O governo da Ucrânia anunciou na terça-feira (26) que está preparando as primeiras acusações de crimes de guerra contra soldados russos. Estão na mira da Justiça ucraniana ao menos sete militares, sendo que alguns deles são mantidos como prisioneiros de guerra, enquanto outros tendem a ser julgados à revelia. As informações são da agência Reuters.
De acordo com a procuradoria geral ucraniana, entre os acusados estão três pilotos suspeitos de bombardear edifícios civis nas regiões de Kharkiv e Sumy, além de dois operadores de lança-foguetes que atingiram assentamentos em Kharkiv. Outros dois militares são acusados de matar um civil e estuprar a mulher dele.
Por ora, os indivíduos acusados foram notificados pelas autoridades, embora nenhuma acusação formal tenha sido feita ainda. As investigações estão em andamento, e a procuradora geral, Iryna Venediktova, não compartilhou as provas que eventualmente pesam contra os russos.
Kiev alega que registrou cerca de 7,6 mil casos de possíveis crimes de guerra contra ao menos 500 suspeitos. A depender do resultado das investigações, as acusações serão feitas tanto na Justiça local quanto em cortes internacionais, como o TPI (Tribunal Penal Internacional).
A ONU (organização das Nações Unidas) fala em 2,4 mil civis mortos desde o início da guerra, mas admite que o número tende a ser bem maior, em virtude dos casos ainda não identificados.
A estratégia do governo ucraniano é abrir o máximo possível de processos, a fim de tentar condenar tantos militares russos quanto possível. Os casos envolvendo figuras do alto escalão das forças armadas da Rússia, porém, devem ser deixados para o TPI, de acordo com uma fonte interna que pediu para não ter a identidade revelada.
Apoio internacional
Segundo David Schwendiman, ex-promotor federal dos EUA e integrante da equipe que processou crimes das guerras dos Bálcãs, na década de 1990, a Ucrânia precisará de ajuda externa, vez que não tem experiência em casos do gênero. Ele destaca a grande quantidade de provas e diz que armazená-las não é uma tarefa simples.
“Cada um desses corpos é uma cena de crime. Cada um desses edifícios é uma cena de crime. Toda cidade é uma cena de crime”, disse Schwendiman.
A situação não chega a ser novidade para a Ucrânia, que criou uma unidade especial para investigar possíveis crimes de guerra russos na Crimeia, região anexada por Moscou em 2014. Entretanto, Zera Kozlyieva, vice-chefe da unidade de crimes de guerra no gabinete da procuradora geral, concorda que será necessário o apoio de especialistas estrangeiros.
Recentemente, Venediktova recebeu uma equipe de especialistas forenses da França, que visitaram a cidade de Bucha, um dos principais palcos de abusos cometidos por tropas russas durante a guerra. Ela também manteve contato com Beth Van Schaack, embaixadora-geral para Justiça Criminal Global no Departamento de Estado dos EUA.
Questionada sobre a situação, Van Schaack disse que a impunidade é uma possibilidade real. Se não para todos os criminosos de guerra russos, para uma boa parte deles. Ela afirmou que, em casos assim, o maior desafio é obter a custódia dos acusados. Caso eles ganhem abrigo na Rússia, podem “desfrutar de impunidade pelo resto de seus dias”.
O massacre de Bucha
A pressão dos governos ocidentais contra a Rússia aumentou consideravelmente depois que os corpos de dezenas de pessoas foram encontrados nas ruas de Bucha, quando as tropas locais reconquistaram a cidade três dias após a retirada do exército russo. As imagens dos mortos foram divulgadas pela primeira vez no dia 2 de abril, por agências de notícias, e chocaram o mundo.
As fotos mostram pessoas mortas com as mãos amarradas atrás do corpo, um indício de execução. Outros corpos aparecem parcialmente enterrados, com algumas partes à mostra. Há também muitos corpos em valas comuns. Nenhum dos mortos usava uniforme militar, sugerindo que as vítimas são civis.
“O massacre de Bucha prova que o ódio russo aos ucranianos está além de qualquer coisa que a Europa tenha visto desde a Segunda Guerra Mundial”, disse o ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmytro Kuleba, em sua conta no Twitter.
Moscou, por sua vez, nega as acusações. Através do aplicativo russo de mensagens Telegram, o Ministério da Defesa russo disse que, “durante o tempo em que a cidade esteve sob o controle das forças armadas russas, nenhum morador local sofreu qualquer ação violenta”. O texto classifica as denúncias como “outra farsa, uma produção encenada e provocação do regime de Kiev para a mídia ocidental, como foi o caso em Mariupol com a maternidade“.
Entretanto, imagens de satélite da empresa especializada Maxar Technologies derrubam o argumento da Rússia. O jornal The New York Times realizou uma investigação com base nessas imagens e constatou que objetos de tamanho compatível com um corpo humano aparecem na rua Yablonska entre 9 e 11 de março. Eles estão exatamente nas mesmas posições em que foram descobertos os corpos quando da chegada das tropas ucranianas, conforme vídeo feito por um residente da cidade em 1º de abril.
Mais recentemente, Kiev alegou que apenas em Mariupol, que tem sido o principal alvo das tropas russas, foram encontrados ao menos 20 mil corpos de civis mortos. E acusa os soldados russos de depositarem cerca de nove mil cadáveres em valas comuns em Manhush, uma vila próxima à cidade portuária. Ao levar os corpos para outra localidade, o objetivo das tropas de Moscou seria esconder as evidências de crimes.
Vadym Boychenko, prefeito de Mariupol, comparou a descoberta ao massacre de Babi Yar, um fuzilamento em massa comandado nas proximidades de Kiev pelos nazistas em 1941, durante a Segunda Guerra Mundial. Os corpos de cerca de 33 mil pessoas, essencialmente judeus, foram encontrados em valas comuns na ocasião.
“O maior crime de guerra do século 21 foi cometido em Mariupol. Este é o novo Babi Yar. Então, Hitler matou judeus, ciganos e eslavos. Agora, Putin está destruindo os ucranianos”, disse Boychenko. “Precisamos fazer tudo o que pudermos para impedir o genocídio”.
Os mortos de Putin
Desde que assumiu o poder na Rússia, em 1999, o presidente Vladimir Putin esteve envolvido, direta ou indiretamente, ou é forte suspeito de ter relação com inúmeros eventos, que levaram a dezenas de milhares de mortes. A lista de vítimas do líder russo tem soldados, civis, dissidentes e até crianças. E vai aumentar bastante com a guerra que ele provocou na Ucrânia.
Na conta dos mortos de Putin entram a guerra devastadora na região do Cáucaso, ações fatais de suas forças especiais que resultaram em baixas civis até dentro do território russo, a queda suspeita de um avião comercial e, em 2022, a invasão à Ucrânia que colocou o mundo em alerta.
A Referência organizou alguns dos principais incidentes associados ao líder russo. Relembre os casos.
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