O governo da Eritreia passou a perseguir familiares de cidadãos acusados de não cumprir o serviço militar obrigatório. A denúncia foi feita pela ONG Human Rights Watch (HRW), segundo a qual uma grande campanha de recrutamento forçado está em curso no país africano em meio aos confrontos na vizinha Etiópia, dos quais as forças militares eritreias tomaram parte.
“Lutando para preencher suas fileiras cada vez menores de combatentes, o governo da Eritreia deteve e expulsou idosos e mulheres com filhos pequenos de suas casas para encontrar pessoas que considera fugitivas ou desertores”, disse Laetitia Bader, vice-diretora da HRW para a África.
As forças armadas da Eritreia e da Etiópia têm atuado lado a lado na região etíope de Tigré, imersa em conflitos desde novembro de 2020, quando disputas eleitorais levaram Addis Abeba a determinar a tomada das instituições locais pelas forças do governo.
A disputa opõe a TPLF (Frente de Libertação do Povo Tigré), partido político com um braço armado que atua em Tigré, às forças de segurança nacionais da Etiópia. A Eritreia, aliada do governo etíope, é parte ativa do conflito e acusada de uma série de abusos.
“Dentro de Tigré, as forças da Eritreia cometeram massacres em larga escala, pilhagens e as piores formas de violência sexual e atacaram a infraestrutura civil. Eles também mataram e estupraram refugiados eritreus e destruíram dois campos de refugiados em Tigré”, diz a ONG em seu relatório.
Recrutamento forçado
Devido à atuação no conflito da Etiópia, o governo eritreu deu início a um processo de recrutamento forçado para ampliar as fileiras de suas forças armadas. Para isso, usa a vaga legislação do país, que ampliou indefinidamente o tempo de serviço militar obrigatório para homens e mulheres até 40 anos. Antes, o prazo era limitado a 18 meses.
“Uma vez recrutados para o serviço militar, rapazes e moças, alguns ainda menores de idade, têm pouquíssimas opções de dispensa. Como resultado, eles arriscam sérias represálias para escapar do que uma Comissão de Inquérito das Nações Unidas caracterizou como ‘escravização'”, afirma a HRW, citando casos de tortura, condições de trabalho inapropriadas e pagamento insuficiente.
Mesmo cidadãos que já haviam sido dispensados do serviço militar foram reconvocados, entre eles homens entre 50 e 60 anos de idade que ainda pegam em armas por determinação do governo. Para impedir que os eritreus fujam do recrutamento, postos de controle foram montados em áreas urbanas e rurais.
“A campanha de recrutamento mais recente começou em meados de 2022, com as autoridades visando pessoas consideradas fugitivas, incluindo estudantes que abandonaram a escola para fugir do treinamento militar, bem como desertores do exército, alguns dos quais já serviram por anos”, diz a ONG.
Os que conseguem escapar, quando não localizados, acabam tendo seus familiares na mira. A punição mais comum imposta atualmente é a proibição de que as pessoas acessem suas próprias casas até que os fugitivos se apresentem. A HRW diz que ouviu 14 pessoas, entre eritreus que fugiram do país e familiares.
“Minha mãe tem alguns problemas de saúde, então os vizinhos tentaram implorar às autoridades para não trancar a casa depois que meu primeiro irmão se entregou. Mas, quando o segundo não apareceu, eles fecharam a casa”, conta uma testemunha, cujo nome foi mantido em sigilo por questão de segurança.
Há relatos de que as autoridades também visam os meios de subsistência das famílias, através do confisco de gado e da proibição de que as pessoas façam a colheita em suas plantações. Cupons de racionamento alimentar são frequentemente retidos, e duas fontes disseram que as lojas de seus parentes foram fechadas para puni-los em lugar dos desertores.
Invariavelmente o governo consegue capturar os cidadãos que fogem do recrutamento. Reportagem da rede BBC de outubro do ano passado diz que muitos deles foram enviados ao campo de batalhas na Etiópia. Já a HRW afirma que outros desertores capturados estão em prisões da Eritreia.
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