Este conteúdo foi publicado originalmente no portal ONU News, da Organização das Nações Unidas
Mais de 527 mil presos em todo o mundo foram contaminados pelo vírus da Covid-19 em 47 países. Deste total, 3,8 mil perderam a vida para a doença.
Os dados são do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, Unodc, que realiza o 14º Congresso sobre Prevenção do Crime e Justiça Penal, em Quioto, no Japão.
O especialista em reforma prisional da agência da ONU, Philipp Meissner, afirma que os presidiários são “desproporcionalmente” afetados pelo novo coronavírus.
Nesta entrevista à ONU News, ele explica o porquê.
Qual é a situação dos presidiários acometidos pela pandemia ao redor do mundo?
Os sistemas carcerários com mais de 11 milhões de detidos estão sendo mais afetados que outros setores. Estima-se que mais de 527 mil presos foram infectados em 11 países. Deste total, 3,8 mil morreram em 47 nações. Com testes escassos em várias localidades e um vírus que se movimenta muito rapidamente, o número real pode ser ainda mais alto. Também é preciso pensar que por causa da interação muito próxima com os prisioneiros, os agentes de prisão, trabalhadores de saúde e outros profissionais nos presídios estão sob maior risco de contaminação. Não resta dúvida de que as prisões são ambientes de alto risco de transmissão da Covid-19 para todos que vivem e trabalham lá.
Onde os prisioneiros sofrem mais esses riscos?
O impacto é fortemente sentido pelos detidos na maioria dos países e em todos os continentes. Até mesmo os sistemas penais relativamente bem ressarcidos estão enfrentando sérios desafios na mitigação dos efeitos da pandemia nas cadeias. E essas consequências são principalmente severas em sistemas carcerários que foram sendo pressionados, superlotados, por negligência ou falta de pessoal e outros recursos. Tudo isso levou a condições precárias nas prisões, por exemplo, com saneamento e limpeza insuficientes, poucos serviços de saúde e condições de higiene.
A superlotação das prisões, que continua afetando a maioria dos países, aumenta os desafios postos pela Covid-19 e a atual viabilidade de levar prevenção e medidas de controle da pandemia a esses locais.
Quais dificuldades as autoridades nacionais enfrentam no combate à Covid-19 em presídios pelo mundo?
Mesmo antes da pandemia, muitas prisões lutavam até mesmo para cobrir suas necessidades básicas e assegurar a saúde dos detidos. Estamos falando de espaço suficiente, nutrição, água potável, acesso a itens de limpeza e higiene e até mesmo de ventilação apropriada. Em muitas prisões do mundo, as pessoas não têm áreas de trabalho ou outros espaços. E o acesso a equipamento de proteção pessoal, termômetros e material de testagem de Covid-19 tornou-se um desafio.
Esses fatores também agravaram o perfil, tipicamente fraco, de saúde das populações carcerárias incluindo a alta prevalência de doenças crônicas e contagiosas.
Aqui, o princípio da equivalência do cuidado, que deveria fornecer aos prisioneiros o acesso a serviços de saúde gratuitamente e em padrões similares ao da população não-carcerária, não é assegurado em muitas nações.
É fundamental que os padrões internacionais, em particular, as Regras Mínimas da ONU para o Tratamento de Prisioneiros, conhecidas como Regras Nelson Mandela, sejam acatadas.
O ambiente na prisão tornou-se tenso em muitos países o que é alimentado por ansiedade, medos e incertezas entre prisioneiros e os empregados do sistema prisional. Os motins em cadeias e outros incidentes de segurança em 50 países demonstraram a importância da comunicação, de forma transparente, sobre a Covid-19, e sempre que possível com a participação ativa dos detentos.
As medidas adotadas em muitos países resultaram, tipicamente, em mais endurecimento como a suspensão de visitas assim como a restrição ao acesso a programas de reabilitação e outras atividades construtivas fora das celas.
O fato de o detento não poder ver os familiares, os filhos, por um período longo de tempo, tem um impacto sério na saúde mental e no bem-estar dos presos incluindo mães e pais. Isto também agrava o sofrimento inerente à situação da detenção em si.
As autoridades nacionais estão dedicando atenção suficiente à situação dos prisioneiros durante esta pandemia?
O gerenciamento da prisão e os serviços são um ponto fraco na justiça penal em vários países. Os presos são um segmento da sociedade que é geralmente esquecido na hora de se formular políticas públicas e entre a opinião pública.
Desde o início da pandemia, o Unodc e outros parceiros têm sido bastante ativos sobre a urgência de se incluir as prisões, os detentos e o pessoal dos presídios na resposta de saúde pública à Covid-19.
Mesmo que muitas jurisdições estejam chamando a atenção para o tema e feito esforços, muito precisa ser alcançado ainda para responder à situação dos prisioneiros na pandemia e mitigar os riscos da doença nas prisões. E isto deveria, claro, incluir programas de imunização.
Que soluções estão sendo encontradas para acabar com a propagação do virus nos presídios?
Um dos temas mais importantes é a grave superlotação. E vários países tentaram contornar este problema com a suspensão de sentenças para crimes menos sérios e até mesmo a soltura temporária, em caráter de emergência de saúde, dos detentos para evitar a propagação. Nesse caso, aqueles que estão sob risco de se contaminar ou perto de completarem suas penas.
Calcula-se que mais de 700 mil detentos tenham sido autorizados a sair da prisão durante a pandemia, em todo o mundo.
Como a ONU pode melhorar as medidas de prevenção em prisões?
A ONU tem advogado por uma reforma prisional holística assim como uma reavaliação do quadro atual de encarceramento com uma visão de lidar com a superlotação e as prisões em massa. Mais especificamente, o Unodc tem se engajado em serviços de correção e carcerário nacionais em mais de 50 países par assistir as medidas de prevenção e controle da infecção. O objetivo é assegurar a aderência mínima aos padrões e a promoção, em casos apropriados, de um aumento de alternativas ao encarceramento.
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