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sábado, 2 de abril de 2022

Russos aproveitam fuga de empresas e tentam registrar patentes famosas

Aos olhos de muitos cidadãos russos, a debandada de marcas ocidentais do país, reflexo da agressão que desencadeou a guerra na Ucrânia, tornou-se uma grande oportunidade. Desde o início do conflito, há pelo menos 50 casos de indivíduos que fizeram solicitações para registrar formalmente marcas famosas, como Coca-Cola, McDonald’s, Mastercard e Nespresso. As informações são da rede russa RBC.

Ao ingressarem com o pedido no escritório de patentes, os russos planejam faturar com o anúncio de que grandes marcas deixarão de produzir ou vender seus produtos no país. Na maioria dos casos, o registro refere-se apenas à marca original, inclusive com pedidos referentes às respectivas logomarcas, como ocorreu com a Coca-Cola. Mas há também pessoas que buscaram soluções alternativas para tentar embolsar dinheiro.

Alguns dos registros solicitados são cópias de grandes nomes do mercado global. Por exemplo, a patente Nezpresso, que, assim como a original Nespresso, também visa a produzir cafeteiras e cápsulas de café, mas com a lera “z” no lugar do “s”. Na mesma situação se enquadra a Idea, uma cópia da loja sueca de móveis Ikea.

Anúncio da Coca-Cola em Moscou, dezembro de 2015 (Foto: Wikimedia Commons)

Duas companhias estão por trás da maioria dos pedidos oportunistas de registro. São a Smart Beauty, do setor de cosméticos, e a farmacêutica Biotekfarm-M, que têm os mesmos acionistas, os russos Vadim Ryabchenko e Alexander Gershtein.

Segundo Gershtein, a ideia foi originalmente da também empresária russa Ekaterina Petrunina, que solicitou o registro da marca McDonald’s, uma das muitas a encerrar suas atividades na Rússia devido à guerra. “Quem está nos impedindo se eles deixarem o país? A escolha é deles”, disse o empresário.

No caso de Ryabchenko e Gershtein, a oportunidade surgiu inicialmente com a empresa francesa L’Oreal, vez que ambos atuam no ramo da beleza. Eles planejam lançar uma linha própria de produtos de beleza e aproveitar a marca famosa para valorizar os itens. Em outros casos, o objetivo é apenas revender a marca aos donos originais no futuro, caso decidam voltar ao mercado russo.

Uma situação curiosa é da Intellectual Property Market Support Agency, que pediu o registro das patentes American Express, Mastercard e Audi. A intenção, porém, é fugir completamente ao ramo de atuação delas. A famosa marca de automóveis tende a se tornar fabricante de perfumes e produtos de limpeza, enquanto as marcas das companhias de cartões de crédito foram registradas na classe de aparelhos científicos e de pesquisa.

Konstantin Kukkoev, por sua vez, pretende aproveitar o vácuo deixado pela Ikea no setor de móveis, por isso registrou a marca Idea. Ele alega que muitos estúdios de projetos, como o dele, foram afetados pela decisão da companhia sueca de sair da Rússia. Então, pretende assumir o espaço no varejo.

“No ano passado, projetamos cerca de 74 móveis de interiores para a Idea. Algumas delas ainda estão em fase de implantação, outras estavam apenas começando”, diz ele, que usaria seus projetos engavetados e venderia os móveis sob a nova marca.

Iniciativa fracassada

Para especialistas em patente, a iniciativa tende a naufragar. Isso porque a legislação russa impede o registro de uma marca que já tenha sido registrada anteriormente, de acordo com o advogado Sergei Zuykov. Segundo a também advogada Anastasia Spilnik, é igualmente inviável assumir os direitos sobre uma patente que tenha “semelhança a ponto de confusão” com outra.

“O fato de algumas empresas terem suspendido suas atividades na Rússia não significa que elas deixaram de existir e que suas marcas não são mais protegidas legalmente”, diz Yury Fedyukin, sócio-gerente da Enterprise Legal Solutions. Nesse caso, acordos internacionais e a OMC (organização Mundial do Comércio) garantem a manutenção do direito sobre a marca, vez que ela continua a existir no resto do mundo.

Zuykov, porém, faz um adendo que pode animar os empreendedores russos. “A chance [de o registro ser aceito] surge em um único caso: se o governo decidir cancelar toda a propriedade intelectual de países hostis”, diz o advogado. “Imaginar que isso aconteça, porém, condiz mais com uma série de ficção”.

Êxodo de empresas

Desde a invasão da Ucrânia pela Rússia, em 24 de fevereiro, mais de 450 empresas ocidentais deixaram ou pretendem deixar de operar em território russo, seja de maneira temporária ou definitiva. O levantamento foi feito pela Universidade de Yale, nos EUA.

