A guerra que ocorre atualmente na Ucrânia, desencadeada pela invasão russa no dia 24 de fevereiro, ensinou duas coisas a Taiwan. A primeira é a de que uma nação mais fraca pode, sim, resistir militarmente a outra muito mais poderosa. A segunda é a de que os EUA não estão dispostos a se envolver militarmente em um confronto que não lhes diz respeito diretamente.
Após quase dois meses de confronto no leste europeu, especialistas entendem que essa segunda lição está mais do que clara, de acordo com o jornal South China Morning Post. Na visão dos analistas, em caso de um ataque chinês à ilha, o apoio norte-americano a seu aliado poderia se dar em diversas frente, inclusive no fornecimento de equipamento militar. Mas não no envio de tropas.
Mesmo em Washington essa é uma opinião predominante. É o que evidenciou o chefe do Estado-Maior Conjunto, Mark Milley, em audiência do comitê de serviços armados do Senado, no dia 7 de abril.
“Certamente podemos ajudá-los (Taiwan), como está sendo feito na Ucrânia, por exemplo. Muitas lições estão surgindo que a China está levando a sério”, disse Miley, segundo quem a abordagem norte-americana, de sancionar Moscou e armar Kiev, funciona melhor que o apoio militar efetivo.
O melhor argumento dos EUA para se manter fisicamente distante de um confronto com a Rússia é o risco de desencadear o que viria a ser uma Terceira Guerra Mundial, segundo Max Lo, diretor executivo da Sociedade Internacional de Estudos Estratégicos de Taiwan, um think tank sediado em Taipé. E isso valeria também para um eventual conflito com a China.
“O presidente [Joe] Biden usou a razão de que desencadearia uma guerra mundial para se recusar a enviar tropas para a Ucrânia”, disse ele. “Sob essa lógica, é improvável que os EUA enviem forças para ajudar Taiwan caso um conflito através do Estreito ecloda”.
Lo destaca que mesmo o envio de armas foi comedido, embora suficiente, vez que os EUA cederam apenas equipamento simples, além de inteligência e tecnologia de satélite. Somando-se às sanções impostas a Moscou, a estratégia bastou para deter a agressão russa e enfraquecer significativamente o rival no cenário internacional.
“Os EUA são os maiores vencedores na guerra da Ucrânia”, afirma o analista. “Portanto, é bastante óbvio que os EUA aplicariam esse modelo para ajudar Taiwan no caso de um conflito através do Estreito”.
Alexander Huang Chieh-cheng, professor de relações internacionais e estudos estratégicos da Universidade Tamkang, em Taipé, endossa as palavras do colega. “A experiência da Ucrânia nos diz que, na realidade, os EUA não enviariam tropas para ajudar”, afirmou.
De acordo com Chieh-cheng, a promessa norte-americana de “ajudar a defender Taiwan” está aberta a interpretações. E o exemplo da Ucrânia indica qual das interpretações parece mais adequada, vez que Washington adotou a estratégia de apoiar o aliado sem interferir militarmente.
Mesmo no caso de envio de tropas, o professor alerta que o resultado poderia não ser dos melhores, devido a barreiras como o idioma e a falta de treinamento conjunto entre soldados norte-americanos e taiwaneses.
Wang Kung-yi, chefe da Sociedade Internacional de Estudos Estratégicos de Taiwan, é mais um que adota essa linha de pensamento. “A guerra na Ucrânia permitiu que o público soubesse que seria improvável os EUA enviarem tropas para ajudar Taiwan. Os taiwaneses devem contar com sua própria capacidade no caso de uma guerra”.
Por que isso importa?
Taiwan é uma questão territorial sensível para os chineses. Nações estrangeiras que tratem a ilha como autônoma estão, no entendimento de Beijing, em desacordo com o princípio defendido de “Uma Só China“, que também encara Hong Kong como parte do território chinês. Diante da aproximação entre Taipé e Washington, desde 2020 a China endureceu a retórica contra as reivindicações de independência da ilha.
Embora não tenha relações diplomáticas formais com Taiwan, assim como a maioria dos países do mundo, os EUA são o mais importante financiador internacional e principal fornecedor de armas do território, o que causa imenso desgosto a Beijing, que tem adotado uma postura belicista na tentativa de controlar a situação.
Jatos militares chineses passaram a realizar exercícios militares nas regiões limítrofes com Taiwan e habitualmente invadem o espaço aéreo taiwanês, deixando claro que a China não aceitará a independência do território “sem uma guerra“.
O embate, porém, pode não terminar em confronto militar, e sim em um bloqueio total da ilha. É o que apontaram relatórios produzidos pelos EUA e por Taiwan em junho de 2021. O documento taiwanês pontua que Beijing não teria capacidade de lançar uma invasão em grande escala, justamente por se tratar de uma ilha. Já segundo o Pentágono, isso “provavelmente sobrecarregaria as forças armadas chinesas”.
Caso ocorresse, a escalada militar criaria um “risco político e militar significativo” para Beijing. Ainda assim, ambos os relatórios reconhecem que a China é capaz de bloquear Taiwan com cortes dos tráfegos aéreo e naval e das redes de informação. O bloqueio sufocaria a ilha, criando uma reação internacional semelhante àquela que seria causada por uma eventual ação militar.
Em artigo publicado em novembro, Michael Beckley e Hal Brands alertaram que o tempo está se esgotando para frear o ímpeto belicista chinês. “Os sinais de alerta históricos da China já estão piscando em vermelho. Na verdade, ter uma visão de longo prazo de por que e sob quais circunstâncias a China luta é a chave para entender o quão curto o tempo se tornou para os Estados Unidos e os outros países no caminho de Beijing”.
O post Chance é quase nula de EUA lutarem ao lado de Taiwan contra a China, dizem analistas apareceu primeiro em A Referência.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe aqui seu comentário, evite comentários depreciativos e ofensivos