Em 2020, 100 milhões de pessoas viveram crises alimentares graves – ou seja, fome – em todo o continente africano. O salto no ano passado, ante 2019, foi de 60%. E a situação deve piorar em 2021, avalia o think tank Africa Center for Strategic Studies, em Washington (EUA).
O Mali lidera essa escalada, com um aumento de 1.033% nos últimos dois anos. De 600 mil pessoas em 2019, hoje 6,8 milhões de malineses não tem o suficiente para comer. Na sequência vem o vizinho Chade, com 883% de alta e hoje 5,9 milhões com fome.
O principal motivo que leva à fome é a guerra, além de desastres naturais e má gestão econômica, aponta o estudo. Por esses motivos, no final de 2020 havia ao menos quatro regiões no continente onde o risco de crise alimentar grave é acentuado.
Fome pela guerra
Na África Ocidental, a crise ocorre sobretudo na tríplice fronteira entre Mali, Níger e Burkina Faso. A região foi tomada por extremistas islâmicos e registrou um aumento de 44% nos ataques, além da fuga de 1,7 milhão de pessoas.
Também figuram nesse mapa da fome duas das maiores economias do continente: Nigéria e Camarões, que têm focos de conflito grave em seus territórios.
No caso nigeriano, a insurgência extremista que tem ganhado espaço no norte do país já deixou quatro milhões em situação de insegurança alimentar grave.
Em Camarões, a violência tem origem sectária. A maioria dos 4,9 milhões que passam fome neste momento no país vivem na porção anglófona do país e exigem a independência do governo central, francófono.
É também na África Ocidental que, estima-se, a escalada da fome será maior em 2021. Até agosto, ou 23,6 milhões – ou 8,6% da população regional – pode ser afetada, segundo a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura).
Mudanças climáticas
Na porção oriental, o epicentro é o Chifre da África, entre Somália e Etiópia. Em território etíope, as informações são desencontradas desde o início do conflito entre lideranças do povo tigré e do governo federal, em novembro de 2020. Jornalistas e observadores foram impedidos de acessar a região.
Já na Somália, tempestades de gafanhotos com centenas de milhões de insetos – as piores em décadas – ameaçam gerar uma disparada da fome. A invasão também afeta países próximos, como Quênia, Djibuti e Eritreia.
Na porção central da África, os epicentros da fome são a República Democrática do Congo, o Sudão, o Sudão do Sul e a República Centro-Africana. Em todos os casos, conflitos interétnicos domésticos são os principais catalisadores da crise.
No leste da República Democrática do Congo, onde a guerra gerou o maior contingente de deslocados na África, de cinco milhões, agora tem milhares de pessoas presas na fronteira, tentando migrar para a vizinha Uganda.
Mais ao sul, Moçambique também registrou forte aumento na população sem acesso a alimentos básicos. Além dos avanços da insurgência extremista em Cabo Delgado, no norte do país, é um dos países africanos com maior exposição a problemas climáticos como secas e ciclones, segundo dados da ONU (Organização das Nações Unidas).
Caos econômico
Já o Zimbábue, além de Sudão e Sudão do Sul, vivem um cenário de fome também gerado pela má gestão macroeconômica. Os três países têm moedas entre as mais desvalorizadas do mundo e altíssima inflação.
Os zimbabuanos, que já conviveram com taxas anuais de oito dígitos, fecharam 2020 com uma inflação de “apenas” 622%.
As restrições de mobilidade após o início da pandemia, em uma país onde a força de trabalho formal é quase inexistente, fizeram a fome saltar de 3,6 milhões para seis milhões – alta de 72%.
Os sudaneses e sul-sudaneses, por sua vez, reconstroem seus países após a ditadura de Omar al-Bashir (1989-2019), conflitos interétnicos e a divisão de um país em dois, sacramentada com a criação do Sudão do Sul em 2011.
No Sudão, o aumento do número de pessoas sem acesso a alimentos suficientes foi de 63%, de 5,9 milhões para 9,6 milhões. Entre os sul-sudaneses, são 6,5 milhões vivendo sob insegurança alimentar – ou 55% da população do país.
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