Este artigo foi publicado originalmente em inglês no think tank Carnegie Endowment for International Peace
Por Angelina Davydova
O impacto da invasão da Ucrânia pela Rússia sobre o clima e a biodiversidade não fez parte da agenda oficial de duas grandes conferências recentes da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre o meio ambiente: a COP27 sobre mudanças climáticas em novembro e a COP15 sobre biodiversidade em dezembro. À margem e em plataformas paralelas, no entanto, as consequências da guerra no clima, no setor energético, na alimentação e na biodiversidade tiveram grande destaque. Essas discussões demonstraram que, longe de eclipsar a agenda ambiental global, a guerra na Ucrânia criou novos problemas no mercado de energia e forçou uma nova avaliação da transição para energia renovável.
Nos meses seguintes à invasão, parecia que as questões climáticas estavam saindo da agenda e que o financiamento de programas de redução de emissões (principalmente nos países em desenvolvimento) seria cortado, em parte como resultado de um forte aumento nos gastos dos países ocidentais em armas. Surgiu a ameaça de uma desaceleração na descarbonização.
As cúpulas recentes, no entanto, demonstraram que tais temores eram amplamente exagerados. Fala-se cada vez mais da interconectividade entre a guerra na Ucrânia, mudanças climáticas, questões de energia e segurança alimentar, destruição de ecossistemas e redução da biodiversidade.
Algumas consequências da guerra na agenda climática já podem ser identificadas. Em primeiro lugar, os mercados globais de energia estão se transformando: muitos países mudaram seus fornecedores de petróleo e gás e estão construindo rapidamente infraestrutura para gás natural liquefeito, relançando usinas de carvão, considerando estender a vida útil de usinas nucleares (ou construindo novas) e investindo em novos projetos de combustíveis fósseis.
As tendências de médio e longo prazo, entretanto, permanecem inalteradas: a importância e a participação das fontes de energia renováveis continuam a crescer. O investimento neste setor está aumentando, assim como seu papel na provisão de segurança energética, e as tecnologias estão se tornando mais baratas e eficazes.
Em segundo lugar, a guerra está remodelando os mercados globais de alimentos e fertilizantes. Vários países planejam expandir a produção de grãos e o fornecimento de matérias-primas para a produção de fertilizantes, o que representa uma ameaça aos ecossistemas e à biodiversidade.
Em terceiro lugar, as reduções no fornecimento de metais da Ucrânia, juntamente com sanções parciais e limites ao fornecimento da Rússia, estão transformando a metalurgia global. Algumas das mudanças impactam a extração de metais necessários para a descarbonização global e a transição energética, incluindo aço, alumínio, lítio, níquel, cobre e metais de terras raras.
Muitas outras esferas ligadas a questões de clima e biodiversidade também estão mudando. Com os fornecedores de madeira russos, por exemplo, enfrentando sanções, a saída do país de estruturas certificadoras internacionais e o redirecionamento das exportações (principalmente para a China), isso aumentou a carga sobre as florestas em outras regiões do mundo. Finalmente, não devemos esquecer que os combates têm um impacto direto nos ecossistemas da própria Ucrânia.
Sanções e barreiras comerciais colocaram em dúvida as políticas climáticas da Rússia. Já existe uma tendência perceptível para a legislação de desverdecimento, bem como o cancelamento ou relaxamento de vários tipos de padrões, requisitos e verificações ambientais.
Por outro lado, as autoridades russas continuam a aprovar legislação relacionada com o clima e a regulação do carbono, e novos projetos estão sendo lançados, como um experimento na ilha de Sakhalin, no Extremo Oriente, para se tornar neutra em carbono até o final de 2025. As empresas estão cumprindo suas metas de redução de emissões e medidas ESG (ambientais, sociais e de governança). Eventos dedicados ao clima, descarbonização e desenvolvimento sustentável ainda são realizados regularmente, embora o foco internacional tenha mudado para a experiência da Ásia, Oriente Médio e outras nações do BRICS.
Na conferência climática COP27 da ONU no Egito, as empresas russas – acima de tudo, a agência estatal de energia atômica Rosatom, que há muito promove a energia nuclear em fóruns verdes internacionais como uma tecnologia segura e de baixo carbono – também se manifestaram (principalmente em painéis de discussão), juntamente com representantes do Sul Global. Empregando a retórica do neocolonialismo e a construção de um mundo multipolar, as autoridades russas estão tentando trazer os países não ocidentais para o seu lado, inclusive por meio do uso da colaboração tecnológica em questões verdes.
Isso equivale a uma situação paradoxal, na qual, por um lado, a Rússia enfatiza cada vez mais a retórica antiocidental e a necessidade de criar uma “agenda verde soberana”. Por outro lado, na COP27 e na COP15, a Rússia falou da impossibilidade de excluir países individuais do diálogo climático global e também pediu a remoção de sanções e restrições comerciais sobre tecnologias de baixo carbono e bens necessários para a transição energética.
As autoridades russas continuam a falar sobre a importância dos ecossistemas do maior país do mundo na resolução de questões climáticas e de biodiversidade. Essa ênfase nos ecossistemas (incluindo, por exemplo, o plantio de florestas) há muito é característica da Rússia e atrai críticas infalíveis de especialistas ambientais internacionais, que acusam Moscou de relutar em reduzir as emissões de gases de efeito estufa em outros setores ou desenvolver energia renovável.
Vale a pena notar que, na COP27, os representantes russos se opuseram à inclusão no acordo final da conferência de artigos sobre redução do uso de combustíveis fósseis ou aumento da participação de energia renovável, alegando que a posição de Moscou decorreu do apoio aos países em desenvolvimento. Da mesma forma, a Rússia continua a insistir no princípio da “neutralidade tecnológica”: cada país pode decidir por si mesmo como reduzirá as emissões. Do ponto de vista de Moscou, isso envolveria principalmente o desenvolvimento de energia nuclear e movida a gás e a absorção de emissões pelas florestas.
As cúpulas da ONU demonstram que a Rússia continua interessada na diplomacia verde, algo em que vem trabalhando desde 2014. Após a anexação da Crimeia e as sanções subsequentes, os representantes do país tornaram-se muito mais ativos nos aspectos verdes da colaboração internacional, vendo-os como uma oportunidade de continuar o diálogo e obter acesso a tecnologias e financiamentos.
Agora, no entanto, os problemas da Rússia para acessar tecnologias verdes e financiamento internacional só vão aumentar. Moscou não deve esperar muito em termos de novos parceiros: eles estão mais interessados em obter recursos naturais russos com desconto do que em colaboração de alta tecnologia para o desenvolvimento verde.
O Instituto de Previsão Econômica da Academia Russa de Ciências prevê que o potencial da Rússia para reduzir as emissões de gases de efeito estufa cairá quase pela metade até 2050, principalmente devido a limitações tecnológicas. Ainda assim, isso não necessariamente impedirá a Rússia de alcançar a neutralidade de carbono até 2060. Isso pode acontecer mesmo sem nenhum esforço particular do Estado, simplesmente como resultado da recessão econômica, que reduzirá automaticamente as emissões de gases de efeito estufa.
Uma queda no PIB (produto interno bruto), diminuição da participação da Rússia na economia global e o despovoamento podem reduzir as emissões de gases de efeito estufa na Rússia. Em grande medida, veremos uma repetição da década de 1990, quando as emissões russas caíram mais de 30% – superando as obrigações do país sob o Protocolo de Kyoto – devido a um declínio acentuado na produção industrial após as consequências econômicas do colapso da União Soviética. Mas isso dificilmente pode ser considerado uma descarbonização genuína.
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