Centenas de crimes de guerra possivelmente cometidos por tropas da Rússia na Ucrânia estão sendo investigados por autoridades da Alemanha. A informação foi divulgada por Holger Muench, chefe da polícia federal BKA, ao jornal The Welt am Sonntag e reproduzida pela rede Radio Free Europe.
“Até agora, recebemos um número de três dígitos de leads”, disse ele, sugerindo que existem centenas de casos, mas sem especificar um número.
Na mira das autoridades alemãs não estariam apenas os soldados do exército russo diretamente acusados de tais crimes. Também estariam sob investigação oficiais de alta patente e políticos suspeitos de ordenar os abusos.
“É a parte mais difícil de nossa investigação, o intrincado trabalho de quebra-cabeça”, disse Muench. “Nosso objetivo claro é identificar os responsáveis pelas atrocidades, provar suas ações por meio de nossas investigações e levá-los à justiça”.
A Alemanha opera sob jurisdição universal, o que permite a um país estrangeiro processar crimes contra a humanidade, crimes de guerra e genocídio, independentemente de onde foram cometidos. Existe a expectativa de que eventuais acusados sejam julgados não apenas em cortes internacionais, como o Tribunal Penal Internacional (TPI), mas também em tribunais alemães.
Entretanto, Muench alerta que “isso pode levar tempo”, vez que as investigações ainda estão “no início”. Futuramente, caso obtenham um mandado internacional, os investigadores da Alemanha podem vir a ser enviados à Ucrânia. Por ora, eles trabalham em território alemão.
Dessa forma, a inteligência local tem alimentado a polícia federal com informações úteis às investigações. Entre elas, mensagens de rádio interceptadas que mostram soldados russos discutindo as execuções sumárias de militares e civis ucranianos durante a guerra.
Em um áudio, dois soldados discutem a morte de um civil de bicicleta, caso que pode estar associado a imagens que têm circulado na internet. Há um vídeo que mostra um ciclista possivelmente sendo morto por tanques russos na cidade ucraniana de Bucha, além de fotos de ao menos um corpo ao lado de um bicicleta. Em outro áudio, um militar russo fala para o outro: “Primeiro você questiona o soldado, depois atira nele”.
De acordo com especialistas forenses que analisaram os corpos em Bucha, “quase 90% foram mortos por balas, não estilhaços”. Somando-se essa informação à evidência apresentada pelos áudios, a inteligência alemã diz que crescem as suspeitas de que as mortes de civis em toda a guerra, mesmo a de muitos militares ucranianos, não se devem a ações isoladas de determinados soldados russos, e sim de um padrão das tropas invasoras.
Além dos áudios, o governo alemão alega ter imagens de satélite que confirmam o envolvimento de tropas russas nas mortes em Bucha.
O massacre de Bucha
A pressão global por punições à Rússia, às suas tropas e ao presidente Putin aumentou bastante depois que os corpos de dezenas de pessoas foram encontrados nas ruas de Bucha, quando as tropas locais reconquistaram a cidade três dias após a retirada do exército russo. As imagens dos mortos foram divulgadas pela primeira vez no dia 2 de abril, por agências de notícias, e chocaram o mundo.
As fotos mostram pessoas mortas com as mãos amarradas atrás do corpo, um indício de execução. Outros corpos aparecem parcialmente enterrados, com algumas partes à mostra. Há também muitos corpos em valas comuns. Nenhum dos mortos usava uniforme militar, sugerindo que as vítimas são civis.
“O massacre de Bucha prova que o ódio russo aos ucranianos está além de qualquer coisa que a Europa tenha visto desde a Segunda Guerra Mundial”, disse o ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmytro Kuleba, em sua conta no Twitter.
Moscou, por sua vez, nega as acusações. Através do aplicativo russo de mensagens Telegram, o Ministério da Defesa russo disse que, “durante o tempo em que a cidade esteve sob o controle das forças armadas russas, nenhum morador local sofreu qualquer ação violenta”. O texto classifica as denúncias como “outra farsa, uma produção encenada e provocação do regime de Kiev para a mídia ocidental, como foi o caso em Mariupol com a maternidade“.
Entretanto, imagens de satélite da empresa especializada Maxar Technologies derrubam o argumento da Rússia. O jornal The New York Times realizou uma investigação com base nessas imagens e constatou que objetos de tamanho compatível com um corpo humano aparecem na rua Yablonska entre 9 e 11 de março. Eles estão exatamente nas mesmas posições em que foram descobertos os corpos quando da chegada das tropas ucranianas, conforme vídeo feito por um residente da cidade em 1º de abril.
Mais recentemente, Kiev alegou que apenas em Mariupol, que tem sido o principal alvo das tropas russas, foram encontrados ao menos 20 mil corpos de civis mortos. E acusa os soldados russos de depositarem cerca de nove mil cadáveres em valas comuns em Manhush, uma vila próxima à cidade portuária. Ao levar os corpos para outra localidade, o objetivo das tropas de Moscou seria esconder as evidências de crimes.
Vadym Boychenko, prefeito de Mariupol, comparou a descoberta ao massacre de Babi Yar, um fuzilamento em massa comandado nas proximidades de Kiev pelos nazistas em 1941, durante a Segunda Guerra Mundial. Os corpos de cerca de 33 mil pessoas, essencialmente judeus, foram encontrados em valas comuns na ocasião.
“O maior crime de guerra do século 21 foi cometido em Mariupol. Este é o novo Babi Yar. Então, Hitler matou judeus, ciganos e eslavos. Agora, Putin está destruindo os ucranianos”, disse Boychenko. “Precisamos fazer tudo o que pudermos para impedir o genocídio”.
Os mortos de Putin
Desde que assumiu o poder na Rússia, em 1999, o presidente Vladimir Putin esteve envolvido, direta ou indiretamente, ou é forte suspeito de ter relação com inúmeros eventos, que levaram a dezenas de milhares de mortes. A lista de vítimas do líder russo tem soldados, civis, dissidentes e até crianças. E vai aumentar bastante com a guerra que ele provocou na Ucrânia.
Na conta dos mortos de Putin entram a guerra devastadora na região do Cáucaso, ações fatais de suas forças especiais que resultaram em baixas civis até dentro do território russo, a queda suspeita de um avião comercial e, em 2022, a invasão à Ucrânia que colocou o mundo em alerta.
A Referência organizou alguns dos principais incidentes associados ao líder russo. Relembre os casos.
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