O magnata dos cassinos, fundador da Las Vegas Sands (LVS), Sheldon Adelson, morreu no último dia 11 de janeiro sem realizar um grande sonho: aportar seus negócios no Rio de Janeiro. “Eu não sou mais jovem, estou entre avô e bisavô. Mas não sou só eu. A ‘garota de Ipanema’ e todos os que foram seduzidos por essa música e por aquele tempo também envelheceram. O Rio tem que correr”, disse o bilionário ao empreendedor carioca Marcelo Conde, na sua última visita ao Brasil, em maio de 2018. Segundo Conde, Adelson estava preocupado com o andamento lento da legalização dos cassinos no país e por isso deu o recado.
A LVS é líder do setor de resorts integrados a cassinos no mundo, com empreendimentos nos Estados Unidos, Cingapura e China. Desde 2011, a companhia possui marca registrada no Brasil, mas foi no governo de Jair Bolsonaro que Adelson conseguiu chegar mais próximo de realizar o antigo desejo com o apoio da cúpula do Executivo, dos filhos do presidente e do lobby direto de Donald Trump junto ao presidente brasileiro.
O ex-presidente americano chegou a conversar diretamente com Bolsonaro sobre o tema em encontro que ocorreu no dia 19 de março de 2019 em Washington.
Maior doador da campanha de Trump em 2016 (US$ 20 milhões) e em 2020 (US$ 75 milhões), além dos vultosos valores doados ao seu partido, Adelson tinha forte influência sobre o republicano, que, por sua vez, exercia forte influência sobre Bolsonaro e seus filhos.
No segundo semestre do ano passado, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) tomaram a frente da articulação no Congresso Nacional pela legalização dos cassinos dentro de resorts, depois de o assunto ter esfriado no Parlamento com o início da pandemia. O pedido para que a pauta avançasse teria partido da Casa Branca, conforme relataram à Pública, em outubro, dois assessores do Ministério do Turismo, à época comandado por Marcelo Álvaro Antônio – fervoroso defensor da causa.
Essa, portanto, teria sido a última cartada do empresário para trazer a LVS para o Brasil. Adelson morreu aos 87 anos, vítima de complicações de um linfoma, no dia 11 de janeiro.
“Ele era uma espécie de embaixador para esse tema no Brasil. É claro que a sua falta vai enfraquecer o debate sobre o tema”, observou o deputado federal Paulo Azi (DEM-BA), autor do Projeto de Lei (PL) 530/2019, que ficou conhecido como “Lei Sheldon Adelson”, por se encaixar exatamente no modelo da LVS. A proposta autoriza a “exploração em todo o Território Nacional de jogos de fortuna exclusivamente em cassinos estabelecidos em resorts integrados”.
Fazendo coro ao deputado, o presidente do Instituto Brasileiro de Jogo Legal, Magno José Santos de Souza, também avalia que o movimento perde força com a morte de seu líder. “Adelson era o condutor do lobby”, ressaltou. Ele observa que a saída do deputado federal Rodrigo Maia (DEM-RJ) da presidência da Câmara – que era simpático à causa – e a perda de poder de Trump também contribuem para enfraquecer o debate no país.
Já Marcelo Conde acredita que a LVS, sob o comando da mulher de Adelson, Miriam, vai manter os esforços para investir no Brasil com o objetivo de realizar o sonho do magnata. “Ela participou de todas as viagens dele. Acho que o seu falecimento é uma lembrança ao Brasil que nós podemos fazer e depende de nós”, destacou Conde.
Adelson esteve pela primeira vez no Rio em 1994, quando trouxe ao país a Comdex, uma feira pioneira de tecnologia no mundo, da qual era dono. “Ele ficou muito impressionado, queria fazer alguma coisa no Rio, achava uma beleza estonteante, a cidade mais bonita, com a beleza natural”, contou Conde.
Dono da STX Desenvolvimento Imobiliário, Conde esteve com o bilionário em 2017 e em 2018, quando Adelson tentou pessoalmente vender seu modelo de negócios a políticos e empresários brasileiros. Nas duas passagens do magnata pela Cidade Maravilhosa, ele se hospedou no Copacabana Palace por cinco dias e, com sua equipe de segurança, circulou dando preferência aos lugares de onde podia ver o Cristo Redentor e o Pão de Açúcar, pontos turísticos mais admirados por Adelson.
Quando se reuniu com Marcelo Crivella no Palácio da Cidade, no bairro de Botafogo, no dia 9 de maio de 2017, aproveitou para tirar uma foto em que aparecia embaixo do Cristo Redentor, lembrou Conde. “Ele é um dos grandes investidores no setor imobiliário. Vamos falar sobre turismo. É seguramente uma das maiores fortunas americanas e tem muito interesse pelo Rio. Quem sabe não pode nos ajudar no Porto Maravilha? Vou mostrar para ele a infraestrutura que foi feita e, quem sabe, podemos instalar ali hotéis, praças de alimentação e cinemas. Ele é um dos grandes empreendedores de Las Vegas”, afirmou o prefeito à época, ainda tímido na defesa da legalização dos cassinos, pauta que passou a defender publicamente em 2018.
