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sábado, 25 de fevereiro de 2023

“Um tapa na cara”, diz ONG de direitos humanos sobre ancoragem de navios de guerra iranianos no Brasil

Por André Amaral

No dia 13 de janeiro, o governo brasileiro deu sinal verde para a ancoragem de dois navios da frota iraniana no Porto do Rio de Janeiro. Washington, em meio à crescente tensão com Teerã, avaliou a situação como uma “provocação” do rival, e a repercussão foi negativa também entre ativistas de direitos humanos que monitoram o caos social no país do Oriente Médio após a morte de Mahsa Amini.

Os Estados Unidos têm solicitado aos países que não recebam as embarcações Makran e Dena, inclusive com contrariedade manifestada pela embaixadora norte-americana no Brasil, Elizabeth Bagley, em 15 de fevereiro. Argentina e Uruguai, por exemplo, rejeitaram o pedido de Teerã e vetaram a ancoragem das embarcações. Não o Brasil.

“Esses navios não deveriam atracar em nenhum lugar”, disse Bagley em coletiva à imprensa em Brasília. A desconfiança se justifica pelo fato de que autoridades iranianas têm trabalhado intensamente na missão de aumentar seu poder militar e a presença marítima internacional, seguindo ordens do líder supremo, o aiatolá Ali Khamenei.

Por conta da sensibilidade diplomática que envolveu a situação, acentuada pela visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Casa Branca, onde teve encontro no último dia 10 com seu homólogo Joe Biden, a chegada dos navios foi adiada.

O IRIS Makran é o maior navio de guerra da frota naval iraniana (Foto: WikiCommons)

Agora, a data prevista da vinda e desembarque dos tripulantes é domingo (26). Para uma ONG que promove os direitos humanos na República Islâmica, porém, o aval de Brasília representa um “tapa na cara” dos cidadãos iranianos que estão nas ruas desde setembro protestando contra o regime do presidente Ebrahim Raisi.

Hadi Ghaemi, diretor-executivo do Center For Human Rights in Iran (CHRI), uma organização independente sediada em Nova York, conversou com A Referência. Ele expôs o ponto da vista da entidade a respeito da posição do Brasil.

“Imaginamos que o presidente Lula, ao tomar esta decisão, acredita que está demonstrando uma política externa independente e promovendo um mundo multipolar. Infelizmente, este não é o caso de modo algum”, disse Ghaemi.

Ele sustentou seu argumento ao observar que o povo iraniano, especialmente mulheres e meninas, está no meio de um movimento histórico.

“Os iranianos estão lutando contra um regime brutal que matou, cegou, estuprou e mutilou milhares deles, além de aprisionar dezenas de milhares. Portanto, a política externa brasileira deve reconhecer a realidade deste momento trágico e compreender a dor da nação iraniana”, afirmou Ghaemi.

O diretor do CHRI observou que Brasília pode manter uma política externa independente, mas não precisa acalmar ou fortalecer as relações com o governo do Irã, que, segundo ele, “ficou claro que não tem legitimidade interna”.

“Este é um erro trágico e um tapa na cara de milhões de mulheres e meninas iranianas que protestaram no mês passado”, acrescentou.

Ghaemi também respondeu se o fato de o Brasil receber os navios, após as recusas de seus vizinhos, seria sugerir apoio ao regime iraniano, apesar das violações aos direitos humanos no país do Oriente Médio, que tem aplicado pena de morte a manifestantes.

“Esta é uma enorme decisão, a de permitir que os navios de guerra iranianos atraquem no continente americano. É certamente uma expressão de apoio ao regime iraniano, dada sua dimensão militar e sua natureza sem precedentes”, comentou.

Ele também enfatizou que se trata de uma rejeição à proteção e promoção dos direitos humanos, conforme exigido pela Constituição brasileira.

“Um grande erro de cálculo, e espero que o governo do presidente Lula reconheça isto e mude sua decisão imediatamente. O regime iraniano cometeu crimes de direitos humanos contra seu povo, especialmente contra mulheres e meninas, que fazem fronteira com os crimes contra a humanidade. O Brasil não deveria estar recompensando tal regime”, afirmou.

As embarcações

Com 228 metros de comprimento, o imponente IRIS Makran é o maior navio militar da Marinha da República Islâmica do Irã. A embarcação, que no passado era usada como um navio petroleiro, foi convertida em base expedicionária e serve como plataforma para múltiplas funções. Entre elas, é um porta-helicópteros.

Já a fragata IRIS Dena, projetada e construída no Irã, é igualmente usada para uma variedade de atividades, incluindo defesa costeira, guerra antissubmarina e patrulha marítima. Ela é equipada com canhões e tem capacidade para disparar misseis e torpedos.

Diplomacia

Segundo o Itamaraty, a nova data acertada com o Irã para o atraque ficou entre os dias 26 de fevereiro e 3 de março e celebra os “120 anos das relações diplomáticas entre Brasil e Irã”. O pedido partiu da Embaixada do Irã em Brasília.

Segundo o jornal Estadão, que ouviu fontes diplomáticas do Ministério das Relações Exteriores brasileiro, o governo manteve a permissão concedida aos navios iranianos, que poderão trafegar em águas brasileiras e ancorar no Rio de Janeiro. “É uma decisão soberana de dois países”, disse um diplomata.

Brasília não reconhece sanções unilaterais dos Estados Unidos ao Irã, impostas quando Washington abandonou o acordo nuclear em 2018 durante o governo Trump, firmado três anos antes na Era Obama para que os iranianos deixassem de investir em armas nucleares.

A reportagem de A Referência tentou contato com a Marinha do Brasil para saber se a operação envolveria custos aos cofres públicos, bem como a Embaixada do Irã em Brasília, para saber mais sobre a celebração diplomática, mas não obteve respostas.

Por que isso importa?

A turbulência democrática protagonizada por Brasil e Irã ocorre em meio à agitação social que domina o país do Oriente Médio. Nos últimos meses, protestos populares tomaram as ruas iranianas após a morte de Mahsa Amini, uma jovem de 22 anos que visitava Teerã quando foi abordada pela “polícia da moralidade” por não usar “corretamente” o hijab, o véu obrigatório para as mulheres. Sob custódia, ela desmaiou, entrou em coma e morreu três dias depois.

Os protestos começaram no Curdistão, província onde vivia Mahsa, e depois se espalharam por todo o país, com gritos de “morte ao ditador” e pedidos pelo fim da república islâmica. As forças de segurança iranianas passaram a reprimir as manifestações de forma violenta, com relatos de dezenas de mortes.

No início de outubro, a ONG Human Rights Watch (HRW) publicou um relatório que classifica o regime iraniano como “corrupto e autocrático”, denunciando uma série de abusos cometidos pelas forças de segurança na repressão aos protestos populares.

Além dos mortos e feridos, a HRW cita os casos de “centenas de ativistas, jornalistas e defensores de direitos humanos” que, mesmo de fora dos protestos, acabaram presos pelas autoridades. Condena ainda o corte dos serviços de internet, com plataformas de mídia social bloqueadas em todo o país desde o dia 21 de setembro, por ordem do Conselho de Segurança Nacional do Irã.

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