Seis meses depois de tomarem o poder em um golpe de Estado, os líderes militares de Mianmar agora se movimentam para consolidar o poder e legitimar seu governo. A informação foi divulgada por uma enviada especial da ONU (Organização das Nações Unidas) ao país, que nesta terça-feira (11) concedeu entrevista em Nova York.
Christine Schraner Burgener disse que a situação em Mianmar “ainda é muito preocupante”, em meio a uma terceira onda “severa” de infecções por Covid-19. Na semana passada, o general do exército Min Aung Hlaing anunciou que estava se nomeando primeiro-ministro e prometeu realizar eleições até 2023.
“Na minha opinião, o Comandante-Chefe parece determinado a solidificar seu controle do poder com o último anúncio do governo interino e também com a anulação formal do resultado da eleição do ano passado e a declaração dele próprio como primeiro-ministro do país”, disse Burgener.
Burgener também expressou temor de que a Liga Nacional da Democracia (NLD), que venceu as eleições de novembro de 2020, possa ser dissolvida à força em breve. A Conselheira de Estado e líder do partido Aung San Suu Kyi, ao lado do presidente Win Myint, foram detidos no golpe de 1º de fevereiro.
“Esta é uma tentativa de promover a legitimidade contra a falta de ação internacional”, disse ela. “E eu tenho que deixar claro que a ONU não reconhece Governos, então cabe aos Estados-Membros.”
Ela sublinhou que “enquanto os Estados-Membros não tomarem qualquer decisão”, o Representante Permanente de Mianmar em Nova Iorque, Kyaw Moe Tun, continua a ser o embaixador legítimo do país na ONU, enquanto a Sra. Suu Kyi e o Presidente Myint são os seus líderes.
Plano de assassinato
Recentemente, a mídia internacional noticiou que foi descoberto um complô para matar ou ferir o embaixador Tun, que denunciou o golpe no Salão da Assembleia Geral em Nova York.
“Fiquei realmente chocada ao ouvir isso, e claramente agora cabe à equipe de investigação descobrir quem está por trás deste ataque”, disse Burgener.
A situação em Mianmar continua “muito difícil”, relatou ela. “Não existe liberdade de expressão e ainda tenho sérias preocupações com os ataques contra a liberdade de imprensa. E eu insisto sempre em minhas discussões com o exército para libertar prisioneiros políticos, incluindo muitos trabalhadores da mídia”.
Os militares reprimiram as manifestações pró-democracia após o golpe, e mais de 960 pessoas foram mortas até agora. Outros milhares foram presos e detidos, incluindo estrangeiros e mais de 100 crianças.
Enquanto isso, os confrontos entre o exército e as forças de defesa locais continuam. A violência aumentou, e os grupos de defesa estão usando cada vez mais “armas profissionais”.
Tentativa de diálogo
A enviada Especial da ONU tem mantido conversações com os militares, organizações armadas étnicas e outras partes interessadas, que incluem o Governo de Unidade Nacional (NUG), formado por legisladores exilados destituídos no golpe. Os representantes vêm do NLD, de outros partidos e de grupos étnicos armados.
Nos últimos dois meses, ela tem promovido a ideia de um diálogo inclusivo organizado em torno de quatro “grupos” que cobrem a resposta à pandemia, assistência humanitária e questões relacionadas à comunidade Rohingya.
O último e maior cluster trataria das causas básicas da crise, como discussões sobre o sistema federal, a constituição, as reformas legislativas e o sistema eleitoral.
Ela também propôs a criação de um grupo de observadores internacionais em Mianmar. Os membros seriam China, Índia, Japão, Tailândia, Estados Unidos, Reino Unido, Noruega e Suíça, além da ONU, a União Europeia e o bloco regional do Sudeste Asiático, ASEAN.
“Os grupos étnicos armados foram, em sua maioria, muito positivos a essa ideia e realmente desejam encontrar uma solução pacífica”, disse ela, referindo-se à proposta de diálogo. “O NUG estava interessado na ideia, mas claramente teria pré-condições para iniciar esse diálogo.”
Burgener manteve “uma longa conversa” com Soe Win, o subcomandante do exército, em 16 de julho. Embora receptivo a algumas de suas ideias, incluindo a integração dos profissionais de saúde nas medidas de prevenção da Covid-19, “no diálogo, não recebi uma resposta: nem positiva, nem negativa”.
Ela esperava que, com a recente nomeação de um Enviado Especial da ASEAN em Mianmar, um diálogo abrangente ocorra, caso contrário “vai cada vez mais na direção de uma guerra civil”, ela advertiu.
Pandemia de Covid-19
Ao mesmo tempo, Mianmar também enfrenta uma batalha devastadora contra o novo coronavírus. Mais de 331 mil casos foram relatados até agora.
Agências e parceiros da ONU trabalham para retomar a prestação de assistência à saúde, com prioridade para o lançamento de vacinas por meio da iniciativa de solidariedade global, Covax, e para revitalizar as imunizações em geral.
Conteúdo adaptado do material publicado originalmente em inglês pela ONU News
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