Escala em Brasília
Em 2017, Adelson aterrissou em Brasília, onde se reuniu com deputados federais e com o então presidente Michel Temer (MDB). Na ocasião, ele apresentou o plano de investimentos do grupo LVS, um complexo de US$ 8 bilhões com resorts, cassino, shopping center e um centro de convenções, caso o Brasil legalizasse apenas os resorts integrados – exigência do bilionário. Além do Rio, o grupo tinha interesse no Complexo do Anhembi, em São Paulo.
As visitas foram articuladas pelos representantes da LVS no Brasil, os advogados Fábio e Henry Lowenthal, filhos do fundador e sócio da Lowenthal Advogados, que é membro da comunidade judaica internacional, assim como foi Adelson.
Entre 2017 e 2020, Fábio e Henry se reuniram pelo menos sete vezes com representantes do primeiro e do segundo escalão do governo federal, conforme registrado nas agendas oficiais das autoridades. Mais recentemente, no dia 6 de agosto do ano passado, Henry se encontrou com o então presidente da Embratur, atual ministro do turismo, Gilson Machado.
Conforme Adelson lamentou a Marcelo Conde, os negócios não avançaram muito da sua primeira viagem de negócios, em 2017, para a segunda, em 2018. O magnata retornou ao país em maio daquele ano, em pleno período eleitoral. Elio Gaspari revelou em sua coluna no Globo que Adelson chegou a se reunir, no Copacabana Palace, com o então candidato à Presidência Jair Bolsonaro e Paulo Guedes.
Segundo o jornal, os dois entraram pela cozinha do hotel e Bolsonaro garantiu a Adelson que transferiria a embaixada brasileira de Tel-Aviv para Jerusalém, outra pauta cara ao empresário, que foi forte aliado do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, e convenceu Trump a mudar a embaixada americana no país. Ainda em 2018, o jornal de Adelson em Israel, o Israel Hayom, publicou uma longa entrevista com Bolsonaro sobre o assunto, depois de eleito.
Durante a campanha eleitoral, Bolsonaro negou que legalizaria os cassinos no Brasil: “Eu vou legalizar os cassinos no Brasil? Dá para acreditar numa mentira dessas? Nós sabemos que o cassino, aqui no Brasil, se tivesse, ia ser uma grande lavanderia, serviria para lavar dinheiro e também para destruir as famílias, que muita gente ia se entregar ao jogo e o caos, então, se faria presente junto ao seio das famílias aqui do Brasil”, disse.
Dentro da cúpula de seu governo, no entanto, o tema virou uma das bandeiras de Machado e do ex-ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio.
Os dois manifestaram diversas vezes ser favoráveis ao modelo da LVS. A pauta foi defendida por Álvaro Antônio na emblemática reunião ministerial do dia 22 de abril – apontada pelo ex-ministro Sergio Moro como prova na investigação de suposta interferência de Bolsonaro na Polícia Federal. Na mesma ocasião, Guedes também defendeu a legalização do jogo.
“Pacto com o diabo!”, respondeu a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, a pastora Damares Alves, que também participava da reunião. Os evangélicos são tidos como o principal empecilho para o avanço da pauta no Congresso Nacional e também para o presidente ter assumido a bandeira abertamente.
De Las Vegas para o Brasil
Em janeiro do ano passado, Machado esteve em Las Vegas acompanhado dos senadores Flávio Bolsonaro e Irajá (PSD-TO) e do deputado federal Hélio Lopes (PSL-RJ), onde se reuniram com o então diretor de operações da LVS Rob Goldstein – nomeado presidente do grupo após a morte de Adelson. Nas redes sociais, Flávio Bolsonaro postou um curto vídeo do encontro e um texto em apoio à legalização dos resorts integrados:
“Nós visitamos vários resorts em Las Vegas. Foi uma viagem oficial, e nessa oportunidade nós pudemos conhecer o modelo americano, que é o modelo de Las Vegas”, contou Irajá à Pública. Segundo o senador, eles participaram também de reuniões com representantes de instituições públicas que fazem o controle e a fiscalização do jogo por lá.
A comitiva voltou para o Brasil com a missão de acelerar a legalização dos cassinos em resorts no país. Afinal, conforme relatou Flávio Bolsonaro, o grupo LVS estava disposto a investir cerca de US$ 15 bilhões ainda em 2020. “Basta fazermos nosso dever de casa”, escreveu o senador nas redes no dia 23 de janeiro.
