Depois de um 2020 de múltiplas crises no espaço pós-soviético, a Rússia terá como desafio neste ano manter sua esfera de influência usando menos recursos. A avaliação é de Matthew Luxmoore, repórter da Radio Free Europe em Moscou.
A palavra de ordem será pragmatismo, afirma. À RFE, o ex-assessor do Kremlin Fyodor Lukyanov fala em uma “transformação pós-imperial”. Agora, a Rússia estaria em fase de “reavaliação de suas prioridades geopolíticas e de instrumentos disponíveis para alcançá-las”, dizem analistas.
A partir do colapso da União Soviética, sacramentado em 1991, a Rússia assumiu a dianteira nas questões em países no espaço pós-soviético, visando a proteção de seus interesses.
Esse período teve seu auge no período entre a invasão da Geórgia, em 2008, e o conflito na Ucrânia, iniciado em 2014.
Há seis anos, Moscou financiou combatentes pró-Kremlin no leste ucraniano e tomou de forma unilateral a península da Crimeia, desde os anos 1950 nas mãos de Kiev.
Aquele momento foi o auge da política russa de interferência no bloco pós-soviético se houvesse a percepção de que os interesses do governo de Vladimir Putin estivessem sendo violados.
Em público, porém, Putin defendia que cada país deveria solucionar suas questões internas por conta própria.
Tempestade perfeita
O jogo virou de vez no segundo semestre de 2020. Além de um cenário interno de pandemia de Covid-19, baixo preço do petróleo e forte desvalorização do rublo, o presidente russo viu o surgimento de múltiplas crises no exterior, mas em seu entorno.
Em agosto, houve a eleição considerada ilegítima de Aleksander Lukashenko em Belarus. Presidente desde 1994, o belorusso precisou do apoio de Moscou para conter ao menos parte dos protestos que tomaram as principais cidades do país desde então.
Já em setembro, o epicentro da crise era a fronteira entre as ex-repúblicas soviética do Azerbaijão, aliado da Turquia, e da Armênia. O embate pela região de Nagorno-Kharabakh, etnicamente armênia em território azeri, logo virou conflito armado e terminou com vitória de azeris e turcos.
Em outubro, o foco se deslocou para a Ásia Central. No Quirguistão, a população foi às ruas na capital Bishkek e derrubou o presidente pró-Rússia Sooronbay Jeenbekov.
Em novembro, foi a vez da Moldávia, pequeno país na Europa oriental. O catalisador foi eleição da presidente Maia Sandu, que tem abertamente uma posição pró-UE (União Europeia) e defende o afastamento gradual do país com o ambiente pós-soviético.
A opinião dos analistas consultados pela reportagem é a de que a postura “menos assertiva”, distinta da Rússia impositiva do passado, seria ocasionadas por limitações financeiras que devem permanecer ao menos em médio prazo.
“Para a Rússia, 30 anos depois do fim da URSS, todos são Estados estrangeiros. Emoções são separadas da política. Não há ligação especial com ninguém, e não há descontos”, analisou Dmitry Trenin, que dirige o think tank Carnegie Moscow Center, na capital russa.
Integração interrompida
Uma das mais robustas tentativas de manutenção de uma ordem pró-Rússia nos países que a cercam também não deu certo. A chamada União Econômica Eurasiática, de 2014, prometia rivalizar com a União Europeia e reunir mais de 200 milhões em toda a antiga URSS.
A ideia não foi adiante: nem a Rússia quis bancar financeiramente a união, nem as ex-repúblicas soviéticas. Os antigos Estados satélites demonstraram insatisfação com os “motivos políticos” que cercaram a criação do bloco. Hoje, desidratada, a UEE reúne Quirguistão, Cazaquistão, Armênia e Belarus.
Os quatro países que aderiram ao bloco têm importância fundamental para os interesses geopolíticos russos, mas em Belarus há um sinal vermelho já em curto prazo. O plano de uma união entre russos e belarussos, povos ligados por laços culturais e históricos seculares, também não deu certo.
Já a revolta nacional que tomou o país em agosto, se bem sucedida, pode indicar problemas para uma eventual reeleição de Putin no pleito marcado para 2024.
Os dois Estados compartilham sistemas parecidos: presidencialismo de poder superconcentrado, com baixa tolerância à oposição e constante narrativa desconfiança do Ocidente para a população.
Outro analista com passagem pelo Kremlin, Abbas Gallyamov, vê paralelos entre os dois países. “Lukashenko age da mesma forma que Putin em diversas situações. Se o levante em Belarus foi possível, não é possível descartar uma revolta russa em 2024”.
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