Este conteúdo foi publicado originalmente no GEDES (Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional)
por João Estevam dos Santos Filho, mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais ‘San Tiago Dantas’ (Unesp, Unicamp, PUC-SP)
Atualmente, o México é palco de cinco conflitos armados: primeiro, entre o Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) e o governo nacional; segundo, entre o Exército Popular Revolucionário (EPR) e o governo nacional; terceiro, entre os grupos de autodefesa e o governo nacional.
Além desses, o país também passa por conflitos entre as Forças Armadas e os cartéis de drogas, que têm gerado um número muito alto de mortos e feridos por todo o país e, por último, cabe ressaltar os grupos paramilitares que se formaram sobretudo no estado de Chiapas.
O primeiro dos conflitos citados, entre o Estado mexicano e o Exército Zapatista, iniciou-se em 1994 com a ocupação de seis cidades em Chiapas, com reivindicações de pautas sociais pelos zapatistas (educação, saúde, trabalho, terra, dentre outros). A maioria de seus integrantes são indígenas, provenientes de distintas etnias maias de Chiapas (HAAR, 2012a).
O cessar-fogo foi decretado pelo governo mexicano em 12 de janeiro de 1994, mas desde então vem se desenrolando o que muitos chamam de “guerra de baixa intensidade”, com episódios de ocupação militar pelo governo na chamada “zona de conflito” (municípios de Ocosingo, Altamirano y Las Margaritas e regiões adjuntas). Entre 1994 e 1996 o conflito produziu 155 mortes, mas nenhuma foi registrada desde então – o conflito entre o grupo insurgente e o governo persiste, mesmo sem enfrentamentos armados (UPSALA, 2019a).
As negociações entre o governo mexicano e o grupo zapatista resultaram na aprovação de uma Lei Indígena em 2001 que legitimava as ocupações zapatistas em determinadas localidades do território de Chiapas. A estrutura de governo criada pelo EZLN incluiu a criação de “municípios autônomos” e de Juntas de Bom Governo a partir de 2003 (HAAR, 2012b).
Até finais da década de 1990, o conflito entre o Estado mexicano e o Exército Zapatista podia ser considerado um “conflito de baixa intensidade”. Nesse sentido, o Exército mexicano reestruturou as suas tropas para utilizar unidades militares menores, com presença dispersa pelo território de Chiapas, para dissuadir novos surtos guerrilheiros. Além disso, a mídia também teve papel importante nesse tipo de conflito, uma vez que o governo utilizava as imagens mostradas na televisão para mobilizar a opinião pública a seu favor.
Também cabe ressaltar que, nesses confrontos, as Forças Armadas mexicanas também utilizavam métodos “ilegais”, como tortura, massacres a população civil, dentre outros (CISNEROS, 2015). Atualmente, o EZLN ainda mantém uma postura revolucionária contra o Estado mexicano tal qual encontra-se atualmente, mesmo após a vitória eleitoral do candidato de esquerda Andrés Manuel López Obrador, que venceu as eleições presidenciais de 2018.
O segundo conflito se dá entre o governo nacional mexicano e o grupo guerrilheiro denominado Exército Popular Revolucionário (EPR). O EPR surgiu em 1994, influenciado pelas ações do movimento zapatista, sendo constituído por um conjunto de 14 organizações guerrilheiras, com a fusão Partido Revolucionário Trabalhador Clandestino União do Povo (PROCUP, na sigla em espanhol), mas estes começaram a sair do grupo a partir de 2001.
O ponto de partida das ações do EPR foi o Massacre de Aguas Blancas, no qual 17 camponeses foram assassinados. Embora o conflito entre o EPR e governo tenham deixado um total de 53 mortos entre 1996 e 1998, não foram registradas mais mortes deste então – ainda que o EPR tenha seguido a realizar algumas ações armadas com pouca expressão, como, por exemplo, explosões de infraestruturas (LOFREDO, 2006).
O terceiro conflito existente no México expressa-se entre o governo e as autodefesas comunitárias. Estas surgiram a partir dos primeiros meses de 2013, tendo como ação inicial a tomada de armas de policiais pela Autodefesa de La Ruana. Algumas horas depois uma ação semelhante foi feita no município de Tepalcatepec e, alguns dias depois, em Buenavista Tomatlán.
A partir de novembro de 2013, o Conselho de Autodefesas decidiu expandir suas ações a outros municípios da região de Tierras Calientes. No final desse ano já tinham ocupado 17 municípios e em outros sete tinham uma presença periférica; ao passo que em janeiro de 2014 ocupavam 26 municípios e seguiram avançando. Dentre esses grupos, encontravam-se as Autodefesas de Michoacán, uma das principais e cujos enfrentamentos com grupos narcotraficantes gerou 66 mortes entre 2013 e 2015 (MANZO, 2015).
