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quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Prisão de ativista de ‘Hotel Ruanda’ expõe contradições de um governo autoritário

Paul Rusesabagina, ativista que inspirou o filme “Hotel Ruanda”, de 2004, voltou ao noticiário no último dia 31. Foi quando sua prisão, sob ordem do presidente ruandês, Paul Kagame, foi divulgada como uma “vitória” para o governo em Kigali.

A relação entre os dois, no entanto não é apenas a de meros oponentes. O caso evidencia as contradições de um país, que nos últimos 20 anos viveu uma paz tênue, forjada nas cinzas de um genocídio e de um governo ora considerado autoritário, ora celebrado pelas potências ocidentais.

Indicado ao Oscar em 2004, o longa conta a história de Rusesabagina, então gerente de um hotel. Durante a perseguição da etnia hutu contra os tutsis, em 1994, o homem foi capaz de salvar a vida de mais de mil ruandeses.

Prisão de ativista de 'Hotel Ruanda' expõe contradições de um país autoritário
Paul Rusesabagina em palestra à comunidade acadêmica da Universidade de Michigan, em março de 2014, no aniversário dos 20 anos do Genocídio de Ruanda (Foto: Gerald R. Ford School of Public Policy University of Michigan)

Rusesabagina, filho de pai hutu e mãe tutsi, vivia na Bélgica até sua prisão. Para apoiadores, a prisão é uma retaliação do presidente Kagame, no poder há 20 anos, contra um dos mais célebres críticos de seu governo.

Quem é Paul Kagame

De etnia tutsi, Paul Kagame cresceu em um campo de refugiados em Uganda e estava entre os milhares que buscaram abrigo na guerra civil promovida pelo governo hutu entre 1990 e 1994.

À época, comandou a milícia conhecida como Frente Patriota de Ruanda, responsável por encerrar a ofensiva dos oponentes. Assim, surgiu como uma força política poderosa, vice do então presidente Pasteur Bizimungu.

Por muitos anos, Kagame levou o crédito pela estabilidade econômica e por políticas de desenvolvimento do país. Logo Ruanda passou a figurar as listas de nações com crescimento mais rápido na África, como detalhou o portal Quartz Africa, em janeiro.

Prisão de Rusesabagina, ativista de 'Hotel Ruanda', expõe complexidade do país
O presidente de Ruanda, Paul Kagame, durante a Conferência de Londres de Planejamento Familiar, em julho de 2012 (Foto: Russell Watkins)

Em 2019, o Banco Mundial destacou o país como o 29º melhor lugar entre 190 para fazer negócios no mundo.

Ao mesmo tempo, reforçada a sistemática perseguição à dissidência. Desde que assumiu o poder, grupos de direitos humanos como o Human Rights Watch relatam assassinatos políticos, desaparecimentos forçados, prisões arbitrárias e tortura àqueles que ousam criticar o governo.

Perseguição a oponentes

É neste contexto que Kagame investe contra Rusesabagina. O dissidente, que tem cidadania belga, tornou-se a mais notória voz contra os abusos de poder do governo ruandês.

O homem que salvou mais de mil pessoas durante o genocídio passou seus três primeiros dias na prisão com os olhos vendados e os pulsos e os tornozelos amarrados. Segundo o Judiciário ruandês, Rusesabagina não tem direito a defesa nem data de julgamento agendada.

Ainda que Ruanda seja, em alguns aspectos, considerada avançada – o país foi o primeiro a proibir todos os plásticos descartáveis no continente e 60% do Parlamento é composto por mulheres –, o governo ainda investe na perseguição de oponentes e na violência como medida de controle.

Nas últimas eleições, em 2017, Kagame foi reeleito com 99% dos votos. Nos pleitos de 2003 e 2010, o presidente ruandês também alegou ter vencido e sempre com vantagem superior a 90% ante seus “adversários”.

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