Este artigo foi publicado originalmente em inglês no jornal Financial Times
Por Olena Tregub
À medida que a invasão em grande escala da Ucrânia pela Rússia se aproxima de seu primeiro aniversário, há evidências crescentes de que a tecnologia ocidental está desempenhando um papel vital na sustentação do esforço de guerra de Moscou. Restringir o acesso da Rússia a eles teria um efeito devastador nas operações do país na Ucrânia, já que grande parte de seu equipamento, incluindo aeronaves e tanques, depende de partes ocidentais. Os fabricantes têm a obrigação moral de saber como seus produtos estão sendo usados: dada a destruição causada contra civis e infraestrutura ucranianos, a ignorância não é desculpa.
As investigações da Nako (uma comissão independente para combater a corrupção na defesa, criada pela Transparência Internacional para trabalhar na Ucrânia) revelaram que o Shahed-136, um drone iraniano usado pelas forças russas, contém mais de 30 componentes fabricados no Ocidente. Pesquisas adicionais do Royal United Services Institute também descobriram que a Texas Instruments and Analog Devices, com sede nos EUA, representava quase um quarto dos componentes ocidentais encontrados em armas russas capturadas, incluindo o drone Orlan-10. A tecnologia da Texas Instruments também foi localizada no míssil de cruzeiro Kh-101.
Essas duas armas se mostraram cruciais: o Orlan-10 é o drone de vigilância mais usado pelo exército russo e dirigiu muitos dos milhares de projéteis que foram disparados diariamente contra posições ucranianas desde o início da invasão. O Kh-101, por sua vez, tem sido usado para atingir a infraestrutura civil.
À medida que o conflito se arrasta, agora há relatos de que Moscou elaborou “ listas de compras ” dos componentes necessários para manter sua indústria militar abastecida. A maioria é feita por empresas de EUA, Reino Unido, Alemanha e Holanda, assim como Japão e Taiwan. Os semicondutores estão no topo da lista. Cortar o acesso da Rússia a tecnologias de uso duplo é vital: um chip usado em uma geladeira ou uma torradeira pode facilmente servir como parte de um sistema de orientação de mísseis. As entregas em massa diretas e indiretas de tais chips para a Rússia devem ser descontinuadas.
Os fabricantes desses componentes tendem a argumentar que estão cumprindo as sanções. No entanto, o Pacto Global da ONU (Organização das Nações Unidas), que foi assinado por muitas das empresas relevantes, destaca a necessidade de as empresas garantirem que não sejam cúmplices de abusos dos direitos humanos. Muitos fabricantes ocidentais também estão comprometidos com o princípio de negócios responsáveis em suas políticas ESG (governança ambiental, social e corporativa, da sigla em inglês).
Como vimos nos últimos meses, as organizações da sociedade civil podem usar inteligência de código aberto para expor e rastrear tanto os fabricantes cujos componentes acabam nas armas russas quanto as cadeias de suprimentos envolvidas nesse processo. Se pudermos administrar isso com nossos orçamentos apertados e recursos limitados, o mesmo acontecerá com as empresas com recursos internos significativamente mais poderosos.
A falha em pesquisar e prevenir isso não é apenas uma abdicação de responsabilidade por motivos éticos e de direitos humanos, mas também cria o risco de litígio e danos à reputação. Mesmo antes da guerra na Ucrânia, havia vários exemplos de empresas ocidentais sendo acusadas de cumplicidade em crimes de guerra, o que deveria ter servido de alerta. Casos proeminentes incluem o envolvimento da produtora de cimento Lafarge na Síria e o papel do BNP Paribas no Sudão.
Os formuladores de políticas ocidentais desencadearam sanções sem precedentes contra a Rússia desde sua invasão. Mas, enquanto a economia está sofrendo, o Kremlin ainda tem os recursos econômicos para continuar a guerra. Por outro lado, muito pouco foi feito para explorar as principais vulnerabilidades do exército russo. Sem equipamento útil, sua invasão será interrompida.
A solução imediata é reconhecer que o problema existe. Até agora, empresas e formuladores de políticas fizeram de tudo para se esquivar da responsabilidade. Para as empresas, interrogar deliberadamente os clientes sobre seus usuários finais e realizar uma due diligence mais aprimorada seria um primeiro passo prudente.
Os governos, enquanto isso, devem tomar medidas imediatas para examinar as redes de abastecimento dentro e fora de suas fronteiras e revisar e fortalecer os controles de exportação. Eles também devem investigar países terceiros que estão facilitando a reexportação ou transbordo de mercadorias controladas para a Rússia como uma prioridade urgente. Finalmente, os formuladores de políticas devem considerar se os fornecedores de produtos de uso duplo para a Rússia – acidental ou não – devem ser autorizados a concorrer a contratos governamentais.
O fornecimento e manutenção de armas é o calcanhar de Aquiles do exército russo. Já é hora de o Ocidente assumir suas responsabilidades ajudando Kiev a explorá-lo.
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