A campanha das tropas da Rússia na Ucrânia conta com armamento e munição provenientes do Iraque, que chegam às forças russas através de uma rede iraniana de contrabandistas. Faz parte do equipamento um lançador de foguetes projetado no Brasil, de acordo com o jornal britânico Guardian.
O governo do Irã colaborou para armar as forças russas como parte da aliança entre as duas nações na guerra na Síria. O conflito, que começou em 2011, tem Moscou e Teerã aliados ao presidente sírio Bashar Al-Assad na luta contra contra as forças de oposição, que em diversos momentos contaram com apoio da Turquia e de potências ocidentais.
Segundo Mohaned Hage Ali, membro do think tank Carnegie Middle East Center, o Irã tem grande interesse em uma vitória russa na Ucrânia. “Se o regime de Putin for desestabilizado, isso terá enormes implicações para o Irã, particularmente na Síria, onde Damasco depende do apoio aéreo russo e das coordenadas da Rússia para evitar conflitos diretos entre eles e Israel”, diz o analista.
Assim, Teerã agiu para reforçar o aliado. E usou armas provenientes do Iraque, que tem um arsenal considerável desde a queda de Saddam Hussein, em 2003. No processo político que se desenrolou desde então, muitas das armas cedidas a Bagdá por potências ocidentais chegaram às mãos de milícias xiitas apoiadas pelo Irã e que mais tarde foram incorporadas às forças armadas iraquianas.
Mísseis antitanque, lançadores de granada e lançadores de foguetes provenientes do Iraque chegaram ao Irã com o suporte das Forças de Mobilização Popular (do árabe Hashd al-Shaabi), uma entidade guarda-chuva que abriga cerca de 40 milícias essencialmente xiitas. De lá, foram enviadas por via marítima para a Rússia, segundo um comandante de uma dessas milícias.
Um dos armamentos que fez essa rota foi o lançador de foguetes Astros II, projetado no Brasil e batizado Sajil-60 em sua versão iraquiana licenciada. O arsenal também inclui o sistema de mísseis iraniano Bavar 373, semelhante ao russo S-300. Eles seguiram em três navios de carga, dois de bandeira russa, um de bandeira iraniana.
“Não nos importamos para onde vão as armas pesadas”, disse uma fonte das Forças de Mobilização Popular. “O que quer que seja anti-EUA nos deixa felizes”.
Yoruk Isık, especialista em assuntos marítimos, diz que o transporte é discreto. “O que os russos precisam na Ucrânia são mísseis. Eles exigem habilidade para transportar, pois são frágeis e explosivos. Mas, se você estiver comprometido em fazê-lo, é possível. Também não é o tipo de atividade que seria captada por imagens de satélite, pois podem ser transportados em caixas grandes e contêineres regulares”.
Rússia sancionada
Hage Ali explica que o contrabando tornou-se uma alternativa russa devido às sanções ocidentais, que teriam deixado o exército sem peças inclusive para o reparo de veículos militares. Quaisquer bens de dupla utilização, com finalidade civil e militar, estão vetados. Além, claro, de itens de óbvia utilização militar.
Em busca de opções, Moscou teria recorrido à China, de acordo com informações divulgadas por uma autoridade norte-americana em março. À época, Beijing, através do porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Zhao Lijian, acusou Washington de espalhar “desinformação” sobre a postura do país em relação aos ataques em território ucraniano. “Intenções maliciosas”, definiu ele.
O Kremlin igualmente rechaçou a alegação de que teria buscado suporte chinês. Segundo o porta-voz do governo russo, Dmitry Peskov, “a Rússia não pediu ajuda à China e tem influência militar suficiente para cumprir todos os seus objetivos na Ucrânia”.
Por que isso importa?
A escalada de tensão entre Rússia e Ucrânia, que culminou com a efetiva invasão russa ao país vizinho, no dia 24 de fevereiro, remete à anexação da Crimeia pelos russos, em 2014, e à guerra em Donbass, que começou naquele mesmo an. Aquele conflito foi usado por Vladimir Putin como argumento para justificar a invasão integral, classificada por ele como uma “operação militar especial”.
“Tomei a decisão de uma operação militar especial”, disse Putin pouco depois das 6h de Moscou (0h de Brasília) de 24 de fevereiro. Cerca de 30 minutos depois, as primeira explosões foram ouvidas em Kiev, capital ucraniana, e logo em seguida em Mariupol, no leste do país.
No início da ofensiva, o objetivo das forças russas era dominar Kiev, alvo de constantes bombardeios. Entretanto, diante da inesperada resistência ucraniana, a Rússia foi forçada a mudar sua estratégia. As tropas, então, começaram a se afastar de Kiev e a se concentrar mais no leste ucraniano, a fim de tentar assumir definitivamente o controle de Donbass e de outros locais estratégicos naquela região.
Em meio ao conflito, o governo da Ucrânia e as nações ocidentais passaram a acusar Moscou de atacar inclusive alvos civis, como hospitais e escolas, dando início a investigações de crimes de guerra ou contra a humanidade cometidos pelos soldados do Kremlin.
O episódio que mais pesou para as acusações foi o massacre de Bucha, cidade ucraniana em cujas ruas foram encontrados dezenas de corpos após a retirada do exército russo. As imagens dos mortos foram divulgadas pela primeira vez no dia 2 de abril, por agências de notícias, e chocaram o mundo.
O jornal The New York Times realizou uma investigação com base em imagens de satélite e associou as mortes em Bucha a tropas russas. As fotos mostram objetos de tamanho compatível com um corpo humano na rua Yablonska, entre 9 e 11 de março. Eles estão exatamente nas mesmas posições em que foram descobertos os corpos quando da chegada das tropas ucranianas, conforme vídeo feito por um residente da cidade em 1º de abril.
Fora do campo de batalha, a Rússia tem sido alvo de todo tipo de sanções. As esperadas punições financeiras impostas pelas principais potencias globais já começaram a sufocar a economia russa, e o país tem se tornado um pária global. Desde a invasão da Ucrânia, em 24 de fevereiro, mais de 600 empresas ocidentais deixaram de operar na Rússia, seja de maneira temporária ou definitiva, parcial ou integral.
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