Desde que chegou ao poder no Afeganistão, em agosto de 2021, o Taleban mantém fora da escola cerca de três milhões de meninas. Inicialmente, o argumento era o de que as escolas só seriam reabertas quando os radicais tivessem certeza de um “ambiente seguro”. Hoje, mesmo essa possibilidade parece distante. Na cidade de Kandahar, muitas adolescentes chegaram a voltar às aulas, mas foram expulsas das escolas em meio a uma onda de inspeções realizadas por talibãs nas instituições de ensino do país. As informações são da rede Gandhara.
A interpretação extremista que o Taleban tem da Sharia, a lei islâmica, considera que as meninas que atingem a puberdade devem ser segregadas, impedidas de estudar com os meninos ou de ter aulas com professores do sexo masculino. Dentro dessa realidade distorcida e considerando a escassez de professoras, os radicais proíbem as jovens de ir à escola.
Fawzia, de 15 anos, conta que cerca de cem meninas da escola dela, no distrito de Daman, foram expulsas durante uma inspeção. “Queremos que o [Taleban] abra nossas escolas para que possamos construir um futuro próspero”, disse ela. “Quero ser médica para poder servir ao meu país”, contou.
Outra estudante, Razia, de 14 anos, afirma que o argumento para ter sido excluída das aulas foi a idade. Um fiscal talibã teria dito que ela é “velha demais” para estudar. “Não estou sozinha”, disse a jovem. “Muitas meninas da minha idade foram forçadas a sair da escola”.
O governo regional não esconde a repressão de gênero. De acordo com Mawlawi Fakhruddin Naqshbandi, chefe provincial do Ministério da Educação em Kandahar, meninas com 13 anos ou mais estão mesmo sendo retiradas da escola.
A situação levou muitas meninas a enfrentar os radicais, com uma onda de protestos que se espalhou por todo o país em setembro. O movimento contou com o apoio de muitos cidadãos, que usaram as redes sociais para partir em defesa das estudantes.
As manifestações começaram na província de Paktia, quando o funcionamento dos estabelecimentos de ensino foi proibido dias depois de eles terem sido reabertos momentaneamente. Seis escolas na cidade de Gardiz e uma em Samkani que haviam voltado a funcionar foram fechadas de novo, levando as jovens a sair às ruas.
De Paktia, os protestos se expandiram para as cidades de Cabul, Herat, Mazar-e Sharif e Ghazni, bem como para as províncias de Bamiyan e Kapisa. Em Kandahar, onde o Taleban surgiu nos anos 1990, o veto à educação foi impopular entre os cidadãos, mas não foram registrados protestos.
Por que isso importa?
A vida das mulheres tem sido particularmente dura no Afeganistão. Aquelas que tinham cargos no governo afegão antes da ascensão talibã seguem impedidas de trabalhar, a educação tornou-se proibida para boa parte delas e a cúpula do governo que prometia ser inclusiva é formada somente por homens. A repressão de gênero gera protestos frequentes de governos ocidentais e entidades humanitárias.
“Os ataques sistemáticos do Taleban aos direitos das mulheres e meninas e ao uso da violência, incluindo tortura e outros maus-tratos e desaparecimentos forçados, criaram uma cultura de medo e ameaçam para apagar completamente as mulheres e meninas da vida pública na sociedade afegã”, afirmou a ONG Anistia Internacional.
A marginalização da mulher no Afeganistão tem um impacto econômico sensível no país, que vive uma das piores crises do mundo. Isso porque a perda do salário por parte de muitas mulheres que sustentavam suas casas deixou as respectivas famílias sem dinheiro e contribui para o empobrecimento da população.
Mulheres também não podem sair de casa desacompanhadas, e há relatos de solteiras e viúvas forçadas a se casar com combatentes. Para lembrar as afegãs de suas obrigações, os militantes ergueram cartazes em algumas áreas para informar os moradores sobre as regras. Em partes do país, as lojas estão proibidas de vender mercadorias a mulheres desacompanhadas.
Há também um código de vestimenta para as mulheres, forçadas a usar o hijab quando estão em público. Como forma de protestar, mulheres afegãs em todo o mundo iniciaram um movimento online, postando fotos nas redes sociais com tradicionais roupas afegãs coloridas, sempre acompanhadas de hashtags como #AfghanistanCulture (cultura afegã) e #DoNotTouchMyClothes (não toque nas minhas roupas).
A repressão de gênero é um das razões citadas pelas nações de todo o mundo para não reconhecerem o Taleban como governantes de direito do Afeganistão. Assim, o país segue isolado da comunidade internacional e afundado na pobreza. O reconhecimento internacional é fundamental para fortalecer financeiramente um país pobre e sem perspectiva imediata de gerar riqueza.
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