. “Não podemos esperar muito tempo, porque a situação é muito complicada”, declarou a vice-ministra da defesa ucraniana.
Zelensky seguiu pelo mesmo caminho. “Sou muito grato pelo que tem chegado, mas precisa vir mais depressa”, disse o presidente. “Se não houver aceleração das entregas de armas, haverá estagnação, e as pessoas continuarão morrendo. Se nos derem armas, seguiremos em frente”.
Por que isso importa?
A escalada de tensão entre Rússia e Ucrânia, que culminou com a efetiva invasão russa ao país vizinho, no dia 24 de fevereiro, remete à anexação da Crimeia pelos russos, em 2014, e à guerra em Donbass, que começou naquele mesmo ano. Aquele conflito foi usado por Vladimir Putin como argumento para justificar a invasão integral, classificada por ele como uma “operação militar especial”.
“Tomei a decisão de uma operação militar especial”, disse Putin pouco depois das 6h de Moscou (0h de Brasília) de 24 de fevereiro. Cerca de 30 minutos depois, as primeira explosões foram ouvidas em Kiev, capital ucraniana, e logo em seguida em Mariupol, no leste do país.
No início da ofensiva, o objetivo das forças russas era dominar Kiev, alvo de constantes bombardeios. Entretanto, diante da inesperada resistência ucraniana, a Rússia foi forçada a mudar sua estratégia. As tropas, então, começaram a se afastar de Kiev e a se concentrar mais no leste ucraniano, a fim de tentar assumir definitivamente o controle de Donbass e de outros locais estratégicos naquela região.
Em meio ao conflito, o governo da Ucrânia e as nações ocidentais passaram a acusar Moscou de atacar inclusive alvos civis, como hospitais e escolas, dando início a investigações de crimes de guerra ou contra a humanidade cometidos pelos soldados do Kremlin.
O episódio que mais pesou para as acusações foi o massacre de Bucha, cidade ucraniana em cujas ruas foram encontrados dezenas de corpos após a retirada do exército russo. As imagens dos mortos foram divulgadas pela primeira vez no dia 2 de abril, por agências de notícias, e chocaram o mundo.
O jornal The New York Times realizou uma investigação com base em imagens de satélite e associou as mortes em Bucha a tropas russas. As fotos mostram objetos de tamanho compatível com um corpo humano na rua Yablonska, entre 9 e 11 de março. Eles estão exatamente nas mesmas posições em que foram descobertos os corpos quando da chegada das tropas ucranianas, conforme vídeo feito por um residente da cidade em 1º de abril.
Fora do campo de batalha, a Rússia tem sido alvo de todo tipo de sanções. As esperadas punições financeiras impostas pelas principais potencias globais já começaram a sufocar a economia russa, e o país tem se tornado um pária global. Desde a invasão da Ucrânia, em 24 de fevereiro, quase mil empresas ocidentais deixaram de operar na Rússia, seja de maneira temporária ou definitiva, parcial ou integral.
Os mortos de Putin
Desde que assumiu o poder na Rússia, em 1999, o presidente Vladimir Putin esteve envolvido, direta ou indiretamente, ou é forte suspeito de ter relação com inúmeros eventos, que levaram a dezenas de milhares de mortes. A lista de vítimas do líder russo tem soldados, civis, dissidentes e até crianças. E vai aumentar bastante com a guerra que ele provocou na Ucrânia.
Na conta dos mortos de Putin entram a guerra devastadora na região do Cáucaso, ações fatais de suas forças especiais que resultaram em baixas civis até dentro do território russo, a queda suspeita de um avião comercial e, em 2022, a invasão à Ucrânia que colocou o mundo em alerta.
A Referência organizou alguns dos principais incidentes associados ao líder russo. Relembre os casos.
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