China e EUA voltaram a trocar acusações nos últimos dias. No centro do debate está o Estreito de Taiwan, uma área de 180 quilômetros de largura reivindicada por Beijing no Mar da China Meridional. Para Washington, entretanto, tratam-se de águas internacionais, interpretação que inflamou a retórica chinesa e reforçou o temor de uma invasão à ilha de Taiwan. Nesse contexto, uma nova ameaça foi feita por Beijing, enquanto o presidente Xi Jinping adotou medida legal que viabilizaria uma invasão nos moldes da que a Rússia realizou contra a Ucrânia.
A presença militar norte-americana no Estreito aumentou nos últimos anos, com embarcações de sua marinha fazendo incursões ocasionais. A China, que condena tal movimentação, reforçou sua posição na última segunda-feira (13), quando o Ministério das Relações Exteriores disse que o país “tem soberania, direitos soberanos e jurisdição sobre o Estreito de Taiwan”, classificando como “alegação falsa quando certos países chamam o Estreito de Taiwan de ‘águas internacionais'”.
A alegação não ficou sem uma resposta de Washington. Na terça (14), o porta-voz do Departamento de Estado, Ned Price, falou à agência Reuters: “O Estreito de Taiwan é uma via navegável internacional, o que significa que o Estreito de Taiwan é uma área onde as liberdades em alto mar, incluindo a liberdade de navegação e sobrevoo, são garantidas por leis internacionais”.
Legalmente, a questão é complexa. A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar diz que os países podem reivindicar como “mares territoriais” uma área a até 12 milhas náuticas de seu litoral. Áreas até 200 milhas náuticas da costas são zonas econômicas exclusivas (ZEE). Como a maior parte do Estreito de Taiwan tem menos de 200 milhas náuticas de largura, isso resulta na sobreposição de reivindicações entre a China e Taiwan. A partir do momento em que Beijing reivindica a ilha semiautônoma como parte de seu território, a dúvida se dissipa, na visão dos chineses.
Segundo o professor de estudos de defesa Zeno Leoni, do King’s College de Londres, a reivindicação da China é uma forma de desafiar a soberania global ocidental. “A China discorda da liberdade de navegação e da lei internacional porque acha que tudo isso foi estabelecido pelos EUA após a Segunda Guerra Mundial”, disse ele à rede Deutsche Welle.
Wen-Ti Sung, professor de Estudos de Taiwan na Universidade Nacional Australiana (ANU), considera a questão mais delicada e diz que ela pode levar a uma escalada de tensão. “O pronunciamento de Beijing provavelmente provocará uma reação cada vez mais pública dos EUA”, afirmou. “As operações de liberdade de navegação da Marinha dos EUA dentro e ao redor do Estreito de Taiwan provavelmente aumentarão em frequência e publicidade, para sinalizar que os EUA discordam da posição de Beijing”.
Ameaça chinesa
Contribuiu muito para aumentar o temor de um ataque o fato de o presidente Xi Jinping ter assinado uma norma que autoriza o ELP (Exército de Libertação Popular da China) a realizar operações de “não-guerra”. A medida, que entrou em vigor na quinta-feira (16), permitiria a Beijing justificar legalmente uma “operação especial”, tal e qual o eufemismo usado por Moscou para definir seu ataque à Ucrânia.
Segundo a agência de notícias estatal Xinhua, que na segunda-feira (13) apresentou a diretriz de forma resumida, a medida “regula principalmente e sistematicamente princípios básicos, organização e comando, tipos de operações, apoio operacional e trabalho político e sua implementação pelas tropas” e “fornece uma base legal para operações militares sem guerra”.
Entre os objetivos especificados no documento de seis capítulos constam “manter a soberania nacional, a estabilidade regional e regular a organização e implementação de operações militares não relacionadas à guerra”.
Não ficou só nisso. Um alerta, em tom de ameaça, foi feito através do jornal Global Times, vinculado ao Partido Comunista Chinês (PCC). “Gostaria de lembrar a todas as partes que o Estreito de Taiwan está às portas da China continental. Os EUA não podem igualar a capacidade da China de mobilizar forças militares nesta região, bem como a vontade da China de lutar. Seria uma escolha sábia para os militares dos EUA não entrarem em conflito com o ELP aqui”, diz artigo assinado pelo ex-editor-chefe Hu Xijin.
Conflito improvável
No entanto, as ameaças chinesas já se tornaram habituais. Leoni diz que Beijing quer evitar ao máximo um conflito armado, e isso não deve mudar. “A China sabe que uma ofensiva militar contra Taiwan é politicamente cara e difícil”, disse. “Por causa de tudo isso, eles tendem a usar táticas de zona cinzenta, e podemos ver mais e mais disso no futuro. Essas são maneiras de exercer pressão sobre Taiwan sem perturbar os Estados Unidos e desencadear qualquer reação do Oeste”.
Lynn Kuok, analista sênior para Ásia-Pacífico no Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, concorda com essa análise. E vê na guerra entre Rússia e Ucrânia mais um forte argumento contrário à invasão de Taiwan. “No mínimo, a guerra na Ucrânia e como ela se desenrolou pode tornar a China ainda mais relutante em tomar uma ação militar contra Taiwan no curto e médio prazo”, disse ela.
Por que isso importa?
Taiwan é uma questão territorial sensível para os chineses. Nações estrangeiras que tratem a ilha como autônoma estão, no entendimento de Beijing, em desacordo com o princípio defendido de “Uma Só China“, que também encara Hong Kong como parte do território chinês. Diante da aproximação entre Taipé e Washington, desde 2020 a China endureceu a retórica contra as reivindicações de independência da ilha.
Embora não tenha relações diplomáticas formais com Taiwan, assim como a maioria dos países do mundo, os EUA são o mais importante financiador internacional e principal fornecedor de armas do território, o que causa imenso desgosto a Beijing, que tem adotado uma postura belicista na tentativa de controlar a situação.
Jatos militares chineses passaram a realizar exercícios militares nas regiões limítrofes com Taiwan e habitualmente invadem o espaço aéreo taiwanês, deixando claro que a China não aceitará a independência do território “sem uma guerra“.
O embate, porém, pode não terminar em confronto militar, e sim em um bloqueio total da ilha. É o que apontaram relatórios produzidos pelos EUA e por Taiwan em junho de 2021. O documento taiwanês pontua que Beijing não teria capacidade de lançar uma invasão em grande escala, justamente por se tratar de uma ilha. Já segundo o Pentágono, isso “provavelmente sobrecarregaria as forças armadas chinesas”.
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