A polícia do Estado indiano de Kerala pediu ao governo local que proíba a circulação de uma obra muçulmana escrita em árabe no início do século XV. Popularmente chamado de “livro dos jihadistas”, o texto é visto pelas autoridades como capaz de influenciar na formação de extremistas, segundo informações da emissora News 18.
“O livro inspira jovens com forte inclinação religiosa a ingressar em organizações terroristas“, diz a polícia de Kerala.
O título integral da obra, escrita em 1411, é Mashari Al-Ashwaq ila Masari al-Ushaaq wa Muththeer Al-Gharaam Ila Daar As-Salaam, que em tradução literal significa “orientação para aqueles que se dedicam ao esforço de seguir o sagrado caminho rumo ao paraíso”.
O livro foi escrito por Abu Zakaryya al Dimashqi al Dumyati, também conhecido por Ibn Nuhaas. O autor nasceu onde hoje fica Damasco, na Síria, e foi morto pelos católicos no Egito. A obra permaneceu esquecida durante séculos após ter sido escrita, até que retomou a popularidade no início do século XX.
“O livro inclui inúmeras invocações e passagens citadas ou extraídas diretamente do Alcorão pedindo a destruição dos descrentes, o que pode, resumidamente, definir a Jihad como um dever de matar todos os que se recusam a aceitar o governo do Islã”, diz Mahmoud Ali Hamad, professor de Língua e Cultura Árabe da Universidade de Brighton, na Inglaterra.
Diante da solicitação das forças de segurança, o governo estadual formou um comitê com três membros, chefiado pelo diretor do departamento de relações públicas, para avaliar o conteúdo da obra e tomar uma decisão.
Por que isso importa?
A divisão entre muçulmanos e hindus é histórica na Índia. No país, os muçulmanos são vítimas de preconceito, preteridos em empregos e alvos de todo tipo de barreira para alcançar a independência econômica e social. O Hinduísmo é a religião de 80,5% da população do país, contra 13,4% do Islamismo e 2,3% do Cristianismo.
A polarização religiosa é reflexo de um conflito que dividiu em três a antiga colônia britânica no subcontinente indiano, ainda no final dos anos 1940. A Índia, de maioria hinduísta, está no centro, cercada no leste e no oeste por duas nações de fé islâmica, Bangladesh e Paquistão, respectivamente.
O extremismo muçulmano, por parte de grupos jihadistas em todo o mundo, só faz aumentar o preconceito contra os seguidores da fé muçulmana na Índia.
Devido ao conflito, diversos Estados da Índia estabeleceram, no final de 2020, leis que criminalizam o casamento entre pessoas de religiões diferentes. A Lei Especial do Casamento exige um período de aviso prévio de 30 dias para casais inter-religiosos.
Alguns Estados sob o domínio do Partido Bharatiya Janata (BJP), do primeiro-ministro Narendra Modi, tomaram medidas adicionais. Eles introduziram leis que proíbem a “conversão ilegal”, a fim de impedir que hindus mudem de religião para se casarem com pessoas de outras fés.
O choque entre as fés influenciou até no controle da pandemia. Quando surgiram os primeiros casos de Covid-19 na Índia, uma teoria da conspiração se espalhou rapidamente. Era um processo de desinformação em massa chamado de “coronajihad”, que vinculava os muçulmanos ao até então desconhecido novo coronavírus.
A situação bastou para inflar a tensão entre muçulmanos e hindus em todo o território indiano. Não demorou muito para que islâmicos fossem espancados ou tivessem leitos hospitalares negados, enquanto trabalhadores da saúde eram rejeitados nos hospitais lotados e carentes de profissionais.
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