Este conteúdo foi publicado originalmente em inglês no Blog do FMI (Fundo Monetário Internacional)
Por Martin Kaufman e Daniel Leigh
2020 foi um ano de extremos. As viagens quase cessaram por um período. Os preços do petróleo flutuaram descontroladamente. O comércio de produtos médicos atingiu novos patamares. Os gastos das famílias mudaram para bens de consumo, em vez de serviços, e as economias aumentaram à medida que as pessoas ficavam em casa em meio a um fechamento global.
O apoio político excepcional evitou uma depressão econômica global, mesmo quando a pandemia teve um grande impacto em vidas e meios de subsistência. A reação global, conforme visto em grandes mudanças em viagens, consumo e comércio, também tornou o mundo um lugar mais desequilibrado economicamente, conforme se nota nos saldos em conta corrente – que são o registro das transações de um país com o resto do mundo.
Em nosso último Relatório do Setor Externo, descobrimos que a reação global à pandemia ampliou ainda mais os saldos em conta corrente global – a soma dos déficits e superávits absolutos entre todos os países – de 2,8% do PIB mundial em 2019 para 3,2% do PIB em 2020. Aqueles balanços devem aumentar ainda mais, à medida que a pandemia continua forte em grande parte do mundo.
Se não fosse pela crise, os saldos globais em conta corrente teriam continuado a diminuir. Embora déficits e superávits externos não sejam necessariamente motivo de preocupação, desequilíbrios excessivos – maiores do que o garantido pelos fundamentos da economia e pelas políticas econômicas adequadas – podem ter efeitos desestabilizadores nas economias, alimentando tensões comerciais e aumentando a probabilidade de ajustes perturbadores de preços de ativos.
Um ano como nenhum outro
As flutuações dramáticas nos déficits e superávits em conta corrente em 2020 foram impulsionadas por quatro grandes tendências alimentadas pela pandemia:
- As viagens diminuíram: a pandemia levou a uma queda acentuada no turismo e nas viagens. Isso teve um impacto negativo significativo sobre os saldos das contas de países que dependem da receita do turismo, como Espanha, Tailândia e Turquia, e consequências ainda maiores para economias menores que dependem do turismo.
- A demanda por petróleo entrou em colapso: o colapso na demanda por petróleo e nos preços da energia durou relativamente pouco, com os preços do petróleo se recuperando na segunda metade de 2020. No entanto, as economias exportadoras de petróleo, como a Arábia Saudita e a Rússia, viram os saldos em conta corrente cair drasticamente em 2020. Já os países importadores de petróleo viram aumentos correspondentes em suas balanças comerciais de petróleo.
- O comércio de produtos médicos disparou: a demanda aumentou cerca de 30% por suprimentos médicos essenciais para o combate à pandemia, como equipamentos de proteção individual, bem como insumos e materiais para fabricá-los, com implicações para importadores e exportadores desses itens.
- O consumo das famílias mudou: como as pessoas foram forçadas a ficar em casa, as famílias mudaram seu consumo de serviços para bens de consumo. Isso aconteceu mais nas economias avançadas, onde houve um aumento na compra de bens duráveis, como aparelhos elétricos usados para acomodar o trabalho de casa e a aprendizagem virtual.
Todos esses fatores contribuíram para que alguns países vissem um déficit em conta corrente mais amplo, o que significa que eles compraram mais do que venderam, ou um superávit em conta corrente maior, ou seja, venderam mais do que compraram. As condições financeiras globais favoráveis, com o apoio sem precedentes da política monetária dos principais bancos centrais, tornaram mais fácil para os países financiarem déficits em conta corrente mais amplos. Em contraste, durante as crises anteriores, em que as condições financeiras se estreitaram drasticamente, os déficits em conta corrente foram mais difíceis, levando os países ainda mais à recessão.
Além desses fatores externos, a pandemia levou ao endividamento massivo do governo para financiar os cuidados de saúde e fornecer apoio econômico a famílias e empresas, criando grandes efeitos desiguais nas balanças comerciais.
O panorama
Prevê-se que os saldos globais em conta corrente aumentem ainda mais em 2021, mas essa tendência não deve durar. As últimas previsões do corpo técnico do FMI indicam que os saldos da conta corrente global diminuirão nos próximos anos, à medida que o superávit da China e o déficit dos EUA caem, atingindo 2,5% do PIB mundial em 2026.
Uma redução nos saldos pode ser adiada se grandes economias deficitárias como a dos EUA empreenderem expansões fiscais adicionais ou houver um ajuste fiscal mais rápido do que o esperado em países com superávit em conta corrente, como a Alemanha. O ressurgimento da pandemia e o endurecimento das condições financeiras globais que interrompem o fluxo de capital para os mercados emergentes e economias em desenvolvimento também podem afetar os equilíbrios.
Apesar do choque da crise e possivelmente devido ao seu impacto mundial, os déficits e superávits excessivos em conta corrente permaneceram praticamente inalterados em 2020, representando cerca de 1,2% do PIB mundial. A maioria dos fatores determinantes dos desequilíbrios externos excedentes é anterior à pandemia e inclui desequilíbrios fiscais, bem como distorções estruturais e de competitividade.
Reequilibrando a economia mundial
Acabar com a pandemia para todos no mundo é a única maneira de garantir uma recuperação econômica global que evite novas divergências. Isso exigirá um esforço global para ajudar os países a obter financiamento para vacinações e manter os cuidados de saúde.
Um impulso de investimento global sincronizado ou um impulso de gastos em saúde sincronizado para acabar com a pandemia e apoiar a recuperação pode ter grandes efeitos no crescimento mundial sem elevar os saldos globais.
Os governos devem intensificar os esforços para resolver as tensões comerciais e tecnológicas e modernizar a tributação internacional. Uma das principais prioridades deve ser a eliminação gradual das barreiras tarifárias e não tarifárias, especialmente em produtos médicos.
Os países com déficits em conta corrente excessivos devem, quando apropriado, procurar reduzir os déficits orçamentários no médio prazo e fazer reformas para aumentar a competitividade, inclusive nas políticas de educação e inovação. Em economias com superávits em conta corrente excessivos e espaço fiscal remanescente, as políticas devem apoiar a recuperação e o crescimento a médio prazo, inclusive por meio de maior investimento público.
Nos próximos anos, os países precisarão se reequilibrar simultaneamente, garantindo que a recuperação seja construída sobre uma base sólida e durável.
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