Em sua empreitada para reprimir a liberdade religiosa no país, o governo da China iniciou na última semana um programa de treinamento de censores, que terão a missão de atuar no controle de todo o conteúdo religioso publicado na internet chinesa. As informações são da rede Radio Free Asia.
A diretiva foi publicada na última segunda-feira (21) pela comissão de assuntos religiosos e étnicos da província de Zhejiang. Porém, anúncios sobre o treinamento de “revisores de conteúdo religioso” foram publicados em sites estatais de ao menos outras 13 províncias. O treinamento é feito pela internet, para se adequar às normas de combate à Covid-19.
Segundo o pastor protestante Liu Yi, que trabalhou por muitos anos em uma igreja em Zhejiang e hoje vive na Califórnia, nos EUA, a nova política é uma extensão da repressão religiosa em vigor na China. “Nos primeiros dias do regime do PCC (Partido Comunista Chinês), havia funcionários [do governo] nas igrejas protestantes e católicas, monitorando a pregação e o estudo bíblico realizado pelos pastores [e padres]”, disse ele.
Liu afirmou que, à época, o objetivo dos funcionários estatais era reportar eventuais casos de conteúdo antissocialista divulgado durante a pregação. “Esse tipo de espionagem sempre existiu entre grupos religiosos na China”.
Um funcionário estatal da comissão em Zhejiang confirmou o treinamento e disse que “qualquer serviço de informação religiosa ou site religioso deve ser licenciado”, com a respectiva equipe devidamente treinada para respeitar as normas do governo.
“Sinicização” da fé
Nos últimos meses, Beijing tem intensificado o controle sobre a religião, como parte de um processo de “sinicização” da fé. No início de dezembro de 2021, no Encontro Nacional Sobre Assuntos Religiosos do PCC, o presidente chinês Xi Jinping havia deixado clara a intenção de colocar a religião sob o guarda-chuva da sigla.
“Devemos manter o trabalho religiosos na direção essencial do partido. Devemos continuar a direcionar nosso país para a sinicização da religião. Devemos continuar a pegar o grande número de crentes religiosos e uni-los em torno do partido e do governo”, disse o líder nacional no evento.
Em março deste ano, começou a vigorar no país uma determinação, anunciada também em dezembro, que proíbe entidades e cidadãos estrangeiros de fazerem qualquer tipo de propaganda religiosa online no país. De acordo com as regras, é preciso obter uma licença para divulgar conteúdo religioso online, e somente entidades ou indivíduos sediado na China e reconhecidos pelas leis chinesas têm esse direito, segundo o site South China Morning Post.
De acordo com o pastor Liu Yi, devido à pandemia, muitas religiões a fortaleceram sua atuação online, o que levou Beijing a contra-atacar e treinar os novos censores. “Qualquer um pode postar nas redes sociais, então é por isso que o governo precisa dessas pessoas, para supervisionar isso”, disse o religioso. “Querem que eles monitorem e relatem qualquer atividade religiosa online”.
O treinamento oferecido pelo governo já começou, mas as inscrições seguem abertas. O curso inclui módulos como “pensamento político de Xi Jinping“, “socialismo com características chinesas na nova era“, “valores centrais socialistas” e “comentários importantes do secretário-geral Xi Jinping sobre religião”.
Por que isso importa?
Desde 2012, quando Xi Jinping assumiu o governo, a repressão religiosa na China se intensificou. As restrições tornaram-se ainda mais rígidas em 2018, quando entrou em vigor a atual regulamentação de assuntos religiosos no país. Somada à repressão imposta em outros setores, como os meios de comunicação e a internet, a prática religiosa tornou-se um desafio para os fieis em território chinês.
Em outubro do ano passado, a Apple foi obrigada a apagar de sua loja dois aplicativo: um voltado à Bíblia cristã, outro dedicado ao Corão, o livro sagrado do Islã. De acordo com a rede britânica BBC, ambos foram vetados por Beijing por conterem textos religiosos considerados proibidos.
Mas o principal expoente do desafio que os fieis enfrentam na China é a etnia muçulmana dos uigures, que habitam a região autônoma de Xinjiang, no noroeste do país, fazendo fronteira com países da Ásia Central, com quem divide raízes étnicas e linguísticas. Governos ocidentais acusam Beijing de genocídio contra os uigures, com base essencialmente na religião deles.
O governo chinês refuta as acusações e classifica como “campos de reeducação” as áreas nas quais vivem milhões de uigures, submetidos a abusos como vigilância tecnológica estatal e trabalho forçado. Beijing argumenta que a minoria muçulmana vive isolada e vigiada por razões de “segurança nacional”, sob a justificativa de que evitar a radicalização dos fiéis e, assim, impedir atentados terroristas.
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