A pandemia do coronavírus atrasou os planos, mas, em 9 de setembro do ano passado, Irajá apresentou um PL inspirado no modelo americano. “A gente foi lá [em Las Vegas] estudar o modelo americano, conhecer essa oportunidade ímpar, porque nessa ida, nessa viagem, nós aproveitamos muitas coisas que foram incorporadas no projeto quando nós chegamos aqui no Brasil. Junto com a equipe, nós conseguimos fazer um filtro daquilo que funciona lá, adaptado à realidade do país. Nós conseguimos aproveitar esses bons exemplos de lá para poder também absorver dentro da nossa realidade”, contou.
A proposta atende exatamente aos requisitos dos negócios de Adelson e traz mais detalhes do que a “Lei Sheldon Adelson”, de Azi. O novo PL, que recebeu o número 4.495/2020, permite resorts integrados em todo o território brasileiro “para a expansão do turismo no país”.
A elaboração do projeto contou com a participação do governo federal, de acordo com o senador. “A quatro mãos, com o Ministério do Turismo, com a Embratur, com o Ministério da Economia, nós criamos e desenvolvemos essa proposta, que é um modelo mais conservador em relação aos outros projetos que já foram apresentados no Congresso”, explicou. A reportagem entrou em contato com as duas pastas e com a autarquia para comentarem o assunto, mas não obteve retorno.
A matéria define resorts integrados como “complexos de turismo com operação de cassinos que conjugam instalações hoteleiras, centro de convenções, espaços para feiras, exposições, eventos corporativos, congressos e seminários, reuniões de incentivo, centros ecumênicos, além de diferentes opções de entretenimento e conveniência oferecidas ao visitante, tais como restaurantes, bares, spas, shopping center, galerias de arte, museus, teatros, campos de golfe, parques temáticos, aquáticos e outras opções”.
De acordo com o texto, o espaço físico ocupado pelo cassino dentro do resort integrado deverá corresponder a no máximo 10% da área total, e cada estado poderá ter apenas um empreendimento. A concessão, que será dada pela União, será de 35 anos, e a instalação de um segundo resort poderá ser autorizada em cada estado dez anos após a assinatura do contrato com o primeiro.
Os recursos arrecadados com o pagamento da outorga, conforme a proposta, “serão destinados exclusivamente à construção de habitações populares no respectivo estado onde ocorrer a concessão”. Os detalhes da proposta foram apresentados oficialmente a Machado em 18 de setembro pelo senador Irajá. A reunião contou com a presença de Eduardo Bolsonaro e do deputado Hélio Lopes.
O projeto foi defendido publicamente também por Flávio Bolsonaro em Manaus, durante o lançamento do Programa de Retomada da Atividade Turística do Amazonas, em 21 de setembro. “O senador Irajá apresentou um projeto para que exista a possibilidade da construção de resorts integrados com cassinos aqui no Brasil, com muitos critérios, com controle, com transparência, com fiscalização. E o que nós ouvimos em uma dessas viagens oficiais com o presidente da Embratur, Gilson, lá nos Estados Unidos, em Las Vegas especificamente, é que há um grande interesse de que esses grandes players do turismo invistam pesado nessa área, em especial em estados como Rio de Janeiro, São Paulo e Amazonas”, disse o senador.
Irajá negou à reportagem qualquer influência de Eduardo ou de Flávio Bolsonaro na construção do projeto, mas confirmou que eles são entusiastas da proposta. “O senador Flávio, ele pessoalmente tem se colocado sempre à disposição e inclusive participou desse encontro que nós tivemos em Las Vegas. Ele pôde conhecer, como eu também, o que funciona e o que não funciona, e a minha expectativa é que ele, obviamente, aprove o projeto e vote favorável. Agora, não há participação direta dele em relação ao desenvolvimento do projeto. Eu tenho que ser muito sincero com você em relação a isso. Se eu lhe dissesse o contrário, eu estaria mentindo”, observou o político. A reportagem entrou em contato com a assessoria de imprensa de Flávio, mas não obteve retorno. A Pública não conseguiu contato com Eduardo.
Questionado pela reportagem sobre o possível lobby de Adelson, por meio da Casa Branca, para a legalização dos cassinos no Brasil, o senador respondeu: “Eu não tenho autoridade e nem legitimidade para falar para o governo. A minha posição é de autor do projeto. Se houve alguma tratativa entre os dois presidentes, confesso que eu não sei. O que posso te assegurar é que o projeto está tendo uma boa aceitação aqui no Congresso, no mercado, na iniciativa privada, junto a essas instituições que participaram ativamente, que participaram da construção do projeto”, afirmou.
source https://apublica.org/2021/02/a-morte-de-um-lobby/
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