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sexta-feira, 19 de novembro de 2021

Xi mostra desconexão com suas atitudes e coloca China como defensora da paz global

A beligerância da China, evidenciada nos últimos meses pelas frequentes incursões aéreas em Taiwan, acendeu a luz de alerta no Ocidente. Inclusive, levou o presidente norte-americano Joe Biden a afirmar que “não está buscando uma nova guerra fria”. Enquanto Beijing trabalha para aumentar a temperatura do caldeirão geopolítico global, as palavras do líder chinês Xi Jinping mostram desconexão com suas atitudes. Isso ficou claro no discurso que celebrou os 50 anos do retorno do país à ONU (Organização das Nações Unidas), na segunda-feira (15).

O presidente chinês adotou um tom conciliador, incompatível com as recentes ações militares e mesmo com as habituais declarações ameaçadoras de seu governo. “No interesse da paz, precisamos promover um senso aguçado de uma comunidade global de futuro compartilhado”, disse Xi, que ainda destacou “a nobre missão de defender a paz mundial” que cabe ao exército chinês.

Xi reforçou o tom pacifista em outro trecho do discurso. “Preconceito, discriminação, ódio e guerra só podem causar desastres e sofrimento, enquanto o respeito mútuo, a igualdade, o desenvolvimento pacífico e a prosperidade comum representam o caminho certo a seguir”.

Xi Jinping no discurso do centenário do Partido Comunista Chinês (Foto: divulgação/cpc.people.com.cn)

As palavras não acompanham as recentes ações de Beijing, como o envio de uma patrulha pronta para combate ao Estreito de Taiwan, na semana passada, em resposta à visita de um grupo de legisladores norte-americanos à ilha autogovernada que a China considera parte de seu território. Na ocasião, o porta-voz do exército chinês afirmou que a movimentação era uma resposta a palavras e ações “seriamente incorretas” de “países relevantes”, bem como a atividades pró-independência de Taiwan.

O próprio Xi, em julho deste ano, teve comportamento antagônico em relação ao discurso. Na ocasião, ele disse que aqueles que atrapalharem a ascensão da China teriam suas “cabeças esmagadas contra uma Grande Muralha de aço”, segundo artigo publicado recentemente no site The Atlantic

No texto, os pesquisadores Michael Beckley e Hal Brands indicam que o ideal é se ater às ações, não às palavras. “Beijing é uma potência revanchista notavelmente ambiciosa, determinada a tornar a China inteira novamente, ‘reunindo’ Taiwan com o continente, transformando os mares do leste e do sul da China em lagos chineses e conquistando a primazia regional como um trampolim para o poder global”.

Exatamente o oposto do que o presidente chinês afirmou no discurso. “Por mais forte que possa se tornar, a China nunca buscará hegemonia ou expansão. Nunca infligirá seu sofrimento passado a qualquer outra nação. O povo chinês está decidido a buscar relações amigáveis com todos os outros países”.

Na visão dos dois analistas, basta olhar para trás e enxergar a incoerência das palavras de Xi. “O registro histórico desde a fundação da República Popular da China (RPC), em 1949, é claro: quando confrontada por uma ameaça crescente aos seus interesses geopolíticos, Beijing não espera ser atacada; atira primeiro para obter a vantagem da surpresa”.

Segundo André Luís Woloszyn, analista de assuntos estratégicos, de fato existe um processo de expansão de influência por parte de Beijing. E ele é belicista. “O que a China vem fazendo, especialmente na última década, como estratégia para projetar seus objetivos nacionais e influência política, é utilizar da coação mediante demonstração da força militar, na tentativa de inibir futuras dissidências. Trata-se de uma das táticas da Arte da Guerra de Sun Tzu”, disse ele em contato com A Referência.

Woloszyn, porém, acredita que isso não significa necessariamente uma guerra. E destaca outras armas igualmente eficientes de Beijing para atingir seus objetivos. “É pouco provável que [a China] deseje se envolver em um conflito bélico, pois possui instrumentos de pressão políticos e econômicos”.

“Brincar com fogo”

Um dia após o discurso, Xi mudou o tom no encontro virtual com Biden. Segundo o jornal estatal chinês Global Times, o líder chinês contestou as “repetidas tentativas das autoridades de Taiwan de buscar apoio dos EUA para sua agenda de independência, bem como a intenção de alguns americanos de usar Taiwan para conter a China”. E voltou a usar palavras mais adequadas a suas ações: “Esses movimentos são extremamente perigosos, assim como brincar com fogo. Quem joga com fogo vai se queimar”.

Conforme afirmaram Beckley e Brands no artigo, o encontro entre os líderes talvez mostre a Biden que seu grande erro é acreditar que pode evitar uma guerra fria: “Essa é a maneira errada de encarar as relações EUA-China. Uma guerra fria com Beijing já está em andamento. A pergunta certa, em vez disso, é se os Estados Unidos podem dissuadir a China de iniciar uma guerra quente”.

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