Conforme a guerra na Ucrânia avança, sem a perspectiva próxima de se encerrar, tem aumentado o número de soldados profissionais da Rússia que se recusam a lutar. As informações são da rede Radio Free Europe.
Se existe uma estatística oficial que indique o número de desertores, ela não é divulgada por Moscou. Entretanto, há alguns levantamentos nesse sentido. Um deles foi feito pelo advogado Pavel Chikov, fundador da ONG de assistência jurídica Agora. No aplicativo de mensagens Telegram, ele afirmou que mais de militares e membros da Guarda Nacional se recusaram a ir para a Ucrânia.
Já Ruslan Leviyev, fundador da ONG Conflict Intelligence Team (Conflict Intelligence Team, em tradução literal), que monitora informações de código aberto sobre militares russos, afirma que o número real tende a ser consideravelmente maior. E vai além: as recusas a lutar estariam prejudicando os esforços para reagrupar as tropas e renovar as operações militares russas no leste ucraniano.
“O fenômeno da recusa está se tornando sistêmico”, disse Leviyev. “Esses soldados são encontrados em praticamente todas as unidades que retornaram da Ucrânia. De acordo com nossas estimativas, de 20% a 40% dos militares contratados que retornaram da Ucrânia e que estão sendo preparados para serem enviados de volta estão se recusando a retornar ao combate”.
Embora os soldados que se recusam a lutar não possa ser considerados desertores, eles podem enfrentar consequências jurídicas por desobedecerem as ordens hierárquicas. Para punir os militares, a Justiça teria, segundo ele, que provar a legitimidade da ordem e o prejuízo que a recusa causou ao exército.
E é justamente a questão legal que tem sido usada pelo governo para pressionar os reticentes. “Pelos casos que vimos, eles estão sendo intimidados com ameaças de acusação trabalhadas por promotores militares. Mas até agora ninguém foi processado, de acordo com o que vimos”, afirmou Leviyev.
Curiosamente, o que pode beneficiar os soldados em caso de um processo é justamente a iniciativa do governo de não classificar a guerra na Ucrânia como “guerra”, e sim usar o eufemismo “operação militar especial”.
“Os cidadãos têm o direito de se recusar a ir a uma guerra estrangeira e matar pessoas”, disse o advogado da Agora Mikhail Benyash, que atua em alguns desses casos. “E eles também têm o direito de não participar de uma ‘operação militar especial’. Por definição, apenas tropas de forças especiais com treinamento para tais operações são enviadas”.
No Telegram, tem aumentado bastante o questionamento sobre as consequências de se recusar a lutar. Uma delas, já notada, é a dispensa do serviço mmilitar daqueles que não acatam as ordens, segundo o advogado de direitos humanos Maksim Grebenyuk.
De acordo com Grebenyuk, o governo tem carimbado a frase ‘inclinado à traição, mentiras e enganos” no documento militar dos soldados que se recusam a lutar. Também é informado ali que o respectivo militar se recusou, especificamente, a lutar em Donetsk e Luhanks. Essa mácula no currículo militar pode prejudicar o cidadão na busca por emprego ou dificultar a matrícula no ensino superior.
Na visão de Leonid Volkov, assessor do oposicionista Alexei Navalny, o maior adversário do presidente Vladimir Putin, o fato de o governo carimbar os documentos indica que os casos são muitos. “Então é um fenômeno de massa. Isso é bom”, disse ele no Twitter, exibindo a foto de um suposto documento carimbado.
Штамп отлили? Значит, явление массовое. Это хорошо. pic.twitter.com/o6LPbNtYcm
— Leonid Volkov (@leonidvolkov) April 13, 2022
Na visão de Benyash, a tendência é o número de recusas aumentar conforme cresçam as baixas russas na guerra. “Acho que, quanto mais caixões de zinco voltarem da Ucrânia, mais pessoas haverá na Rússia que não desejam ser as próximas”, disse ele. “Tal posição se tornará socialmente aceitável, compreendida e aceita”.
Por que isso importa?
A escalada de tensão entre Rússia e Ucrânia, que culminou com a efetiva invasão russa ao país vizinho, no dia 24 de fevereiro, remete à anexação da Crimeia pelos russos, em 2014, e à guerra em Donbass, que começou naquele mesmo an. Aquele conflito foi usado por Vladimir Putin como argumento para justificar a invasão integral, classificada por ele como uma “operação militar especial”.
“Tomei a decisão de uma operação militar especial”, disse Putin pouco depois das 6h de Moscou (0h de Brasília) de 24 de fevereiro. Cerca de 30 minutos depois, as primeira explosões foram ouvidas em Kiev, capital ucraniana, e logo em seguida em Mariupol, no leste do país.
No início da ofensiva, o objetivo das forças russas era dominar Kiev, alvo de constantes bombardeios. Entretanto, diante da inesperada resistência ucraniana, a Rússia foi forçada a mudar sua estratégia. As tropas, então, começaram a se afastar de Kiev e a se concentrar mais no leste ucraniano, a fim de tentar assumir definitivamente o controle de Donbass e de outros locais estratégicos naquela região.
Em meio ao conflito, o governo da Ucrânia e as nações ocidentais passaram a acusar Moscou de atacar inclusive alvos civis, como hospitais e escolas, dando início a investigações de crimes de guerra ou contra a humanidade cometidos pelos soldados do Kremlin.
O episódio que mais pesou para as acusações foi o massacre de Bucha, cidade ucraniana em cujas ruas foram encontrados dezenas de corpos após a retirada do exército russo. As imagens dos mortos foram divulgadas pela primeira vez no dia 2 de abril, por agências de notícias, e chocaram o mundo.
O jornal The New York Times realizou uma investigação com base em imagens de satélite e associou as mortes em Bucha a tropas russas. As fotos mostram objetos de tamanho compatível com um corpo humano na rua Yablonska, entre 9 e 11 de março. Eles estão exatamente nas mesmas posições em que foram descobertos os corpos quando da chegada das tropas ucranianas, conforme vídeo feito por um residente da cidade em 1º de abril.
Fora do campo de batalha, a Rússia tem sido alvo de todo tipo de sanções. As esperadas punições financeiras impostas pelas principais potencias globais já começaram a sufocar a economia russa, e o país tem se tornado um pária global. Desde a invasão da Ucrânia, em 24 de fevereiro, mais de 600 empresas ocidentais deixaram de operar na Rússia, seja de maneira temporária ou definitiva, parcial ou integral.
Os mortos de Putin
Desde que assumiu o poder na Rússia, em 1999, o presidente Vladimir Putin esteve envolvido, direta ou indiretamente, ou é forte suspeito de ter relação com inúmeros eventos, que levaram a dezenas de milhares de mortes. A lista de vítimas do líder russo tem soldados, civis, dissidentes e até crianças. E vai aumentar bastante com a guerra que ele provocou na Ucrânia.
Na conta dos mortos de Putin entram a guerra devastadora na região do Cáucaso, ações fatais de suas forças especiais que resultaram em baixas civis até dentro do território russo, a queda suspeita de um avião comercial e, em 2022, a invasão à Ucrânia que colocou o mundo em alerta.
A Referência organizou alguns dos principais incidentes associados ao líder russo. Relembre os casos.
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