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terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

China quer ampliar produção de soja em 40%, decisão que impactaria na economia brasileira

Por André Amaral

A China pretende ampliar consideravelmente a produção local de soja nos próximos anos. A meta é aliviar a dependência estrangeira e progredir em um ambicioso plano de autossuficiência no fornecimento da oleaginosa, de acordo com dados divulgados pelo Ministério da Agricultura e Assuntos Rurais chinês em janeiro. E isso causará impacto na economia do Brasil.

O objetivo de Beijing está bem definido: atingir uma safra de 23 milhões de toneladas até o final de 2025, gerando um aumento de 40% em relação aos níveis atuais de produção de 16,4 milhões de toneladas, disse o órgão governamental ao divulgar seu 14º plano quinquenal de cultivo, relatou a Nasdaq em artigo no mês passado.

As ambições do país asiático respingam no Brasil, seu principal vendedor da leguminosa. De janeiro a outubro de 2021, a China importou 58,393 milhões de toneladas de soja brasileira. Segundo o Canal Rural, as exportações brasileiras de soja em grão totalizaram 83,394 milhões de toneladas em 2021, o que significa que a China foi a responsável por 70% deste valor.

Grãos de soja (Foto: Wikimedia Commons)

Ouvido por A Referência, Pedro Brites, professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), observa que a forma como a China vem planejando sua inserção internacional gera um desafio para o Brasil sobre como o país irá conseguir manter um bom nível de competição em termos econômicos no mercado de soja.

“A busca da China por essa autossuficiência, que já vem discutindo há algum tempo, mostra a vulnerabilidade da economia brasileira e dificulta a capacidade de exportações do Brasil. E, mais do que isso, coloca em xeque a capacidade de exportação brasileira”, analisa Brites, acrescentando que, como isso já estava no horizonte chinês, não deveria pegar o país de surpresa. “E não me parece que o Brasil, infelizmente, tenha conseguido pensar em alternativas nesse sentido”.

Na opinião de Brites, o Brasil deveria estar atento, já que o crescimento chinês trará implicações. A ampliação global de acordos comerciais seria um caminho recomendável a ser seguido.

“Com certeza [o aumento da produção chinesa] é algo que deve impactar a economia brasileira, justamente por essa dependência e vulnerabilidade que as nossas exportações têm por depender majoritariamente de produtos primários e ter na China efetivamente alguém capaz de absorver mais de um terço das nossas exportações”, explica o professor, que está apreensivo sobre a maneira como o Brasil irá lidar com isso. “Aparentemente, o caminho tem sido tentar ampliar a rede de parceiros globais”, disse, citando Japão e Coreia do Sul. “Mas não me parece, até pelo perfil desses parceiros, que eles vão ser capazes de absorver tudo que o Brasil produz”.

Para Brites, conseguir manter um bom nível de competição em termos econômicos no mercado de soja e ao mesmo tempo fazer isso de modo que a transição não seja abrupta será um desafio e tanto nesses três anos. “É um período curto de tempo para se resolver essa questão. Afinal, não temos tantas outras regiões para absorverem esses produtos brasileiros”.

Segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério da Economia, o volume de importação de soja brasileira pela China apresentou queda em 2021, sendo 4% inferior ao comprado no mesmo período de 2020. Brites contextualizou a situação, explicando se isso já seria um reflexo do crescimento da produção chinesa.

“Há alguns fatores que são importantes considerar. E com certeza a pandemia foi importante nesse sentido, principalmente porque a China estocou bastante desses alimentos. Então, a demanda efetivamente diminuiu no ano seguinte”, avalia ele, acrescentando que, diante desse cenário, “não dá para a gente colocar ainda na conta desse novo processo, até porque a produção de soja por lá entrou em declínio em 2021. Então, na verdade, me parece muito mais ligado a esses fatores exógenos”.

Relações desgastadas

Em contrapartida, as tensões diplomáticas da China com outros países podem favorecer o Brasil em outros setores. Um dos exemplos é a Austrália, que viu a cordial relação com Beijing começar a deteriorar em 2018, quando Camberra proibiu a Huawei de fornecer equipamentos para uma rede móvel 5G, citando riscos de interferência estrangeira. A resposta chinesa veio em forma de imposição de tarifas sobre produtos australianos, como vinho e cevada, além de importações limitadas de carne bovina, carvão e uvas australianas.

Para Brites, essas tensões corriqueiras podem abrir oportunidades para diversos outros países conquistarem determinados espaços comerciais que estavam reservados a outros.

“É o caso do Brasil com a China. Por exemplo, em meio a essa tensão dos chineses com os EUA, há uma boa expectativa de o Brasil absorver parte das exportações norte-americanas destinadas à China, como a própria soja. Então, isso traz oportunidades. Já no caso da Austrália, é um país que exporta bastante minério”, relata o professor, que enxerga uma brecha para as receitas com exportações de minério de ferro do Brasil aumentarem nesse cenário.

Segundo ele, é tudo questão de o Brasil ter um bom plano para aproveitar as oportunidades, mesmo que elas não representem tanto assim.

“As tensões até o momento não chegaram a um nível que interrompesse o fluxo comercial. Mas, é claro, se o Brasil tiver uma estratégia montada, pode ser que aproveite. Nesse momento, ao que tudo indica, se surgirem essas oportunidades, elas vão ser muito mais pontuais e direcionadas em determinados períodos específicos para determinados produtos. Não me parece que seja um processo mais amplo, sólido o suficiente, por exemplo, para compensar uma eventual perda dessa magnitude no mercado de soja”, prevê Brites.

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