O português António Guterres, secretário-geral da ONU (Organização das Nações Unidas), fez projeções pessimistas durante pronunciamento dirigido à Assembleia Geral na segunda-feira (6). Segundo ele, o risco de um conflito nuclear global é atualmente maior que nos tempos da Guerra Fria, e as nações precisam “agir de forma decisiva antes que seja tarde demais”.
“Este é o mais próximo que o relógio já esteve da hora mais negra da humanidade. Mais perto do que durante o auge da Guerra Fria”, disse ele. “Na verdade, o Relógio do Juízo Final é um despertador global. Precisamos acordar e começar a trabalhar”.
Guterres referiu-se ao Relógio do Juízo Final, que foi desenvolvido há mais de 75 anos por cientistas atômicos para medir a proximidade da humanidade da meia-noite, que representa a autodestruição. E alertou que, atualmente, ele marca apenas 90 segundos para o fim, dez segundos mais perto do que estava no início de 2020.
O principal foco de tensão global atualmente é a guerra entre Rússia e Ucrânia, desencadeada pela invasão das tropas de Moscou no dia 24 de fevereiro de 2022. Desde então, diversas ameaças partiram do governo russo quanto ao uso de armas nucleares, embora o presidente Vladimir Putin tenha dito que seu país não tomaria tal iniciativa, apenas reagiria caso sofresse um ataque atômico.
Guterres, porém, entende que o risco ainda é muito grande, inclusive com a possibilidade de o conflito cruzar as fronteiras ucranianas. “Temo que o mundo não esteja caminhando como sonâmbulo para uma guerra mais ampla. E sim que esteja fazendo isso com os olhos bem abertos”. O mundo precisa de paz. Paz de acordo com a Carta das Nações Unidas e o direito internacional”, afirmou. “Devemos trabalhar mais pela paz em todos os lugares”.
O secretário-geral, então, reforçou o temor de uma ação extrema. “Corremos o maior risco em décadas de uma guerra nuclear que pode começar por acidente ou projeto”, declarou.
Tensão global crescente
A tensão militar atual, que justifica a apreensão do secretário-geral da ONU, não se resume à guerra na Ucrânia. Ela é global, e os números confirmam isso. Na semana passada, a Agência de Cooperação de Segurança e Defesa (DSCA, da sigla em inglês) dos Estados Unidos disse ter registrado que as vendas de armas sob sua competência dobraram no ano passado.
Segundo comunicado do órgão, que faz parte do Departamento de Defesa (DoD, da sigla em inglês), estão incluídos no relatório armamentos adquiridos diretamente por países parceiros com recursos próprios e vendas financiadas por meio do programa de Financiamento Militar Estrangeiro (FMS), uma forma de assistência de segurança autorizada pela Lei de Controle de Exportação de Armas (AECA).
Os negócios foram superlativos: as vendas totais de armas no ano fiscal de 2022, cerca de US$ 52 bilhões, ultrapassaram os US$ 34,81 bilhões do ano fiscal de 2021 em quase 50%.
Entre os fatores listados pelo aquecimento das negociações estão o arrefecimento da pandemia de coronavírus, a guerra na Ucrânia e as preocupações com a crescente influência militar e econômica da China entre os países do Pacífico, analisou o diretor da DSCA, James Hursch.
Assim como Moscou, Beijing tem grande responsabilidade. Sob o regime Xi Jinping, a China reformulou suas forças armadas e desencadeou uma corrida armamentista na Ásia-Pacífico. Acompanhando os vizinhos chineses, Filipinas e Vietnã também dobraram os gastos militares na última década, com Coreia do Sul, Paquistão e Índia não muito atrás. Mesmo a Austrália aderiu à corrida.
E a previsão para os próximos anos é de crescimento contínuo, segundo Hursch. Tanto que até o Japão, historicamente uma nação pacifista, anunciou um orçamento de US$ 320 bilhões para o setor de Defesa ao longo dos próximos cinco anos, sendo US$ 51,4 bilhões em 2023. Inclusive, incrementou seu potencial bélico com mísseis capazes de atingir a China.
Diante desses sinais incontestáveis, Guterres cobra das nações uma mudança de abordagem. “Ao analisarmos as prioridades para este ano, uma abordagem baseada em direitos é fundamental para alcançar nossa prioridade máxima: um mundo mais seguro, mais pacífico e mais sustentável”, disse ele, instando os países a “agir de forma decisiva antes que seja tarde demais”.
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