Diferentemente dos grupos guerrilheiros, o principal objetivo das autodefesas é combater as ações do grupo ligado ao crime organizado Los Cabelleros Templarios, cuja influência na região de Michoacán e outras áreas de Tierras Calientes é bastante intensa. Dessa forma, ao invés de se insurgirem contra o Estado mexicano, essas organizações buscavam muitas vezes ajudar as forças da Polícia Federal e do Exército na garantia da segurança de várias comunidades (sobretudo as periféricas).
Em inícios de 2014 uma grande parcela dos indivíduos ligados às Autodefesas de Michoacán foram desmobilizados e reincorporados nos Corpos de Defesa Rural – entretanto, alguns integrantes não entregaram as armas, por isso, muitas autodefesas continuam em operação (MANZO, 2015). Em 2019, foram registrados a presença de ao menos 50 grupos de autodefesa que operam nos estados de Guerrero, Michoacán, Veracruz, Morelos, Tamaulipas e Tabasco; desses, apenas seus se institucionalizaram, formando polícias comunitárias (que são reconhecidas legalmente).
É importante notar também que alguns desses grupos entram em confronto entre si por disputas territoriais e outros são suspeitos de se envolverem com organizações criminosas – ou até serem grupos de fachada para atividade de crime organizado.
O México também é palco de confronto entre as forças do Estado e de grupos paramilitares. Tais grupos foram criados entre 1994 e 1995, nos estados de Chiapas, Guerrero e Oaxaca, relacionado à emergência do EZLN e à falta de autonomia que passaram a ter elites locais, membros do Exército e da Polícia e políticos do Partido Revolucionário Institucional (PRI), que governou o país durante a maior parte do século XX.
Desse modo, esses grupos paramilitares surgiram com o propósito de combater o EZLN no estado de Chiapas, por meio de estratégias de contrainsurgência. Dentre os financiadores e apoiadores dos paramilitares encontram-se: grupos externos a Chiapas, membros do governo federal, grupos partidários do PRI a nível local e membros da força pública. Esses grupos também foram responsáveis por diversos crimes humanitários, incluindo a realização de massacres contra a população civil.
Apesar de esforços do governo federal (como no caso da administração de Vicente Fox) em combater esses grupos, eles ainda persistem e realizam confrontos com tropas públicas. Dentre eles, o principal é o intitulado “Desenvolvimento, Paz e Justiça” ou apenas “Paz e Justiça”, formado em 1995 (OLNEY, 2011).
Por fim, o conflito armado que mais tem feito vítimas nos anos recentes é o confronto entre as Forças Armadas (sobretudo o Exército) e os cartéis de drogas, presentes a nível nacional. Durante as décadas de 1980 e 1990, o México surgiu como rota de passagem das drogas – sobretudo cocaína – que era produzida nos países andinos (Colômbia, Peru e Bolívia, principalmente) em direção ao mercado norte-americano.
Com a militarização do combate ao narcotráfico, por parte dos Estados andinos, com a utilização das Forças Armadas no combate à produção e comercialização de entorpecentes e com a implementação de programas de interdição e fumigação aérea por parte do governo dos Estados Unidos, os grandes cartéis da Colômbia e dos demais países andinos passaram por um processo de declínio (ÁLVAREZ; LANDÍNEZ; NIETO, 2011).
Assim, a partir da década de 2000, os grupos narcotraficantes mexicanos, a princípio de “pequeno porte” passaram a ganhar importância e, dessa forma, crescer em recursos e poder. Desse modo, foram criados os grandes cartéis de drogas no território mexicano, os quais exportavam o produto para os Estados Unidos.
Esse crescimento também acabou gerando maior violência, com os confrontos entre as forças estatais e as dos cartéis, além de acabar por influenciar o poder público, corrompendo tanto políticos quanto membros da Polícia (ÁLVAREZ; LANDÍNEZ; NIETO, 2011).
O território mexicano encontra-se dividido em zonas de influência sob o domínio de oito cartéis: Cartel de Sinaloa, Cartel do Golfo, Los Zetas, Los Cabelleros Templarios, Jalisco Nueva Generación, Cartel de Juárez, Organização Béltrán-Leyva e La Familia Michoacana, sendo o maior deles o Cartel de Sinaloa, que atua nos estados fronteiriços de Chiahuahua e Baja California e controla entre 40% e 60% do tráfico de drogas do país. Seu líder anterior era o famoso traficante Joaquín “El Chapo”.
Entre 2006 e 2016, o conflito referente ao narcotráfico gerou cerca de 80.000 mortos. Além disso, mesmo atualmente o México passa por uma onda de violência que advém sobretudo de confrontos entre narcotraficantes e entre estes e as forças policiais e militares.
A partir de 2006, no governo de Felipe Calderón (2006-2012), o Estado mexicano passou a empregar as Forças Armadas, sobretudo o Exército, para combater o crime organizado no país, militarizando assim a segurança pública. Essa política também continuou durante o governo de Enrique Peña Nieto (2012-2018) e permanece até hoje, durante o governo de Manuel López Obrador (eleito em 2018).
