O número de baixas entre as tropas da Rússia na guerra da Ucrânia, iniciada em 24 de fevereiro de 2022, se aproxima de 200 mil. Não se trata de um número oficial, pois nem Moscou nem Kiev divulgam dados precisos. É, sim, uma estimativa revelada por altos funcionários do governo norte-americano ao jornal The New York Times, que mostra o quanto a invasão ordenada pelo presidente russo Vladimir Putin tem dado errado. Ainda assim, analistas afirmam que as enormes perdas dificilmente levarão o Kremlin a mudar de postura nos próximos meses, com a expectativa de que os ferozes combates se mantenham.
O balançou feito por Washington toma como base imagens de satélite, comunicações interceptadas, conteúdo divulgado nas redes sociais e relatos da mídia russa, além dos raros relatórios divulgados pelos dois lados do conflito.
Para se ter ideia do que tais números significam, em apenas oito meses a Rússia teria perdido oito vezes o número de soldados norte-americanos mortos e feridos ao longo de duas décadas de ocupação no Afeganistão. Na Ucrânia, o que ajuda a explicar essa estimativa superlativa são os sangrentos combates que acontecem atualmente em Donbass, sobretudo pelo controle das cidades de Bakhmut e Soledar.
No final de janeiro, o chefe da Defesa da Noruega, general Eirik Kristoffersen, fez projeção semelhante. “As perdas russas estão começando a se aproximar de cerca de 180 mil soldados mortos ou feridos”, disse ele em entrevista a uma emissora local reproduzida pela rede France 24. “As perdas ucranianas são provavelmente de mais de cem mil mortos ou feridos”.
Embora os números de possíveis baixas russas representem praticamente o dobro das ucranianas, o impacto é muito menor para as tropas de Moscou, de acordo com a analistas. Isso porque o governo russo tem recorrido a táticas que não são novidade em sua história militar. Uma delas, o recrutamento de presos para lutar em troca do perdão a seus crimes, algo que Stalin já havia feito na Segunda Guerra Mundial.
Os criminosos são recrutados pelo Wagner Group, uma organização paramilitar privada que tem por volta de 50 mil membros em ação na Ucrânia. Os indivíduos recrutados nos presídios russos são levados à Ucrânia para atuar na linha de frente, reduzindo assim o risco à vida dos combatentes mais experientes.
Kusti Salm, vice-ministro da Defesa da Estônia, disse na semana passada que a Rússia enxerga muitos de seus soldados como “dispensáveis”. Ao contrário do que ocorre com os ucranianos, que tem em suas forças armadas “soldados regulares, pessoas com famílias, pessoas com treinamento regular, pessoas valiosas para os militares ucranianos”.
De acordo com Salm, “a taxa de câmbio é injusta”, dada essa diferença de ponto de vista. “Não é um para um porque, para a Rússia, os presos são dispensáveis. Do ponto de vista operacional, este é um acordo muito injusto para os ucranianos e uma jogada tática inteligente do lado russo”.
Colin H. Kahl, subsecretário de Defesa para Política do governo norte-americano, diz que esse tipo de recruta tem sido especialmente útil nos violentos combates que se desenvolvem atualmente em Donbass. “Eles estão ficando sem artilharia. Eles estão ficando sem munição e estão substituindo, enviando condenados em ondas humanas para lugares como Bakhmut e Soledar”, disse ele.
Militares e oficiais do setor de Defesa dos EUA reforçam essa ideia. Segundo eles, não apenas o Wagner Group, mas também as forças armadas russas passaram a usar combatentes com pouco ou nenhum treinamento na linha de frente, a fim de desgastar ao máximo as tropas ucranianas e poupar os soldados russos mais qualificados.
O historiador russo Boris Sokolov diz que essa estratégia é praticamente a mesma de Stalin. Na Segunda Guerra, ele teria mandado ao campo de batalhas cerca de um milhão de cidadãos que o governo soviético via como pessoas de “segunda classe”.
“Em essência, não importa o tamanho das perdas russas, já que seus recursos humanos são muito maiores que os da Ucrânia”, disse Salm. “Todos os soldados perdidos podem ser substituídos, e o número de baixas não mudará a opinião pública contra a guerra”.
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