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domingo, 22 de janeiro de 2023

Empresas globais ajudam militares de Mianmar a fabricar armas, diz relatório independente

Pelo menos 13 países têm apoiado Mianmar a aumentar sua capacidade de produzir armas que servem ao regime brutal em vigor na nação do sudeste asiático após o golpe de Estado em 2021, denunciaram especialistas internacionais independentes. Isso ocorre mesmo após a ONU (Organização das Nações Unidas) ter pedido um embargo global de armas para enfraquecer a junta militar que assumiu o governo, que não funcionou. O que se vê hoje é um exército golpista autossuficiente. As informações são da rede BBC

Um relatório divulgado no último dia 16 pelo Conselho Consultivo Especial de Mianmar detalhou como o país ampliou sua capacidade de produzir armamentos após a tomada do poder pelo exército há dois anos, que também resultou na prisão da líder democrática Aung San Suu Kyi.

Entre os países listados como fornecedores estão Estados-membros das Nações Unidas, como os EUA, a França e a Índia. Empresas do Oriente Médio também estão apoiando a cadeia de suprimentos militar, diz o relatório, que pediu a essas corporações que não viabilizem abusos dos direitos humanos praticados por Naipidau, que não tem usado essas parcerias comerciais com o objetivo de proteger suas fronteiras.

“Mianmar nunca foi atacado por um país estrangeiro”, explica Yanghee Lee, ex-relator especial da ONU sobre direitos humanos em Mianmar e um dos autores do relatório.

Soldados das forças armadas de Mianmar em 2021 (Foto: WikiCommons)

Além de matéria-prima, as empresas entregam máquinas aos militares birmaneses, e até oferecem treinamento, diz o relatório. Entre os armamentos produzidos estão rifles de precisão, armas antiaéreas, lançadores de mísseis, granadas, bombas e minas terrestres.

“Um fator importante é o fato de que as forças armadas de Mianmar podem produzir, no país, uma variedade de armas que estão sendo usadas para atingir civis”, acrescenta o documento.

As fábricas locais ainda podem contar com “tecnologia licenciada e cadeias de suprimentos no exterior, suporte técnico e outros apoios, às vezes enviando equipamentos para Taiwan ou Cingapura para atualização e manutenção”, afirmou trecho do relatório citado pelo jornal The Taipei Times.

Essas fábricas, conhecidas como “KaPaSa”, uma abreviação em idioma local para Diretoria de Indústrias de Defesa, utilizam componentes como fusíveis, miras óticas e detonadores vindos da Índia e da China. Eles também têm máquinas de controle numérico computadorizado para fresagem, retificação e outras funções feitas em Taiwan, Japão, Áustria, Alemanha e Estados Unidos, disse o relatório.

Como resultado dessa produção local intensa, soldados foram vistos carregando fuzis de fabricação birmanesa durante o massacre no vilarejo de Inn Din, quando tropas locais mataram 10 homens desarmados da etnia rohingya. Em 2017, o exército de Mianmar foi responsável por um genocídio contra a minoria, após a expulsão de mais de 750 mil pessoas de seu território e forçando o êxodo da etnia para Bangladesh

“Mais recentemente, tivemos os massacres ocorridos na região de Sagaing”, explica Chris Sidoti, “particularmente o bombardeio de uma escola que resultou na morte de várias crianças”.

Sobre a coparticipação das companhias estrangeiras na matança desenfreada de civis, Chris Sidoti, advogada de direitos humanos e membro da Missão de Apuração de Fatos da ONU em Mianmar de 2017 a 2019, tem uma visão clara.

“As empresas estrangeiras que lucram com o sofrimento do povo de Mianmar devem ser responsabilizadas”, disse ela.

Para a advogada, as sanções internacionais foram muito “imprevisíveis”. “Não houve sanções impostas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, apenas por Estados individuais ou grupos de Estados”.

Sendo assim, segundo ela, tem sido “relativamente fácil para muitas empresas evitar as sanções, passando por outras empresas em países que não impõem sanções ou lidando com intermediários locais de Mianmar”.

Ataques aéreos

Além do fornecimento estrangeiro para a produção de armas, uma investigação conduzida pela ONG Anistia Internacional no ano passado expôs companhias inseridas na cadeia de suprimentos que permite aos militares de Mianmar reabastecer seus jatos para bombardear grupos rebeldes e a população civil.

A principal empresa estrangeira envolvida no manuseio, armazenamento e distribuição de combustível de aviação no país é a Puma Energy, que pertence em grande parte à gigante global do comércio de commodities Trafigura e atua no país asiático desde 2015.

Em novembro, Washington impôs sanções aos fornecedores de aeronaves para os militares, citando ataques aéreos mortais contra civis.

Negócios com Moscou e Beijing

Também há indícios de que as forças locais seguem se equipando com novos armamentos fornecidos por ChinaRússia e Paquistão, à medida que o número de civis mortos cresce.

Isso ficou claro no dia 15 de dezembro, quando, durante uma celebração do 75º aniversário da força aérea de Mianmar, líderes da junta apresentaram novos caças e helicópteros de ataque comprados desses países.

Entre os destaques do pacote estão sofisticados caças Sukhoi Su-30, de Moscou, e jatos FTC-2000G, de Beijing, comprados após o golpe e usados nos ataques aéreos em andamento do regime contra civis e forças de resistência que lutam ao lado de grupos étnicos armados em todo o país.  

Em meio a isso, militares que deram um golpe de Estado e tomaram o poder central em fevereiro de 2021 continuam bombardeando indiscriminadamente, destruindo casas e prédios e matando civis.

Por que isso importa?

Mianmar enfrenta “uma campanha de terror com força brutal”, segundo a ONU. A repressão imposta pelo governo já causou a morte de ao menos 1252 pessoas desde o golpe de 1º de fevereiro deste ano, uma reação dos militares às eleições presidenciais de novembro de 2020.

Na ocasião, a NLD venceu as eleições com 82% dos votos, ainda mais do que havia obtido no pleito de 2015. Em fevereiro, então, a junta militar, que já havia impedido o partido de assumir o poder antes, derrubou e prendeu Aung San Suu Kyi.

O golpe deu início a protestos no país, respondidos com violência pelas forças de segurança nacionais. Centenas de pessoas foram presas sem indiciamento ou julgamento prévio, e muitas famílias continuam à procura de parentes desaparecidos. Jornalistas e ativistas são atacados deliberadamente, e serviços de internet têm sido interrompidos.

Inicialmente, o golpe em Mianmar foi recebido com reprovação pela China, que vinha dialogando para firmar acordos comerciais com o governo eleito e perdeu bastante com a derrubada. Atualmente, no entanto, Beijing frequentemente se coloca ao lado dos militares ao vetar resoluções que condenam a brutalidade dos atos contra opositores e a população civil em geral. O país também é um dos principais fornecedores de armas para a juntar militar.

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