Embora tenha se posicionado claramente ao lado da Rússia na guerra que Moscou iniciou ao invadir a Ucrânia, a China tem muito a perder com o conflito. O prejuízo pode ser de dezenas de bilhões de dólares, com o comprometimento da Nova Rota da Seda (Belt and Road Initiative, da sigla em inglês BRI) e a ruptura de lucrativos acordos com países europeus. A análise consta de um artigo publicado pelo site indiano TFI Global News.
Parte importante da BRI é a New Eurasian Land Bridge (nova ponte terrestre da Eurásia, em tradução literal), um corredor comercial ferroviário que liga a China à Europa. Nos últimos anos, esse corredor tornou-se uma fonte de renda bilionária para a China, dinheiro que tende a desaparecer em virtude da guerra.
Em 2017, eram 40 as rotas comerciais conectando a China à Europa através da ponte terrestre. Hoje são 78. Assim, o dinheiro que esse corredor movimenta aumentou consideravelmente nos últimos anos. Em 2021, o valor total de bens transportados por ali chegou a US$ 75 bilhões, contra US$ 8 bilhões de 2016. A expectativa é de que chegasse a US$ 100 bilhões nos próximos anos.
O problema é que a guerra tende a comprometer esse comércio entre China e Europa, devido às duras sanções econômicas impostas pelo Ocidente a Moscou. Isso porque o corredor passa pelo território da Rússia, e não é possível simplesmente mudar o projeto. Ou seja, devido às sanções, todas as mercadorias que cruzem a Rússia deixam de interessar aos países europeus, forçados a aderir às sanções.
Isso sem falar em eventuais danos físicos que podem comprometer o funcionamento da New Eurasian Land Bridge. Ou da crise financeira que tende a atingir o Leste Europeu no pós-guerra.
O impacto dessa ruptura na economia chinesa seria sensível. Afinal, a maior parcela do PIB (produto interno bruto) chinês em 2020 veio das exportações, que no ano seguinte ainda cresceram mais 29,9%. E é justamente a rota Ásia-Europa que contribui para a maior parte desses valores.
Fechada a rota através da Rússia, a economia da China dificilmente conseguiria superar a dos EUA como a maior do planeta. Ou seja, o efeito da guerra dificilmente será outro que não grandes perdas financeiras para Beijing.
Por que isso importa?
A BRI começou a se desenhar após a crise financeira internacional de 2008, quando as empresas chinesas se voltaram para a Eurásia de olho em atraentes ativos industriais e comerciais. Então, pipocaram projetos de infraestrutura de transporte e energia com financiamento chinês, o principal foco desde então. Em 2013, a iniciativa se estabeleceu globalmente como uma das bases da política externa do presidente Xi Jinping.
O objetivo central da BRI é espalhar a influência de Beijing através do investimento. No total, 140 países foram beneficiados com dinheiro proveniente da iniciativa chinesa até 2020, de acordo com o Grenn FDC. O maior número deles está na África, com 40 nações. Entre 2013 e dezembro de 2020, a China investiu cerca de US$ 770 bilhões nos países participantes da BRI.
No início, os governos receberam muito bem os bilhões de dólares injetados por Beijing, especialmente pelo fato de isso ter ocorrido logo após uma recessão global histórica. Hoje, com muitas das nações inseridas na BRI em situação financeira dramática, manter em dia o pagamento das dívidas é missão quase impossível.
Essa é parte da estratégia chinesa, que invariavelmente usa a inadimplência como justificativa legal para assumir a gestão dos próprios projetos que financiou. Assim, estende os tentáculos do Partido Comunista Chinês mundo afora ao assumir o controle de infraestruturas cruciais em todos os continentes.
A questão ambiental, uma das preocupações centrais do Global Gateway europeu, é outro ponto negativo da BRI. Segundo Vuk Vuksanovic, pesquisador da Escola de Economia e Ciências Políticas de Londres, Beijing tem como objetivo “a terceirização da poluição e da degradação ambiental para países mais pobres e distantes, com extrema necessidade de financiamento de infraestrutura e desenvolvimento socioeconômico, cujos governos ignoram os riscos ambientais”.
Um estudo do think tank canadense Iffras (Fórum Internacional por Direitos e Segurança, da sigla em inglês) corrobora a opinião de Vuksanovic. Segundo relatório publicado pela entidade em setembro, a iniciativa chinesa tende a “aumentar ainda mais a degradação ambiental e as mudanças climáticas”.
Em países como Indonésia, Egito, Quênia, Bangladesh, Vietnã e Turquia, a BRI está ligada a projetos de usinas de geração de energia movidas a carvão. No final de 2016, a ONG Global Environment Institute (Instituto de Meio Ambiente Global, em tradução literal) registrou 240 projetos movidos a carvão ligados à iniciativa chinesa.
“A Nova Rota da Seda (BRI) tem um grande foco na construção de projetos de energia, e quase 90% deles são intensivos em carbono, operando com combustível fóssil“, diz o documento do Iffras. “Dada a magnitude da BRI, que se espalha pelos cinco continentes, o planeta vai sofrer impactos graves e negativos graças ao jeito chinês de construir projetos em que as diretrizes ambientais dificilmente são seguidas”.
Diante desse cenário, começam a surgir problemas para Beijing, que enfrenta uma dificuldade crescente para obter novos parceiros, diante dos exemplos desfavoráveis que pipocam constantemente. É aí que deve ser inserir a Global Gateway.
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