No último domingo (10), o Paquistão realizou um funeral com honras de Estado em homenagem a Abdul Qadeer Khan, ou A. Q. Khan, o homem responsável pelo programa nuclear paquistanês. Morto aos 85 anos, vítima de Covid-19, ele já foi considerado um dos homens mais perigosos do mundo, sobretudo por defender a proliferação de armas nucleares, segundo a rede norte-americana PBS.
“Um grande homem morreu”, disse Sheikh Rasheed Ahmad, Ministro do Interior do Paquistão. “Ele era um grande cientista. Ele serviu a este país. Ele serviu a este país com emoção, dignidade, respeito e com muito trabalho”.
Khan trabalhou como metalúrgico para grandes empresas europeias nos anos 1970, construindo centrífugas capazes de produzir combustível nuclear. Então, passou a roubar segredos industriais para as forças armadas do Paquistão, e pouco depois o país foi capaz de criar seu primeiro dispositivo nuclear. A bomba, porém, foi testada somente em 1998, na esteira de um teste bem sucedido pela vizinha e rival Índia.
Em defesa da ideia de que todas as nações têm direito às armas nucleares, Khan chegou a compartilhar segredos com Irã, Líbia e Coreia do Norte. A divulgação de segredos tecnológicos chegou a render cinco anos de prisão domiciliar impostos pela Justiça paquistanesa, entre 2004 e 2009. Depois disso, mesmo em liberdade, foi mantido numa espécie de exílio, impedido pelo governo de manter contato com o exterior. Apesar da pena, nunca ficou claro se a missão de proliferação de armas nucleares contou ou não com o apoio do governo.
Khan chegou a ser confrontado inclusive pelo então presidente, general Pervez Musharraf. Foi uma reação inevitável do então líder à pressão imposta pelos EUA devido aos segredos revelados. “Seu lamento duradouro foi nunca ter sido oficialmente exonerado das acusações levantadas contra ele pelo governo do Paquistão“, disse um comunicado da família emitido após a morte de Khan.
Segredos bem aproveitados
O governo do Irã seguiu exatamente o projeto de Kahn para o Paquistão, e assim foi capaz de inaugurar seu próprio programa nuclear. A Coreia do Norte, embora já estivesse desenvolvendo armamento nuclear baseado em plutônio, aproveitou as informações paquistanesas para investir também em urânio.
Rolf Mowatt-Larssen, que no passado chefiou a unidade de armas de destruição em massa da CIA (Agência Central de Inteligência dos EUA, da sigla em inglês), classifica Khan como um “comerciante da morte”. E destaca a enorme rede de conexões internacionais que ele tinha. “Ele tinha contatos únicos, fontes únicas, uma cadeia de suprimentos única que eu não acho que já tínhamos visto em qualquer outra rede de proliferação [de armas nucleares]”.
Embora Khan mostrasse disposição em vender seus segredos a quem estivesse disposto a pagar, ele teria rejeitado ofertas da Al-Qaeda. “Acabamos descobrindo através de várias fontes que a Al-Qaeda nunca conseguiu se beneficiar de qualquer assistência da rede de contatos de A. Q. Khan”, diz Mowatt-Larssen.
Por que isso importa?
A herança de Khan contribui até hoje para manter o mundo sob a ameaça nuclear. No final de setembro deste ano, surgiu a suspeita de que o Paquistão esteja trabalhando no enriquecimento de urânio na região ocupada de Gilgit-Baltistão, no norte da Caxemira. O processo, que é vetado por leis internacionais, tem como uma de suas finalidades a produção de armamento nuclear, embora não tenha ficado claro se esse é o objetivo.
Uma equipe de especialistas do Centro de Material de Energia Atômica (AEMC, da sigla em inglês) foi enviada à região para analisar o andamento do processo. Recentemente, o governo paquistanês autorizou empresas mineradoras da China a explorarem os recursos locais, entre eles ouro, urânio e molibdênio.
Outra região onde o Paquistão tem explorado urânio é a aldeia de Dargai, região que atraiu o interesse da Comissão de Energia Atômica do Paquistão (PAEC, da sigla em inglês). O projeto prevê a perfuração de 36 poços para facilitar o enriquecimento de urânio, a fim de produzir 125 toneladas do material em cinco anos.
A exploração de urânio é um assunto crítico e de preocupação para a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e para a comunidade internacional, que não foram notificadas pelo Paquistão sobre a questão.
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