A debandada custará caro ao consumidor russo, privado de produtos em setores diversos, como entretenimento, tecnologia, automobilístico, vestuário e geração de energia. Mas que também pode afetar o Ocidente, sobretudo nos casos do gás e do petróleo.

Pensando na Rússia, o maior impacto será causado pelo êxodo das empresas do setor de geração de energia, que já começaram a suspender sua atuação no país, cuja economia é fortemente dependente desse mercado. Destaque para a BP, empresa britânica de gás e petróleo que cancelou um investimento de US$ 14 bilhões na empresa estatal russa Rosneft, segundo a rede Voice of America (VOA).

Seguindo o mesmo caminho da tradicional rede de lanchonetes, a Coca-Cola também confirmou a saída da Rússia. “Nossos corações estão com as pessoas que estão resistindo a efeitos inconcebíveis desses trágicos eventos na Ucrânia”, disse a empresa em comunicado. A PepsiCo, por sua vez, deixa de vender bebidas na Rússia, mas mantém as linhas de produtos essenciais, como leite e comidas para bebês. O Starbucks fechou as lojas e interrompeu o fornecimento de produtos a parceiros.

Nessa área, as sanções já anunciadas por EUA e Reino Unido, que deixaram de comprar petróleo e gás da Rússia, tendem a causar problemas inclusive ao Ocidente, com a perspectiva de grande aumento global nos preços dos combustíveis. E pode piorar, vez que Moscou ameaça suspender o fornecimento de gás natural à Europa como represália e tem afirmado só aceitará vender esses produtos se o pagamento for feito em rublos russos, a fim de fortalecer sua moeda.

No setor de alimentação, alguns gigantes mundiais suspenderam suas operações na Rússia. Um deles é o McDonald’s, que fechou todos seus restaurantes. Ao final do ano passado, a rede tinha 847 lojas no país. Diferente do que ocorre no resto do mundo, onde habitualmente atua no sistema de franquias, 84% das lojas russas são operadas pela própria companhia. Somado ao faturamento na Ucrânia, a operação responde por 9% da receita global da empresa.

Loja do McDonald’s na Rússia (Foto: Wikimedia Commons)

A indústria automobilística também começou a deixar a Rússia, puxada pelas decisões das japonesas Toyota e Nissan de suspenderem a produção em suas fábricas em São Petesburgo. Ambas também anunciaram que deixam de exportar veículos ao país, decisão que foi acompanhada por outras gigantes do setor como HondaJaguarFerrariGM e Volkswagen. Na área de aviação, a Boeing diz que não mais compraria titânio russo para usar na produção de aviões.

Outra decisão que tende a impactar na rotina dos russos é o fim dos serviços das companhias de cartões de crédito Mastercard e Visa. O maior banco estatal da Rússia, o Sberbank, disse que o impacto na rotina doméstica dos cidadãos seria pequeno. A instituição financeira assegurou que ainda é possível “sacar dinheiro, fazer transferências usando o número do cartão e pagar em lojas russas offline e online”, de acordo com a rede britânica BBC.

A tendência é a de que os consumidores russos possam usar os cartões normalmente até que percam a validade, e depois disso não recebam novos plásticos. Entretanto, os cartões emitidos na Rússia já deixaram de ser aceitos no exterior. Isso criou problemas, por exemplo, para turistas russos que ficaram impedidos de deixar a Tailândia, por problemas com voos cancelados e cartões bloqueados.

No setor de vestuário, quem anunciou estar deixando o mercado russo é a Levi’s, sob o argumento de que quaisquer considerações comerciais “são claramente secundárias em relação ao sofrimento humano experimentado por tantos”. Nike e Adidas também suspenderam todas as operações no mercado russo. A sueca Ikea, gigante do setor de móveis, é outra que decidiu deixar a Rússia em função da guerra.

Nas áreas de entretenimento e tecnologia, alguns gigantes também optaram por suspender as vendas de produtos e serviços no país de Vladimir Putin. A Netflix interrompeu seus serviços e cancelou todos os projetos e aquisições na Rússia, enquanto WarnerDisney e Sony adiaram os lançamentos de suas novas produções no país. Já a Apple excluiu os aplicativos das empresas estatais russas de mídia RT e Sputnik e disse que não mais venderá seus produtos, como iPhonesiPads e afins, em território russo. Panasonic, NokiaMicrosoft e Samsung são outras que optaram por encerrar as operações no país.

Duas importantes cervejarias da Europa, a holandesa Heineken e a dinamarquesa Carlsberg, também anunciaram que venderão seus negócios e deixarão de atuar na Rússia. Os planos da empresa da Holanda incluem manter o pagamento de seus funcionários até o final do ano, período no qual buscará um comprador, bem como vender o negócio sem margem de lucro. Já a companhia da Dinamarca diz que seguirá em funcionamento, mas com uma operação em pequena escala, até ser vendida.

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