Este conteúdo foi publicado originalmente no Jornal da USP
Por Felipe Toledo, professor do Instituto Oceanográfico da USP, e Tássia Biazon, pesquisadora da Cátedra Unesco para Sustentabilidade do Oceano
Neste momento, mais de cinco bilhões de celulares estão em funcionamento no mundo. Em um curto período, esses aparelhos se tornarão obsoletos e serão substituídos por dispositivos mais atrativos. A necessidade crescente de matéria-prima para suprir as demandas de consumo da humanidade tem exaurido muitos recursos naturais, que podem ser renováveis ou não renováveis — ou seja, podem se recompor relativamente rápido, como os cardumes de sardinha, ou podem demorar milhões de anos para serem gerados, como o petróleo. Contudo, a industrialização, o avanço tecnológico e o aumento populacional levam a um consumo enorme de recursos. Logo, suprir essa crescente demanda tem estimulado a exploração de regiões ainda não amplamente exploradas, como o oceano.
Mesmo sendo responsável por 71% da superfície terrestre, o ambiente marinho ainda é pouco conhecido, principalmente quanto às suas riquezas, que podem se tornar imprescindíveis no cenário mundial da Economia 4.0. Vamos conhecer algumas dessas riquezas que são consideradas não renováveis.
Além das áreas continentais, a mineração em áreas marinhas é diversa, com a obtenção de estanho, titânio, zircônio, elementos terras-raras, areia, cascalho, calcário, enxofre, carvão e petróleo. Nas águas mais rasas da zona costeira e da plataforma continental, os principais minerais são o cascalho e a areia. A areia é muito utilizada, seja sem processamento ou como matéria-prima para elaboração de outros produtos, como o cimento e o vidro. Além disso, a areia serve para a “engorda” de praias, que consiste no alargamento da faixa de praia, por meio de aterramento — um exemplo é a Praia de Copacabana, no Rio de Janeiro.
O calcário é útil na produção de cosméticos, fertilizantes e cimentos ou mesmo para controlar o pH e tratar a água. Encontrado em depósitos de conchas de moluscos ou fragmentos de algas calcárias, a extração do calcário acontece em regiões extremamente sensíveis, como na plataforma do Nordeste do Brasil.
Também em regiões próximas à costa, são encontrados depósitos de placeres, formações que concentram minerais de alto valor econômico, conhecidos como “minerais pesados”, já que possuem densidade superior a 2,9g/cm³. Os mais comuns são os compostos de ilmenita, rutilo, zircão, monazita e magnetita — que podem ser pouco conhecidos, mas são muito importantes para a indústria de pigmentos e de ligas metálicas. Um exemplo são os placeres na costa da África do Sul e Namíbia, ricos em diamantes.
Os evaporitos equivalem a um tipo de rocha sedimentar formada em ambientes marinhos com baixo aporte de sedimento terrígeno de origem continental pela evaporação da água. Ocorrem em climas secos com taxa de evaporação elevada, como no Mar Morto, que permite a formação de uma salmoura onde os minerais se formam. E quais são eles? A halita, utilizada como sal de cozinha e fonte de cloro e derivados; a silvita, que é a principal fonte de potássio para a produção de fertilizantes e fogos de artifício; a gipsita, que é matéria-prima para a fabricação de gesso; e a calcita, a anidrita e a dolomita, importantes para fabricação de cal para argamassa.
Outra formação rochosa com minerais no ambiente marinho, que ocorre em depósitos mais rasos, inferiores a mil metros, é a fosforita, de grande importância para o uso na agricultura para a produção de fertilizantes.
Dentre os recursos marinhos, destacam-se as fontes energéticas, como os depósitos de carvão mineral, formado pela concentração de material vegetal ao longo de milhões de anos, localizados em subsuperfícies nos continentes que se estendem sob a plataforma em algumas regiões, com destaque para Estados Unidos, Rússia, China e Austrália, que estão entre os países com as maiores reservas.
Mas os recursos marinhos mais utilizados na geração de energia são o petróleo e o gás natural, que são, respectivamente, misturas líquidas e gasosas de hidrocarbonetos e outros compostos orgânicos, originados a partir da decomposição de matéria orgânica por milhões de anos em terreno sedimentar.
O petróleo ainda é a principal fonte energética do planeta, além de ser matéria-prima para milhares de produtos da indústria petroquímica úteis em nosso dia-a-dia, como plástico, naftalina e asfalto. A exploração offshore, iniciada no Golfo do México em 1911, tem se destacado e, atualmente, 95% do petróleo e 80% do gás natural brasileiro vêm de regiões profundas e distantes da costa — inclusive existem poços localizados a 8 mil metros abaixo da superfície do mar.
Agora, você sabia que há um composto energético marinho talvez mais abundante do que todo o petróleo e carvão? São os hidratos de gás, sólidos cristalinos semelhantes ao gelo abundantes em todas as margens oceânicas abaixo dos 500 metros. Com uma estrutura que aprisiona gases em seu interior, principalmente o metano, os hidratos possuem alto potencial energético para ser explorado no futuro — mas vale ressaltar que o metano aumenta o efeito-estufa.
Nesse sentido, ao invés de explorar recursos não-renováveis e com potencial de intensificar as mudanças climáticas, o oceano nos presenteia com diversas possibilidades de fontes de energias renováveis, como a energia gerada pelos ventos ou pelas ondas. Entretanto, para substituir a matriz energética, é necessária a utilização de diversos recursos não-renováveis, tais como areia, ferro, manganês, cobalto, lítio, entre outros, que existem em grande abundância no oceano.
Em regiões do oceano profundo, é possível encontrar riquezas como os nódulos polimetálicos, as crostas cobaltíferas e os sulfetos metálicos. A partir de estudos de mapeamento do fundo marinho, hoje se sabe que os nódulos, compostos principalmente de ferro e manganês, são encontrados em zonas profundas, entre 4 e 5 mil metros. Os sulfetos metálicos, ricos em ferro e cobre, por exemplo, são encontrados em zonas intermediárias, relacionados ao vulcanismo e fumarolas associados à expansão das placas tectônicas. As crostas cobaltíferas, ricas em cobalto, estão em zonas mais rasas, variando entre 400 e 4 mil metros.
A obtenção desses minerais apresenta desafios ambientais e tecnológicos complexos, mas que certamente não são insuperáveis. Por enquanto, o olhar sobre eles é mais estratégico, uma vez que são ricos em elementos usados na construção de painéis solares, celulares, lâmpadas, ligas metálicas, vidro, lentes dos óculos, cabos de transmissão de dados, entre outros. E, embora haja uma extensa produção continental desses minerais, muitos países têm se preocupado com suas reservas. Então, cresce o olhar para regiões marinhas que são consideradas bem de uso comum da humanidade onde as atividades de exploração são fiscalizadas pela Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA, na sigla em inglês).
Pelo contexto da mineração continental, com os acontecimentos em Mariana e Brumadinho, fica o questionamento do quanto a mineração marinha gerará impactos no frágil ecossistema de mar profundo. Embora ocorram acidentes com fluidos de perfuração, sobretudo no transporte, a indústria do petróleo possui mão-de-obra especializada, de maneira que acidentes são raros em relação à quantidade de óleo extraído — mais de 90 milhões de barris por dia no mundo. Logo, explorar recursos marinhos com segurança exige capacitação de mão de obra e planejamento, mas, principalmente, um compromisso de que o uso desses recursos traga benefícios abrangentes para a humanidade e não intensifique os movimentos de concentração de renda e marginalização da sociedade.
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