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quarta-feira, 16 de março de 2022

Jornalista russa que protestou contra guerra na TV é multada pela Justiça local

A Justiça russa condenou nesta terça-feira (15) a jornalista Marina Ovsyannikova a pagar uma multa de 30 mil rublos (cerca de R$ 1,4 mil) por ter interrompido um noticiário no Canal 1 (Piervy Kanal) para protestar contra a invasão na Ucrânia. Na segunda (14), Ovsyannikova se postou repentinamente atrás da apresentadora do telejornal da TV estatal segurando um cartaz escrito em russo e inglês que dizia “Não à guerra, não acredite na propaganda. Eles estão mentindo para você”. As informações são da rede Radio Free Europe.

Responsável pela caso, a juíza Anna Bolotnikova não multou a jornalista por sua ação de protesto no estúdio de televisão, e sim por conta de uma declaração em vídeo gravado por ela e postado em suas mídias sociais antes de invadir o estúdio e se posicionar diante das câmeras com sua mensagem antiguerra. Segundo a magistrada, Ovsyannikova foi declarada culpada pelo fato de seu ato configurar uma tentativa de organizar um protesto não autorizado.

No vídeo, publicado em sua conta no Instagram, Ovsyannikova condenou a ação do exército de Vladimir Putin no país vizinho e convocou os cidadãos russos a realizarem manifestações contra o conflito.

Ovsyannikova no momento em que levou seu protesto ao vivo durante o telejornal (Foto: Piervy Kanal/Captura de tela)

Após ter recebido o resultado da decisão judicial, a jornalista disse a repórteres que foi submetida a um interrogatório que durou 14 horas, no qual ela não pode contar com o auxílio de advogados.

“Eu literalmente passei dois dias sem dormir”, disse ela. “Eu não tive permissão para entrar em contato com minha família e entes queridos ou receber qualquer assistência legal”, relata.

No início do mês, foi instituída no país uma lei que pune a disseminação de “notícias falsas” sobre a ação militar coordenada pelo Kremlin em território ucraniano. A pena pode chegar a até 15 anos de prisão. Ovsyannikova respondeu por crime de desinformação, sendo acusada apenas de se manifestar sem autorização.

Desde o início do conflito, o Roskomnadzor, órgão estatal regulador da mídia, acusou veículos locais de publicarem “informações falsas” sobre a guerra. Expressões como “ataque”, “invasão” ou “declaração de guerra” não são permitidas, e Moscou exige que a ofensiva seja chamada de “operação militar especial”.

O escritório de direitos humanos da ONU (Organização das Nações Unidas) solicitou às autoridades russas para que deem garantias de que Ovsyannikova “não enfrente represálias por exercer seu direito à liberdade de expressão”.

Navalny e Zelenskiy elogiam

O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, classificou o ato da jornalista como “vandalismo”. Por outro lado, Ovsyannikova recebeu elogios em outros lugares por sua mensagem de repúdio à incursão na ex-república soviética.

Uma das congratulações partiu do principal adversário político de Putin, Alexei Navalny. Durante declaração final no tribunal, em um processo judicial que enfrenta por peculato e desacato e que ele alega ter motivação política, o oposicionista enalteceu a atitude de Ovsyannikova.

“Se você acha que estou com medo e que pode assustar a todos ao redor, incluindo a maravilhosa Marina Ovsyannikova, que não só realizou uma ação de protesto, mas também gravou um vídeo e nos disse em palavras poderosas que devemos agir, lembre-se: você não será capaz de colocar todos atrás das grades”, disse Navalny.

O reconhecimento pelo gesto também veio do país invadido. O presidente ucraniano Volodymyr Zelenskiy agradeceu a jornalista durante seu pronunciamento noturno na segunda-feira (14). O líder se disse “grato aos russos que não param de tentar transmitir a verdade” e citou “a mulher que entrou no estúdio do Canal 1 com um cartaz contra a guerra”.

Por que isso importa?

A escalada de tensão entre Rússia e Ucrânia, que culminou com a efetiva invasão russa ao país vizinho na quinta-feira (24), remete à anexação da Crimeia pelos russos, em 2014, e à guerra em Donbass, que começou naquele mesmo ano e se estende até hoje.

O conflito armado no leste da Ucrânia opõe o governo central às forças separatistas das autodeclaradas Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk, que formam a região de Donbass e foram oficialmente reconhecidas como territórios independentes por Moscou. Foi o suporte aos separatistas que Putin usou como argumento para justificar a invasão, classificada por ele como uma “operação militar especial”.

“Tomei a decisão de uma operação militar especial”, disse Putin pouco depois das 6h de Moscou (0h de Brasília) de quinta (24), de acordo com o site independente The Moscow Times. Cerca de 30 minutos depois, as primeira explosões foram ouvidas em Kiev, capital ucraniana, e logo em seguida em Mariupol, no leste do país, segundo a agência AFP.

Para André Luís Woloszyn, analista de assuntos estratégicos, os primeiros movimentos no campo de batalha sugerem um conflito curto. “Não há interesse em manter uma guerra prolongada”, disse o especialista, baseando seu argumento na estratégia adotada por Moscou. “Creio que a Rússia optou por uma espécie de blitzkrieg, com ataques direcionados às estruturas militares“, afirmou, referindo-se à tática de guerra relâmpago dos alemães na Segunda Guerra Mundial.

O que também tende a contribuir para um conflito de duração reduzida é a decisão da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) de não interferir militarmente. “Não creio em envolvimento de outras potências no conflito, o que poderia desencadear uma guerra mais ampla e com consequências imprevisíveis”, disse Woloszyn, que é diplomado pela Escola Superior de Guerra.

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