Na próxima segunda-feira (6), terá início o julgamento de 47 das figuras antigovernamentais mais proeminentes de Hong Kong, entre ativistas e políticos. Será o maior processo sob a controversa lei de segurança nacional imposta pela China, que reprimiu a dissidência no território semiautônomo após os gigantescos protestos pró-democracia ocorridos no final de 2019. As informações são da agência Al Jazeera.
O julgamento deve durar mais de quatro meses, e os réus podem ser condenados a penas de até prisão perpétua. Há a expectativa de que 16 réus se declarem inocentes. Todos são acusados pelas autoridades de tentar derrubar o governo honconguês, nomeado por Beijing.
Trinta e quatro réus estão presos há quase dois anos. Entre os acusados por “conspiração para cometer subversão” estão Leung Kwok-hung, um ex-parlamentar da oposição, e Gordon Ng Ching-hang, ativista pró-democracia. Eles podem pegar a pena máxima por estarem entre os principais articuladores de uma primária não oficial um ano antes da eleição legislativa para selecionar candidatos mais fortes da oposição.
Protestos pró-democracia em Sheung Wan, julho de 2019 (Foto: CreativeCommons/Studio Incendo)
O objetivo era obter a maioria no Legislativo da cidade, o que permitiria à bancada vetar orçamentos e potencialmente forçar a renúncia do líder de Hong Kong. A eleição acabou cancelada pelas autoridades e Beijing introduziu um novo sistema político que limitou bastante quem poderia se candidatar.
Para Eric Lai, membro do Georgetown Center for Asian Law, um centro acadêmico dedicado ao ensino e pesquisa sobre política e direito na Ásia e nos EUA, o julgamento coloca um ponto de interrogação no futuro do movimento democrático de Hong Kong. Ele sustenta que “atividades pró-democracia e participação na legislatura” poderão ser vistas como ameaças à segurança nacional na ex-colônia britânica.
“A maioria da opinião pública na cidade, o campo pró-democracia, recebeu mais de 50% dos votos nas eleições da década anterior e agora o governo optou por prender e criminalizar todos os principais líderes de Hong Kong”, disse Lai.
Já Dennis Kwok, um ex-parlamentar da oposição atualmente residente nos Estados Unidos, descreveu o processo contra os 47 à agência AFP como “uma farsa completa”.
“Subversão é um crime que costumava exigir que alguém ameaçasse usar a violência. Que derrubasse o regime”, disse Kwok. “Não inclui pessoas que simplesmente concorrem a um cargo e prometem usar seu cargo público para forçar o governo a responder às demandas das pessoas que representam”.
Embora Hong Kong nunca tenha sido uma democracia, seu sistema de governança permitiu, por um tempo, muito mais liberdade de expressão do que na China continental.
Desde então, a lei de segurança nacional transformou o cenário político da cidade, bem como suas tradições jurídicas de Direito, com cada prisão e processo estabelecendo novos precedentes. Protestar e desafiar as autoridades agora está repleto de riscos legais, segundo análise da rede France 24.
Por que isso importa?
Após se transferir do domínio britânico para o chinês, em 1997, Hong Kong passou a operar sob um sistema mais autônomo e diferente do restante da China. Entretanto, apesar da promessa inicial de que as liberdades individuais seriam respeitadas, a submissão a Beijing sempre foi muito forte, o que levou a protestos em massa por independência e democracia em 2019.
A resposta de Beijing aos protestos veio com autoritarismo, representado pela lei de segurança nacional, que deu ao governo de Hong Kong poder de silenciar a oposição e encarcerar os críticos. A normativa legal classifica e criminaliza qualquer tentativa de “intervir” nos assuntos locais como “subversão, secessão, terrorismo e conluio”. Infrações graves podem levar à prisão perpétua.
Os críticos ao governo local alegam que os direitos de expressão e de associação têm diminuído cada vez mais, com o aumento da repressão aos dissidentes graças à lei. Já as autoridades de Hong Kong reforçam a ideia de que a normativa legal é necessária para preservar a estabilidade do território
O Reino Unido, por sua vez, diz que ela viola o acordo estabelecido quando da entrega do território à China. Isso porque havia uma promessa de que as liberdade individuais, entre elas eleições democráticas, seriam preservadas por ao menos 50 anos. Metade do tempo se passou, e Beijing não cumpriu sua parte no acordo. Muito pelo contrário.
Nos últimos anos, os pedidos por democracia foram silenciados, a liberdade de expressão acabou e a perspectiva é de que isso se mantenha por um “longo prazo”. Nas palavras do presidente Xi Jinping, “qualquer interferência deve ser eliminada”.
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