Com a eleição de Joe Biden para a Presidência dos EUA, confirmada no último sábado (7), a expectativa é a de uma guinada rápida e brusca para as relações norte-americanas com o exterior. Espera-se rejeição da maioria dos pontos de vista esposados pelo governo Trump, que termina em janeiro.
O presidente eleito já afirmou que tentará recompor laços com parceiros históricos, como a Alemanha, com quem o diálogo anda estremecido. Também espera-se que um maior endurecimento com autocracias como a Rússia, que Biden classificou como a “maior ameaça à segurança dos EUA”.
No front iraniano, há expectativa pela retomada dos acordos anti-nucleares de 2015, abandonados pelo governo Trump três anos depois. Parte da equipe que assumirá a Secretaria de Estado em 2021 é a que negociou o entendimento – ainda no governo Obama, de quem Biden foi vice.
Em artigo de março deste ano à tradicional revista “Foreign Affairs“, o então candidato esquadrinhou as linhas-mestras de sua política externa, baseada no multilateralismo e em maior cooperação nas relações dos EUA.
O presidente eleito também prometeu uma “Cúpula da Democracia” com países alinhados, para seu primeiro ano no mandato. Entre os objetivos estariam “combater a corrupção, defender-nos contra o autoritarismo e avançar os direitos humanos”, afirmou.
Mas as relações dos EUA com outras nações deve ser pautada pela reorganização no primeiro ano de governo, argumenta o repórter Todd Prince, da Radio Free Europe. Isso porque a situação doméstica, em meio à crise econômica, polarização política e mais de 200 mil mortes pelo novo coronavírus, é tudo menos confortável para o democrata.
Com tantos desafios, a definição de uma política externa no governo Biden e as mudanças nas relações dos EUA com o resto do mundo devem demorar alguns meses para serem efetivadas. Saiba o que os analistas esperam, em linhas gerais, na administração democrata.
Rússia
A política do presidente eleito quanto à Rússia deve ser mais belicosa que a de seu antecessor. Biden apoiou o bloqueio ao gasoduto Nordstream 2, que abasteceria a Alemanha de gás natural russo.
A instalação aumentaria a dependência germânica do hidrocarboneto vindo da Rússia e removeria fonte importante de receita do governo ucraniano, que depende de dutos que passam pelo seu território .
Sobre Kiev, Biden já sinalizou ser favorável à integração do país com a UE (União Europeia) – para Moscou, a Ucrânia é a joia da coroa de sua área de influência no espaço pós-soviético e país com quem divide matrizes culturais centenárias.
Antes e depois de seu período na vice-presidência, Biden já havia feito críticas ao presidente russo, Vladimir Putin. Também rejeitou a ideia de reincorporar o país ao G7, grupo das sete maiores nações, de onde Moscou foi suspensa em 2014 após anexar a península da Crimeia.
No artigo, Biden defendeu a imposição de “custos reais sobre a Rússia por suas violações de normas internacionais” e a defesa da “sociedade civil russa, que se levantou bravamente contra o sistema cleptocrático e autoritário de Vladimir Putin”.
Irã e Oriente Médio
Se o governo dos aiatolás obedecer os termos do acordo JCPOA (Plano de Ação Conjunto Global), assinado em 2015, Biden deve retomar o entendimento com Teerã.
Nesta quarta (10), a Aiea (Agência Internacional de Energia Atômica) informou que o Irã tinha estoques de urânio 12 vezes maiores que o permitido pelo acordo, abandonado em 2018 pelos EUA.
A meta do novo governo é conter o avanço nuclear o país e as questões de graves violações de direitos humanos. Entre elas, a prisão de cidadãos de países língua inglesa, policiamento de costumes e banimento da oposição.
O presidente eleito, cujo histórico de décadas em Washington é o de um político pró-Israel, deve se distanciar das demandas de Tel Aviv pela ocupação de partes da Cisjordânia.
O motivo seria não encorajar demandas expansionistas de outros países, como a Índia com a Caxemira, a Rússia com a Crimeia ou a Turquia, com o norte de Chipre e porções do norte da Síria.
Os EUA, afirma o ex-vice-presidente, também agiriam para conter investidas iranianas que desestabilizem nações vizinhas, como o conflito no Iêmen, cujos lados são financiados um pelo Irã, outro pela Arábia Saudita.
Já a relação com a Arábia Saudita, excepcional durante o governo Trump, também deve ser revista. Em 2019, o então ex-vice-presidente chamou o governo de Riad de “pária” por conta do assassinato do jornalista Jamal Khashoggi no consulado saudita em Istambul, na Turquia.
Para David Gardner, do jornal britânico “Financial Times“, é de se esperar que o péssimo histórico de direitos humanos dos sauditas, além do imbróglio de cinco anos no Iêmen, ensejem reavaliação da política dos EUA para o país.
Índia
Em um ambiente onde a desconfiança com a China tem crescido, a Índia é um parceiro cada vez mais fundamental para os norte-americanos. Independente de quem esteja no governo, a manutenção de relações positivas dos EUA com Nova Délhi é importante em longo prazo.
O país é um “aliado natural”, afirmou Biden em um evento promovido pela casa de investimento Beacon Capital Partners, de Boston (EUA), em julho deste ano.
O ministro das Relações Exteriores da Índia, S Jaishankar, fez avaliação parecida em declaração ao jornal “Hindustan Times” em setembro.
“Se olharmos para os últimos quatro presidentes dos EUA, dois republicanos e dois democratas, um é muito diferente do outro. Ainda assim, cada um deles avançou o relacionamento com a Índia“, afirmou.
Com uma política externa mais preocupada em estreitar ou recompor laços com aliados históricos, a Índia deve ser uma força útil do pontos de vista diplomático e de segurança para contrabalançar o poder chinês na Ásia.
Já para Nova Délhi, um alinhamento do governo de Narendra Modi com o novo presidente auxilia o país em demandas como a disputa territorial com os chineses na fronteira norte do país.
A região, no estado indiano de Ladakh e aos pés do Himalaia, foi o palco do pior momento das relações bilaterais sino-indianas em cerca de 60 anos.
Os indianos também podem se beneficiar do aumento das cotas para vistos H-1B, destinados a profissionais que permanecerão nos EUA em longo prazo para trabalhar em empresas locais.
Neste ano, o atual governo, de Donald Trump, mudou as regras para concessão de permissões de residência do tipo. Entre as exigências estão uma faixa de salários mais alta, diminuindo a chance de profissionais recém-formados, e concessões mais curtas.
África
O maior desafio geopolítico de Biden no continente africano será conter o avanço chinês na região. Beijing têm investido pesado em parcerias com governos locais em projetos de infraestrutura, sem cobrar adesão a princípios da democracia liberal.
No artigo da “Foreign Policy”, Biden menciona a África apenas ao afirmar que é preciso “fazer mais para integrar” as nações da região “a uma rede maior de democracias e aproveitar oportunidades de cooperação”.
A omissão não é acidental. Além de poucas nações-chave, como a África do Sul ou a Nigéria, os EUA veem o continente mais como um ator secundário inserido em outros interesses de política externa do que como uma região que de fato mereça um olhar mais individualizado.
Essa diretriz informal é antiga, e funciona para observar a relação de Washington com a África em governos republicanos e democratas desde meados do governo Clinton (1993-2001).
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