O bombardeio do Teatro Dramático de Mariupol pelas tropas russas, no dia 16 de março, é um dos inúmeros casos de crimes de guerra atribuídos a Moscou na guerra da Ucrânia, que começou em 24 de fevereiro. Até então, falava-se em cerca de 300 mortos no local, que sabidamente abrigava civis, inclusive mulheres grávidas e crianças. Uma investigação da agência Associated Press, entretanto, sugere que o número de mortos pode chegar a 600, com a possibilidade de ser ainda maior.
A investigação usou uma maquete em 3D do teatro e contou com informações fornecidas por 23 pessoas que têm conhecimento dos eventos, entre sobreviventes e membros das equipes de resgate. De acordo com muitas testemunhas, havia 1,2 mil pessoas no teatro, e as equipes de resgate estimam ter retirado 200 sobreviventes. Assim, mesmo o número estimado de 600 mortos pode ser pouco.
A capacidade de público do teatro é de 600 pessoas, segundo Elena Bila, funcionária do local. Outras testemunhas dizem que esse número de pessoas buscando refúgio foi atingido logo nos primeiros dias de bombardeio, no começo de março. Depois, pessoas chegavam todos os dias em busca de abrigo. Então, com o teatro completamente lotado, a palavra CRIANÇAS foi escrita em cirílico, o alfabeto russo, dos dois lados do prédio, numa tentativa de evitar ataques aéreos às instalações.
Em 15 de março, um dia antes do ataque, com o local abarrotado, somente o palco ficava livre, reservado para cães e gatos. Isso porque ficava sob uma cúpula que parecia o alvo perfeito para um eventual ataque aéreo. Àquela altura, quem chegava ao teatro em busca de abrigo encontrava o porão, o primeiro e o segundo andares tomados, sem espaço para mais ninguém. Restava vaga apenas no terceiro andar.
Após o bombardeio, vídeos feitos pela televisão estatal russa não mostram corpos no teatro. Moscou alega que a destruição do edifício foi obra dos próprios ucranianos, no intuito de incriminar o inimigo. No entanto, nenhuma testemunha diz ter visto tropas da Ucrânia na região antes do ataque. E muitas delas confirmam que antes da explosão foram avistado jatos da força aérea russa no ar. Quantos aos corpos, a suspeita é de que o próprio exército da Rússia os tenha retirado, ou que muitos tenham sido pulverizados pela explosão e se misturado às cinzas do edifício.
Para James Gow, professor de segurança internacional do King’s College, de Londres, documentar o que aconteceu no teatro é fundamental para as investigações de crimes contra a humanidade. “Esse forte depoimento de testemunhas será importante para estabelecer que a conduta (da Rússia) foi generalizada ou sistemática”, disse ele, que testemunhou como especialista no Tribunal Penal Internacional (TPI) para a os crimes cometidos na ex-Iugoslávia.
Quanto ao ataque em si, a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) afirma que o ataque foi deliberado. Essa posição também é defendida por dois especialistas em munições, que sugerem o uso de uma bomba de 500 quilos jogada por um avião de guerra russo.
“É demais para um projétil de artilharia”, disse Mark Cancian, analista de explosivos do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais e ex-oficial de artilharia. “O fato de ter acertado em cheio me levaria a acreditar que era isso que eles pretendiam”.
O massacre de Bucha
A pressão global por punições à Rússia, a suas tropas e ao presidente Putin aumentou consideravelmente depois que os corpos de dezenas de pessoas foram encontrados nas ruas de Bucha, quando as tropas locais reconquistaram a cidade três dias após a retirada do exército russo. As imagens dos mortos foram divulgadas pela primeira vez no dia 2 de abril, por agências de notícias, e chocaram o mundo.
As fotos mostram pessoas mortas com as mãos amarradas atrás do corpo, um indício de execução. Outros corpos aparecem parcialmente enterrados, com algumas partes à mostra. Há também muitos corpos em valas comuns. Nenhum dos mortos usava uniforme militar, sugerindo que as vítimas são civis.
“O massacre de Bucha prova que o ódio russo aos ucranianos está além de qualquer coisa que a Europa tenha visto desde a Segunda Guerra Mundial”, disse o ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmytro Kuleba, em sua conta no Twitter.
Moscou, por sua vez, nega as acusações. Através do aplicativo russo de mensagens Telegram, o Ministério da Defesa russo disse que, “durante o tempo em que a cidade esteve sob o controle das forças armadas russas, nenhum morador local sofreu qualquer ação violenta”. O texto classifica as denúncias como “outra farsa, uma produção encenada e provocação do regime de Kiev para a mídia ocidental, como foi o caso em Mariupol com a maternidade“.
Entretanto, imagens de satélite da empresa especializada Maxar Technologies derrubam o argumento da Rússia. O jornal The New York Times realizou uma investigação com base nessas imagens e constatou que objetos de tamanho compatível com um corpo humano aparecem na rua Yablonska entre 9 e 11 de março. Eles estão exatamente nas mesmas posições em que foram descobertos os corpos quando da chegada das tropas ucranianas, conforme vídeo feito por um residente da cidade em 1º de abril.
Mais recentemente, Kiev alegou que apenas em Mariupol, que tem sido o principal alvo das tropas russas, foram encontrados ao menos 20 mil corpos de civis mortos. E acusa os soldados russos de depositarem cerca de nove mil cadáveres em valas comuns em Manhush, uma vila próxima à cidade portuária. Ao levar os corpos para outra localidade, o objetivo das tropas de Moscou seria esconder as evidências de crimes.
Vadym Boychenko, prefeito de Mariupol, comparou a descoberta ao massacre de Babi Yar, um fuzilamento em massa comandado nas proximidades de Kiev pelos nazistas em 1941, durante a Segunda Guerra Mundial. Os corpos de cerca de 33 mil pessoas, essencialmente judeus, foram encontrados em valas comuns na ocasião.
“O maior crime de guerra do século 21 foi cometido em Mariupol. Este é o novo Babi Yar. Então, Hitler matou judeus, ciganos e eslavos. Agora, Putin está destruindo os ucranianos”, disse Boychenko. “Precisamos fazer tudo o que pudermos para impedir o genocídio”.
Os mortos de Putin
Desde que assumiu o poder na Rússia, em 1999, o presidente Vladimir Putin esteve envolvido, direta ou indiretamente, ou é forte suspeito de ter relação com inúmeros eventos, que levaram a dezenas de milhares de mortes. A lista de vítimas do líder russo tem soldados, civis, dissidentes e até crianças. E vai aumentar bastante com a guerra que ele provocou na Ucrânia.
Na conta dos mortos de Putin entram a guerra devastadora na região do Cáucaso, ações fatais de suas forças especiais que resultaram em baixas civis até dentro do território russo, a queda suspeita de um avião comercial e, em 2022, a invasão à Ucrânia que colocou o mundo em alerta.
A Referência organizou alguns dos principais incidentes associados ao líder russo. Relembre os casos.
O post Bombardeio de teatro em Mariupol pela Rússia matou ao menos 600 civis, aponta investigação apareceu primeiro em A Referência.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe aqui seu comentário, evite comentários depreciativos e ofensivos