Por André Amaral
Desde que colocou suas tropas na Ucrânia, a Rússia virou alvo de todo tipo de sanção, sofrendo um contra-ataque global que tornou o país um pária. No campo econômico, um dos mais duros golpes foi a exclusão dos principais bancos russos do sistema internacional bancário Swift, um modelo de pagamentos baseado na Bélgica que movimenta dinheiro entre milhares de agências ao redor do planeta. O jeito foi o Kremlin buscar outras alternativas para realizar as transações.
Conhecido como o “Gmail” dos bancos globais, o sistema é vital a ponto de o Ocidente colocar a sanção como última alternativa, a chamada “opção nuclear”. Não surpreende, então, o fato de que o veto a Moscou no Swift cause impactos também no Brasil, já que empresas locais que mantêm negócios com os russos igualmente sofrem com tal entrave.
Segundo levantamento da firma de informações comerciais CIAL Dun & Bradstreet, cerca de 2,4 mil empresas que dependem de fornecedores russos e ucranianos estão sediadas no país, de acordo com a revista Exame.O conflito ocorreu em um momento em que a Rússia havia anunciado crescimento de 81% no volume de negócios com o Brasil,
alcançando US$ 6,4 bilhões, segundo o vice-ministro de Desenvolvimento Econômico russo, Vladímir Ilitchov. A firmação saiu em uma matéria publicada em 16 de fevereiro pelo veículo Russia Beyond, braço da agência de notícias estatal russa RIA Novosti.“De janeiro a novembro de 2021, o comércio russo-brasileiro aumentou 81% em comparação com o mesmo período do ano anterior e somou 6,4 bilhões de dólares, quase atingindo um máximo histórico”, disse a autoridade, acrescentando que, paralelamente, as exportações russas cresceram mais de 150%, para 4,4 bilhões de dólares, sobretudo devido ao aumento da oferta de produtos de petróleo, fertilizantes, carvão e metais.
“As importações do Brasil, por sua vez, cresceram 8%, para 2 bilhões de dólares, principalmente graças ao aumento das compras de carne e subprodutos, aves, soja e café”, disse Ilitchov, citado pela revista russa Financial One.
Em fevereiro, o Encontro Empresarial Brasil-Rússia debateu o incremento das relações bilaterais e oportunidades de investimentos entre as duas nações. O presidente Jair Bolsonaro participou do fórum. “Há um grande interesse da Rússia no Brasil e do Brasil também na Rússia”, disse ele, segundo a Agência Brasil.
E tal “grande interesse” diz respeito principalmente aos fertilizantes. Segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, o Brasil importa cerca de 80% de todo o fertilizante usado na produção agrícola nacional. A dependência externa é tamanha que, na quarta-feira (6), o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Carlos França, pediu ao secretário de Estado dos Estados Unidos, Antony Blinken, uma licença especial para que o Brasil compre fertilizantes de países que estão sob sanções em decorrência da guerra na Ucrânia, inclusive da Rússia.
“Nós não desistimos da Rússia. A Rússia é um produtor que temos contrato e o que estamos tentando fazer agora é vencer as dificuldades logísticas e garantir também ao importador brasileiro de que nós não teremos problema, eles não terão problema em negociar com a Rússia apesar das sanções”, disse França ao jornal Folha de S.Paulo.
Há outros negócios em jogo. Em fevereiro, o presidente do Conselho Empresarial Rússia-Brasil, o oligarca Andrey Andreevich Guryev
– um dos quatro bilionários russos com estreitos laços empresariais no Brasil – recebeu a medalha da Ordem do Rio Branco pelas mãos do presidente Bolsonaro em uma cerimônia realizada em Moscou, durante visita diplomática do mandatário brasileiro.Segundo a rede BBC, a família Guryev controla a PhosAgro, uma das maiores empresas do mundo de fertilizantes à base de fosfato. A revista Forbes estima a fortuna da família em US$ 6 bilhões, a 28ª maior da Rússia.
Em 2021, a
PhosAgro ofereceu 50 mil doses da vacina russa Sputnik V contra a Covid-19 ao Ministério da Saúde. O uso do imunizante no Brasil, no entanto, nunca foi autorizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).Driblando as sanções
Na Rússia, a salvação para os negócios veio de recursos domésticos e de um fiel aliado. Diante dos bloqueios, que levaram empresas como Mastercard e Visa a deixarem de operar no país, Moscou recorreu a empresas da China para obter chips de cartões bancários.
A emissão de cartões inseridos no sistema Mir – desenvolvido no país em 2014 e que funciona em um grupo restrito de países, e daí a necessidade de novos chips para a produção de cartões que operem dentro desse sistema – tem aumentado exponencialmente, chegando hoje a 116 milhões. Somente entre o final de 2021 e março de 2022, o NSPK diz ter emitido 2 milhões de cartões para uso doméstico. No caso de uso no exterior, a alternativa às saídas de Visa e Mastercard é o sistema chinês Union Pay.
Outro mecanismo igualmente vem do país asiático, que diz manter uma “postura neutra” sobre a invasão: o CIPS (Sistema de Pagamentos Interbancários Transfronteiriço), o qual vários bancos russos estão conectados, vem recebendo cada vez mais atenção, segundo a agência Reuters.
Com apoio do Banco Popular da China (PBOC), a China lançou o sistema de serviços de compensação e liquidação em 2015 para internacionalizar o uso do yuan. Segundo a reportagem, ele permite que bancos globais liquidem transações internacionais da moeda chinesa diretamente em terra, em vez de através de bancos de compensação em centros de yuans offshore.
No final de janeiro, o CIPS disse que cerca de 1.280 instituições financeiras em 103 países e regiões estavam conectados ao sistema. Isso inclui 30 bancos no Japão, 23 na Rússia e 31 bancos de países africanos que recebem fundos em yuan por meio de projetos de infraestrutura sob a Iniciativa Nova Rota da Seda, de acordo com uma pesquisa do jornal Nikkei em 2019.
No entanto, com o yuan ainda distante de ser uma moeda global relevante, os bancos estrangeiros podem não sentir uma necessidade urgente de uma rede de mensagens alternativa que atenda especificamente a entidades chinesas fora da região. Além disso, os participantes indiretos do CIPS ainda precisam passar pelo Swift para concluir as liquidações. Uma pessoa com conhecimento das operações do CIPS ouvida pela reportagem da Reuters disse que levaria tempo para mudar de um sistema para outro.
Ouvido por A Referência, André Perfeito, economista-chefe da Necton, diz que a Rússia pode encontrar outras formas de transacionar sem ser via Swift.
“Essa é uma grande discussão geopolítica. Ainda não se sabe exatamente como tais sanções causarão impacto. Mas sabemos que as medidas, principalmente quanto à restrição à importação de produtos russos pelos europeus e americanos, podem gerar um grande ruído na economia russa”.
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