A guerra da Ucrânia completa um ano nesta sexta-feira (24). Na Rússia, para marcar a data, algumas pessoas relevaram o autoritarismo estatal e colocaram a liberdade em risco ao realizar protestos isolados em diversas cidades. As autoridades detiveram muitos manifestantes, vítimas da dura legislação que desde o início do conflito tenta silenciar os opositores do presidente Vladimir Putin.
A ONG OVD-Info, que monitora a repressão estatal na Rússia, noticiou algumas das prisões. Em Moscou, quatro pessoas foram levadas pelas forças de segurança quando se manifestavam contra a guerra perto da estátua da poeta ucraniana Lesya Ukrainka.
No mesmo local, o grupo independente de mídia Soto registrou as imagens de uma jovem que colocou flores aos pés do monumento, ajoelhou-se e chorou. O vídeo foi publicado no Twitter.
“Não me resta uma única pátria”, disse ela, de acordo com o post, que prossegue: “A menina chorou no monumento a Lesya Ukrainka. Ela explicou por que não tinha medo de colocar flores no memorial em Moscou, apesar do risco de detenção”.
«У меня ни одной родины больше не осталось». Девушка заплакала у памятника Лесе Украинке. Она объяснила, почему не побоялась возложить цветы к мемориалу в Москве, несмотря на риск задержания. pic.twitter.com/v5M7xnn9Gm
— SOTA (@Sota_Vision) February 24, 2023
Na segunda maior cidade do país, São Petesburgo, o protesto ocorreu em frente à estátua de Taras Shevchenko, também um poeta ucraniano. Sete pessoas foram detidas pela polícia.
As duas estátuas já haviam sido palco de manifestações pacíficas no início do mês. Em busca de métodos alternativos de protesto, a fim de não chamar a atenção das forças de segurança, os russos vinham depositando flores, bichos de pelúcia, cartas e fotos em monumentos de importantes figuras históricas ucranianas.
Protestos semelhantes ocorreram nesta quinta nas cidades de Murmansk, Tomsk e Kazan, onde ativistas exibiram flores, brinquedos de pelúcia e fitas nas cores da bandeira ucraniana, azul e amarelo.
Ainda em São Petesburgo, em frente à catedral Kazan, Yelena Osipova, uma ativista de 77 anos, foi detida por exibir um cartaz com as frases “Não à guerra” e “Putin é a guerra”.
Outros três protestos isolados foram registrados no porto de Vladivostok, no Extremo Oriente, na cidade de Irkutsk, região da Sibéria, e em Nizhny Novgorod, a leste de Moscou. Um grupo maior, com sete pessoas, foi detido na cidade de Ecaterimburgo, região dos Urais.
Também houve uma manifestação na Geórgia, com gritos de “Glória à Ucrânia”. De acordo com o jornal independente The Moscow Times, cerca de 20 mil georgianos se reuniram em frente ao parlamento para apoiar Kiev e também se manifestar em favor da adesão de sua nação à União Europeia (UE).
Por que isso importa?
Na Rússia, protestar contra o governo já não era uma tarefa fácil antes da eclosão da guerra na Ucrânia. Os protestos coletivos desapareceram das ruas a partir do momento em que a Justiça local passou a usar a pandemia de Covid-19 como pretexto para punir grandes manifestações, alegando que o acúmulo de pessoas feria as normas sanitárias. Assim, tornou-se comum ver manifestantes solitárias erguendo cartazes com frases contra o governo.
Desde a invasão do país vizinho por tropas russas, no dia 24 de fevereiro, o desafio dos opositores de Putin aumentou consideravelmente, com novos mecanismos legais à disposição do Estado e o aumento da violência policial para silenciar os críticos. Uma lei do início de março, com foco na guerra, pune quem “desacredita o uso das forças armadas”.
Dentro dessa severa nova legislação, os detidos têm que pagar multas que chegam a 300 mil rublos (R$ 22 mil). A pena mais rigorosa é aplicada por divulgar “informações sabidamente falsas” sobre o exército e a “operação militar especial” na Ucrânia, que é como o governo descreve a guerra. A reclusão pode chegar a 15 anos.
O cenário mudou levemente com a mobilização militar parcial anunciada no dia 20 de setembro. O risco de serem obrigados a lutar na Ucrânia levou milhares de reservistas a fugir do país, com fronteiras lotadas em países como Geórgia, Mongólia e Cazaquistão. Entre os que ficaram, a ideia de aceitar a convocação nunca foi unanimidade, e protestos populares voltaram a ser registrados em todos os cantos.
Somente na primeira semana que sucedeu o anúncio, a OVD-Info registrou quase 2,5 mil detenções em protestos populares contra a mobilização. E o número real de detidos tende a ser maior, vez que a entidade contabiliza somente os nomes que confirmou e que foi autorizada a divulgar, tendo sempre como base as listas fornecidas pelas autoridades.
Desde o início da guerra, a ONG reporta mais de 19,5 mil detenções em protestos contra a guerra em todo o país, com 400 pessoas levadas ao tribunal para responder criminalmente por seus atos. A enorme maioria dos casos, cerca de 15 mil, foi registrada no primeiro mês de guerra. Depois, houve um pico entre setembro e outubro, devido ao recrutamento. Entre dezembro de 2022 e janeiro de 2023, foram registradas somente 22 detenções, um sinal de que a repressão estatal tem funcionado.
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