O conselho de direitos humanos da ONU (Organização das Nações Unidas) rejeitou na quinta-feira (6) a proposta para debater os supostos abusos cometidos contra uigures e outros muçulmanos na província de Xinjiang, na China. O veto à moção apresentada por países como EUA e Reino Unido representa uma vitória para Beijing, que tem se esforçado para driblar as investigações. As informações são da agência Reuters.
A votação contabilizou 19 votos contra e 17 a favor, tendo 11 abstenções – entre elas o Brasil. Foi a segunda vez em 16 anos de história do conselho que uma moção foi rejeitada. O resultado foi interpretado por observadores como um “retrocesso” para os esforços de responsabilização, tanto para a autoridade moral do Ocidente em direitos humanos quanto para a credibilidade da própria ONU.
Um aguardado relatório das Nações Unidas divulgado em agosto apontou que os uigures são submetidos a uma “escravidão moderna” em Xinjiang. Os métodos contemporâneos praticados na região, maquiados por um sistema que se propõe a buscar o desenvolvimento social, incluem “vigilância excessiva, condições de vida e trabalho abusivas, restrição de movimento por meio de internação, ameaças, violência física e/ou sexual e outros tratamentos desumanos ou degradantes”.
“Isso é um desastre. É realmente decepcionante”, disse Dolkun Isa, presidente do Congresso Mundial Uigur, que perdeu a mãe, morta em um acampamento, e tem dois irmãos desaparecidos.
Entre os países que se manifestaram contrários à proposta estão países africanos, bem como Catar e Emirados Árabes Unidos. Phil Lynch, diretor do Serviço Internacional de Direitos Humanos, definiu o resultado da votação como “vergonhoso”.
Aliados chineses fizeram diferença
O revés de Washington e seus aliados ocidentais no mais alto órgão de defesa dos direitos humanos da ONU, que teve pela primeira vez na sua história um projeto que colocava a China na mira, ocorreu após intensa pressão de Beijing. Particularmente de parceiros tradicionais, como Cuba e Venezuela, mas também do Paquistão e da Indonésia, dois grandes países muçulmanos. Islamabad inclusive citou o risco de “alienar” a China.
O jornal Folha de S.Paulo repercutiu as críticas de Zumretay Arkin, porta-voz do Congresso Mundial Uigur, à decisão brasileira. “O Brasil falhou com milhões de uigures. Como é possível que um país que promove o diálogo se recuse a apoiar isso? É uma hipocrisia que tem de ser denunciada”. O Itamaraty e a delegação brasileira em Genebra, contatados pela reportagem, não responderam imediatamente.
Mesmo diante do resultado negativo, Reino Unido, EUA e Alemanha prometeram continuar trabalhando em prol da prestação de contas. Porém, ativistas entendem que uma derrota como a de quinta, que impediu o início de uma investigação, tornaria “difícil colocá-la de volta na agenda”.
Chen Xu, enviado da China, alertou antes da votação que a moção criaria um precedente para examinar os registros de direitos humanos de outros países.
“Hoje a China é o alvo. Amanhã será a vez de qualquer outro país em desenvolvimento”, disse Xu, acrescentando que um debate levaria a “novos confrontos”.
Por que isso importa?
A comunidade uigur é uma minoria muçulmana de raízes turcas que habita a região autônoma de Xinjiang, no noroeste da China. A província faz fronteira com países da Ásia Central, com quem divide raízes étnicas e linguísticas.
Os uigures, cerca de 11 milhões, enfrentam discriminação da sociedade e do governo chinês e são vistos com desconfiança pela maioria han, que responde por 92% dos chineses. Denúncias dão conta de que Beijing usa de tortura, esterilização forçada, trabalho obrigatório e maus tratos para realizar uma limpeza étnica e religiosa em Xinjiang.
Estimativas apontam que um em cada 20 uigures ou cidadãos de minoria étnica já passou por campos de detenção de forma arbitrária desde 2014.
O governo de Joe Biden, nos EUA, foi o primeiro a usar o termo “genocídio” para descrever as ações da China em relação aos uigures. Em seguida, Reino Unido e Canadá também passaram a usar a designação, e mais recentemente a Lituânia se juntou ao grupo.
A China nega as acusações de que comete abusos em Xinjiang e diz que as ações do governo na região têm como finalidade a educação contraterrorismo, a fim de conter movimentos separatistas e combater grupos extremistas religiosos que eventualmente venham a planejar ataques terroristas no país.
O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China Zhao Lijian afirma que o trabalho forçado uigur é “a maior mentira do século”. “Os Estados Unidos tanto criam mentiras quanto tomam ações flagrantes com base em suas mentiras para violar as regras do comércio internacional e os princípios da economia de mercado”, disse ele.
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