Alimentos e remédios estão entre os itens confiscados pela junta militar nos postos de segurança estabelecidos em Mianmar. A ação do governo, que contribui para o aumento da crise humanitária na nação asiática, tem sido registrada sobretudo no Estado de Kayah, no sudeste birmanês, onde têm se intensificado os confrontos entre as forças do governo e grupos rebeldes que combatem os militares. As informações são da rede Radio Free Asia (RFA).
Mais de 180 mil pessoas estão deslocadas internamente devido à violência em Kayah, importante foco de resistência contra o governo militar. Áreas residenciais foram bombardeadas pela força aérea sob a justificativa de que combatentes rebeldes estariam escondidos ali, com cerca de 1,2 mil residências destruídas nesses ataques. Assim, 40% da população de 450 mil pessoas do Estado teve que sair de casa.
A situação é tanto pior porque o governo estabeleceu postos de checagem de segurança em diversos locais, e alimentos e remédios tornaram-se alvo de confisco nessas estações. Assim, cresce o drama dos deslocados internos, privados da comida e do tratamento médico fornecidos por grupos humanitários.
“Mal conseguimos fornecer remédios suficientes para hospitais e clínicas”, disse uma trabalhadora humanitária identificada somente pelo primeiro nome, Helen. “O problema é que ninguém consegue transportar os mantimentos nessa situação. O transporte é muito difícil para recebermos aqui”.
Em junho do ano passado, até a ONU (Organização das Nações Unidas) foi vítima do confisco, com cerca de 25 mil deslocados internos prejudicados. Atualmente, são cerca de 40 postos de checagem em Kayah, com motos, carros e caminhões parados pelos militares. Itens como arroz, óleo de cozinha e sal são apreendidos mediante o argumento de que seriam usados para alimentar os rebeldes.
“Eles bloqueiam estradas, criam mais postos de controle e restringem o transporte de tudo, com a desculpa de segurança de suspeitar que os suprimentos são para o KNDF”, disse um morador local, citando a Força de Defesa das Nacionalidades Karenni, uma das facções rebeldes que combate as forças do governo.
Entre as principais vítimas da falta de mantimentos estão as crianças. A desnutrição tem aumentado entre elas, além de doenças como a diarreia. Vacinas regulares também estão em falta, ampliando o risco de doenças. Um bebê de sete meses teria morrido de diarreia, segundo informações de moradores e que carecem de verificação independente.
Por que isso importa?
Mianmar enfrenta “uma campanha de terror com força brutal”, segundo palavras da ONU (Organização das Nações Unidas). A repressão imposta pelo governo militar foi uma reação às eleições presidenciais de novembro de 2020.
Na ocasião, o partido NLD (Liga Nacional pela Democracia, da sigla em inglês) venceu as eleições com 82% dos votos, ainda mais do que havia obtido no pleito de 2015. Em fevereiro de 2021, então, a junta militar, que já havia impedido o partido de assumir o poder antes, derrubou e prendeu a líder democrática Aung San Suu Kyi, que posteriormente foi julgada e sentenciada a 33 anos de prisão.
O golpe deu início a protestos no país, respondidos com violência pelas forças de segurança nacionais. As ações abusivas da junta levaram ao isolamento global de Mianmar, e em dezembro de 2022 o Conselho de Segurança da ONU aprovou uma resolução histórica que insta os militares a libertar Suu Kyi. A Resolução 2669 ainda exige “o fim imediato de todas as formas de violência” e pede que “todas as partes respeitem os direitos humanos, as liberdades fundamentais e o estado de direito”.
A proposta, feita pelo Reino Unido, foi aprovada no dia 21 de dezembro de 2022 com 12 votos a favor. Os membros permanentes China e Rússia se abstiveram, optando por não exercer vetos. A Índia também se absteve.
Beijing e Moscou, por sinal, estão entre os poucos governos do mundo que mantêm relações formais com Mianmar. Inicialmente, o golpe foi recebido com reprovação pela China, que vinha dialogando para firmar acordos comerciais com o governo eleito e perdeu bastante com a derrubada. Mas o cenário mudou desde então.
O governo chinês frequentemente se coloca ao lado da junta ao vetar resoluções que condenam a brutalidade dos atos contra opositores e a população civil em geral. A posição ficou evidente mais uma vez em dezembro de 2022, embora a China tenha optado por não vetar a resolução.
A China é um também dos principais fornecedores de armas para a juntar militar, desrespeitando um pedido de embargo global feito pela ONU para enfraquecer o regime birmanês. Entretanto, há indícios de que as forças locais seguem se equipando com novos armamentos chineses, tendo ainda como fornecedores complementares a Rússia e o Paquistão.
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