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sábado, 5 de fevereiro de 2022

Ucrânia dá treinamento militar a civis e aproxima o governo de grupos de extrema direita

A tensão crescente com a Rússia, que tem cerca de cem mil soldados mobilizados em regiões fronteiriças, mantém em alerta máximo não apenas as forças armadas da Ucrânia, prontas para reagir a uma invasão. A população civil do país também vem sendo treinada para reagir em caso de guerra. O problema é que, entre os grupos que atuam na preparação da população, estão organizações paramilitares de extrema direita agindo agora sob a tutela do Estado, segundo a rede Radio Free Europe.

Nos últimos meses, o treinamento de defesa para civis tem crescido rapidamente, tanto em Kiev quanto em outras grandes cidades da Ucrânia. Entre aqueles que oferecem preparação militar estão instituições formais, como as Forças de Defesa Territoriais, que atuam sob a supervisão do Exército ucraniano. Mas há também milícias e organizações políticas armadas privadas, algumas delas com a bagagem de terem atuado contra as forças separatistas apoiadas pela Rússia na região de Donbass, no leste ucraniano.

“Estamos em uma situação de guerra, agora. Precisamos defender não apenas o país, mas nossa cidade natal. Temos que saber como agir se a Rússia atacar”, disse Anna Kuksa, uma estudante de medicina de Kiev que tem 18 anos e participou de um dos treinamentos. “Isso é o que precisamos fazer. O que todos precisam fazer”.

Ucrânia dá treinamento militar a civis e aproxima o governo de grupos de extrema direita
Batalhão Azov em Mariupol, em 2014: fita laranja nas mangas marca os ucranianos (Foto: Flickr)

Entre as instituições privadas que participam da mobilização ucraniana há também organizações de extrema direita como a National Corps, que tem em suas fileiras veteranos paramilitares do Batalhão Azov e foi classificada como “grupo nacionalista de ódio” pelo Departamento de Estado norte-americano, em relatório de 2018.

À época do relatório, o FBI (Serviço de Investigação Federal, da sigla em inglês) citou a “associação do Azov com a ideologia neonazista e o uso do simbolismo nazista” e disse que “acredita-se que tenha participado do treinamento e da radicalização de organizações de supremacia branca sediadas nos Estados Unidos”.

Andriy Biletsky, fundador da National Corps, sempre adotou abertamente temas e ideologias nazistas. Em um panfleto de 2007, ele falava sobre o “nacional-socialismo” levantando “antigos valores arianos ucranianos”. Dizia que “somente seu renascimento e implementação por um grupo de combatentes fanáticos pode levar à vitória final da civilização europeia na luta mundial“.

“Este é apenas um dos numerosos exemplos que ilustram que o governo da Ucrânia abraça forças de extrema direita, incluindo forças internacionalmente ativas como o movimento Azov”, disse Oleksiy Kuzmenko, jornalista e pesquisador que vive nos EUA e escreve sobre a extrema direita ucraniana.

Agora, alerta Kuzmenko, tem-se estabelecido uma relação formal entre o governo federal, o exército nacional e grupos criados originalmente para propagar o ódio.

Relação antiga

A relação entre o Azov e as forças de segurança não é nova. Anteriormente, o grupo foi incorporado à Guarda Nacional Ucraniana no intuito de formalizar a hierarquia do exército sobre os paramilitares que lutaram contra os separatistas apoiados pela Rússia na guerra no Donbass. O Batalhão ganhou fama, por exemplo, ao liderar a batalha para recuperar a cidade portuária de Mariupol no conflito do leste.

Maksym Zhorin, um dos líderes da National Corps, nega a relação entre a organização e o Batalhão Azov, acusação classificada por ele como “produto da propaganda e da desinformação da Rússia”. Segundo ele, as duas entidades estão agora completamente separadas.

Ucrânia dá treinamento militar a civis e aproxima o governo de grupos de extrema direita
Soldados ucranianos na região de Donbass, na Ucrânia, em 2014 (Foto; Wikimedia Commons)

Zhorin sugere que a questão precisa ser deixada de lado, pelo bem da Ucrânia. “A preparação para a guerra não deve ser considerada do ponto de vista político. Nós olhamos para isso apenas do ponto de vista da defesa do Estado”, disse ele. “A primeira coisa que temos que fazer é preparar a população local, o exército e a economia. Toda a política está em segundo plano”.

Entretanto, o próprio Zhorin adota um discurso político ao acusar o governo ucraniano de negligência na preparação da população civil para a possibilidade de uma invasão russa. Algo que, segundo ele, é certo: “Vai acontecer. É só uma questão de tempo”.

O presidente Volodymyr Zelensky aprovou uma lei, que vigora desde o início de janeiro e formaliza a criação de organizações de defesa escoradas na população civil. O projeto prevê 25 brigadas, totalizando 130 mil reservistas. Ainda em 2021, o exército deu início ao processo de preparação com treinamento voluntário. Tudo para evitar que se repita o que houve na Crimeia, anexada pela Rússia sem maior resistência ucraniana, e nos primeiros anos da guerra de Donbass.

“Todos sabemos o que aconteceu em 2014. Não houve recrutamento militar. Ninguém sabia o que fazer. Os oficiais eram idiotas”, disse Danylo Hrabovskiy, um estudante de 21 anos que treina em um instituto de engenharia de aviação da área de Kiev. Agora, segundo ele, os combatentes ucranianos estão mais bem preparados. E uma eventual invasão russa terá recepção bem diferente daquela de oito anos atrás.

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