Entretanto, essa estratégia de combate ao narcotráfico não tem gerado grandes resultados na resolução dos conflitos no país, o que levou ao atual governo prometer uma reversão dessa política, com a criação de uma Guarda Nacional para lidar com o narcotráfico e a imigração ilegal (BENÍTEZ, 2019). Apesar disso, a proposta de criação dessa Guarda Nacional ainda tem sido vista como uma forma de militarização da segurança pública mexicana, uma vez que o Exército ainda continua com grande voz e atuação nessa nova instituição.
Além disso, em 2007, os governos do México e dos Estados Unidos – sendo George W. Bush como presidente na época – implementaram um programa de assistência de segurança (com grandes componentes militares) para fazer frente ao narcotráfico e à imigração ilegal na fronteira sul do México com Guatemala e Belize.
Esse programa ficou conhecido como Iniciativa Mérida e esteve acoplada à política de segurança norte-americana denominada “guerra às drogas” e também à chamada “guerra ao terror”. Por meio dele foram transferidos equipamentos de defesa e treinamentos de unidades das Forças Armadas mexicanas para atuarem na área de segurança pública (TURBIVILLE JR., 2010).
Tendo em vista essas fontes de conflito, o que se pode perceber do México é que o Estado ainda enfrenta resistência de grupos armados que ameaçam o seu monopólio do uso da força coercitiva. Além disso, a grande fragmentação dessas ações armadas acabam tornando o seu enfrentamento uma tarefa difícil para as forças estatais.
Porém, mais do que isso, essa situação como um todo evidencia um cenário caracterizado pela existência de fraturas entre as elites locais e nacionais, a pouca atenção que é dada a questões sociais por parte das autoridades nacionais, estaduais e municipais, bem como às complexidades dos processos sociais no México, mesmo após a perda de hegemonia do PRI, no início do século XXI.
Além disso, também ressalta-se a importância da penetração norte-americana no Estado mexicano, incluindo (mas não somente) nas Forças Armadas do país, investindo em estratégias que se demonstraram falhas – como a militarização da segurança pública – e que servem aos interesses apenas de uma parcela da sociedade. Assim, os conflitos armados no México são fruto dos problemas sociais, econômicos e políticos por que tem passado o país, principalmente a partir do final da Guerra Fria.
Referências
ÁLVAREZ Gómez, Christian; LANDÍNEZ Aceros, Jaime; NIETO Rojas, Johanna. Drogas y narcotráfico en México: percepción de amenaza y construcción del enemigo. In: VARGAS Velásquez, Alejo. Fuerzas Armadas en la política antidrogas: bolivia, colombia y méxico. Bolivia, Colombia y México. Bogotá: Universidad Nacional de Colombia, 2011. p. 137-170.
BENÍTEZ Manaut, Raúl. México 2012-2018: las fuerzas armadas y el combate al crimen organizado. In: SAMPÓ, Carolina; ALDA, Sonia. La transformación de las Fuerzas Armadas en América Latina ante el crimen organizado. Lima: Centro de Estudios Estratégicos, 2019. p. 189-206.
CISNEROS, Leandro Marcelo. A guerra de baixa intensidade contras as comunidades zapatistas de Chiapas-México. Revista Percursos, Brusque, v. 16, n. 32, p. 58-84, set. 2015.
HAAR, Gemma van Der. El movimiento zapatista de Chiapas: dimensiones de su lucha. International Institute Of Social History, Amsterdã, p.1-24, 2012a.
______. El movimiento zapatista de Chiapas: dimensiones de su lucha. International Institute Of Social History, Amsterdã, p.1-24, 2012b.
LOFREDO, Jorge. La otra guerrilla mexicana: Aproximaciones al estudio del Ejército Popular Revolucionario. Desacatos, Cidade do México, v. 1, n. 22, p.229-246, 2006.
______. La otra guerrilla mexicana: Aproximaciones al estudio del Ejército Popular Revolucionario. Desacatos, Cidade do México, v. 1, n. 22, p.229-246, 2006.
MANZO, Enrique Guerra. Las autodefensas de Michoacán: Movimiento social, paramilitarismo y neocaciquismo. Política y Cultura, Cidade do México, v. 1, n. 44, p.7-31, 2015.
OLNEY, Patricia. La proliferación de los grupos paramilitares en el sur de México: ¿estrategia de estado o batalla entre élites políticas locales?. Desafíos, Bogotá, v. 23, n. 2, p. 83-121, jul. 2011.
TURBIVILLE, Graham H.. U.S. military engagement with Mexico: Uneasy past and challeging future. Florida: JSOU Press, 2010.
UPSALA (Suécia). Uppsala Conflict Data Program: Mexico. 2019. Disponível em: <https://ucdp.uu.se/#country/70>. Acesso em: 11 ago. 2019a.
______. Uppsala Conflict Data Program: Mexico. 2019. Disponível em: <https://ucdp.uu.se/#country/70>. Acesso em: 11 ago. 2019b.
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