O governo de Donald Trump termina com violência, incitação de golpe, redes sociais bloqueadas, mais de 50 presos e quatro mortes. Cenas consideradas impensáveis até esta quarta (6) chocaram o mundo após apoiadores do presidente, que deixa o cargo no próximo dia 20, invadirem o Capitólio dos EUA, em Washington.
Horas depois do assalto, porém, o Congresso norte-americano certificou Joe Biden como o 46º presidente dos EUA. O anúncio ocorreu por volta das 4h (6h no horário de Brasília), confirmou a agência de notícias Reuters.
A horda que invadiu o Capitólio e a recusa de Trump de condenar a barbárie na capital norte-americana tinham como objetivo impedir a certificação do eleito em 4 de novembro, o democrata Joe Biden.
Desde o pleito, o presidente derrotado nas urnas alimenta falsas alegações de fraude eleitoral – rejeitadas pelo Judiciário norte-americano.
Twitter, Facebook e YouTube chegaram a suspender as contas de Trump temporariamente depois que o presidente incitou as manobras pouco republicanas por parte de seus apoiadores. “Donald Trump desencadeou esses ataques”, diz o editorial do “The New York Times”.
Para o diário norte-americano, foi o próprio presidente quem convocou seus apoiadores a “lutarem” em Washington nesta quarta-feira. O jornal se refere à gravação em que Trump pede que todos voltem para suas casas – apesar de afirmar, novamente sem provas, que a eleição foi roubada.
“Foi a atuação de um homem que não deseja cumprir seus deveres de presidente ou enfrentar as consequências de seu próprio comportamento”, escreveram os editorialistas.
Horas mais tarde, o presidente lançou outra nota em que declarou que a transição seguirá a ordem. “Embora eu discorde totalmente do resultado da eleição, haverá uma transição ordenada em 20 de janeiro”, disse.
Aliados manifestam preocupação
As cenas chocantes já são comparadas com a invasão dos britânicos ao Capitólio durante a guerra de 1812. À época, os rivais incendiaram o prédio. Desta vez, no entanto, os insurgentes vandalizaram a estrutura de alguns dos gabinetes, como o da presidente da Câmara, a democrata Nancy Pelosi.
Televisionada, a violência no Capitólio dos EUA chegou rapidamente a aliados e adversários do mundo todo – movimento que mina a estabilidade dos EUA como “democracia intocável”.
Aliados de Trump, como Boris Johnson, primeiro-ministro do Reino Unido, repudiaram a postura do norte-americano diante dos ataques. “Cenas vergonhosas”, tuitou Johnson.
O primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, também pediu por uma transição ordeira. “A transferência de poder ordenada e pacífica deve continuar. O processo democrático não pode ser subvertido por meio de protestos ilegais”, escreveu.
Até mesmo Benjamin Netanyahu, chefe de Estado de Israel e um dos principais aliados de Trump, repudiou a ação. “O tumulto no Capitólio foi um ato vergonhoso. Não tenho dúvidas de que a democracia americana prevalecerá como sempre prevaleceu”, disse.
Além de Netanyahu, outros parlamentares israelenses condenaram os ataques. Até a manhã desta quinta-feira, a maioria dos senadores e quase todos os deputados de Israel haviam condenado a violência publicamente, apontou o diário “Haaretz”.
Muitos deles denunciavam “polarização e extremismo”, já que diversos manifestantes foram flagrados empunhando símbolos nazistas em bandeiras e camisetas. “Isso serve como um lembrete dos perigos da radicalização”, escreveu o líder do partido New Hope, Gideon Sa’ar.
Altos funcionários da ONU (Organização das Nações Unidas), como o secretário-geral, António Guterres, e o presidente da Assembleia Geral, Volkan Bozkir, também repudiaram a violência.
Doses de ironia
Algumas autoridades chinesas reagiram com ironia aos conflitos em Washington. Nesta quinta-feira, um porta-voz do Ministério de Relações Exteriores chinês comparou os protestos nos EUA aos movimentos pró-democracia de 2019 em Hong Kong.
“Quando coisas semelhantes aconteceram em Hong Kong, alguns americanos e a mídia dos EUA reagiram de maneira diferente”, disse Hua Chunying. O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, emitiu uma nota na qual expressava “preocupação” à violência no Congresso dos EUA.
“A Venezuela condena a polarização política e aspira que o povo americano possa abrir um novo caminho em direção à estabilidade e justiça social”, disse o comunicado divulgado pelo chanceler Jorge Arreaza.
Já as agências estatais da Rússia noticiaram o ocorrido sem entrar em detalhes. O Kremlin não se pronunciou até às 10h desta quinta (6), mas a televisão estatal ofereceu uma extensa cobertura com imagens da violência acompanhada de dramática trilha sonora instrumental, informou o “The New York Times“.
Quem são os agressores
A polícia de Washington recuperou duas bombas na sede dos comitês nacionais republicano e democrata, além de um refrigerador em um veículo que guardava coquetéis molotov.
A suspeita é que os equipamentos seriam usados por membros de grupos de extrema-direita, como os Proud Boys, apurou o britânico “The Telegraph”, jornal historicamente conservador. A organização neofascista admite apenas homens como membros nos EUA e Canadá.
A multidão que invadiu o Capitólio dos EUA também reunia outros grupos menores neonazistas e de supremacia branca. A polícia ainda identificou um dos principais promotores da teoria da conspiração QAnon.
No mesmo dia, fóruns online de apoiadores do Trump disparavam mensagens otimistas. No Twitter, ativistas de direita subiram a hashtag #civilwar aos assuntos mais comentados da rede.
Biden, ao se pronunciar sobre as cenas de destruição no Capitólio dos EUA, culpou Trump pela insurreição. “Na melhor das hipóteses, as palavras de um presidente podem inspirar. Na pior, podem incitar”.
“Os acontecimentos soam como um despacho de algum correspondente estrangeiro em uma terra infeliz”, apontou um editorial do “Wall Street Journal”. “Em vez disso, foi o presente de despedida do presidente Trump para Washington, e para o país, por negar-lhe um segundo mandato”.
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