por Cristiane Noberto
Ainda não se sabe a origem do incêndio que derrubou o telhado da igreja de Budslau, em Belarus, a 150 km ao norte da capital, Minsk. O incidente ocorreu na manhã de terça-feira (11) e os bombeiros levaram cerca de quatro horas para apagar o fogo. Não houve feridos.
Em Belarus, a religião católica é a segunda com mais adeptos e possui forte vínculo com a Polônia. A ortodoxa, ligada à Rússia, é a primeira com mais devotos no país. O santuário de Budslau é um dos mais importantes para os católicos belarussos, e abriga uma pintura centenária da padroeira do país, Nossa Senhora de Budslau. Com estilo Barroco, a igreja foi fundada em 1783, e passava por manutenções constantes. A última, segundo Yuri Sanko, porta-voz da paróquia, havia sido realizada há quatro anos.
A imagem da Santa, o Santíssimo Sacramento e outros objetos de valor foram resgatados pelo padre Dmitry Dubovik, responsável pelo monumento, ainda no início do incêndio.
“Quando Notre Dame pegou fogo em Paris, a França estava de joelhos. Em face da tragédia de Budslau, nós nos ajoelharemos, pediremos desculpas a Deus por nossos pecados pessoais e os pecados de nosso povo, e nos reconciliaremos uns com os outros”, disse o arcebispo Tadeusz Kondrusiewicz ao portal Catholic.by.
Fiel e frequentadora do santuário, Stefania Manko, 28 anos, radicada na Polônia, afirma que o incêndio é uma tragédia. “Para mim, o Santuário em Budslau tem significado como o Cristo Redentor, no Rio de Janeiro. Sinto nesses lugares como se eu estivesse no céu, perto de Deus. Esta tragédia no Santuário é muito triste para mim. Mas, eu também vejo como um sinal para os católicos cuidarem mais desta igreja em Belarus. O Santuário de Budslau deve ser visto como construção, como comunidade do povo e deve ser cuidado”, lamenta.
De acordo com o guia turístico Apanasevich Yauheni, 35, que trabalha voluntariamente na limpeza dos escombros, o telhado foi danificado em 80% e a cúpula, a pior parte, havia muitas pinturas antigas, inclusive estavam passando por restauração. Agora, tudo está bem danificado.
Não se sabe também como ficará a estrutura das paredes, pois absorveram muita água. Por enquanto, a principal preocupação é do telhado. Estima-se que o projeto de restauro levará dois meses ou mais e terá um custo entre US$ 80 e US$ 100 mil.
De acordo com o portal “BelTA“, o presidente Aleksander Lukashenko afirmou que não há pressa na restauração. “Não há necessidade de pressa aqui, até mesmo os especialistas dizem. Deixe os especialistas decidirem, examinarem o que precisa ser feito. Sem o Estado, eles não farão nada, de qualquer maneira”, disse o mandatário.
Lukashenko ainda questionou se o dinheiro arrecadado estaria sendo desviado para a Polônia. “Não sei onde está este dinheiro. Eles [poloneses] não vão recolher nada para restaurar esta igreja. É necessário abrir uma conta [da igreja] e deixar que o povo transfira dinheiro diretamente para lá sem correr risco de ir para a Polônia. Cada pessoa, tanto quanto puder, se quiser”, afirma.
Incêndio criminoso
Também será investigada a possibilidade de incêndio criminoso. O funcionário da igreja Yuri Sanko explica que há quatro anos a igreja passou por uma grande reforma e a possibilidade de incêndio na fiação não parece uma justificativa plausível.
Para a professora de idiomas Volha Yermalayeva Franco, 32, os católicos viraram alvo do governo do país depois de muitos participarem ativamente de manifestações contra o regime ditatorial no último ano. “O governo acusa que os protestos estão sendo manipulados por forças ocidentais, e a força ocidental mais próxima de Belarus é a Polônia. Como a religião católica é ligada à Polônia, o governo passou a vê-los como alvo”, revela.
Volha acredita que o incêndio é uma forma de barrar a tradicional festa de Budslau para evitar mobilizações contra o governo. “Essa festa nunca teve conotação política, é de fato uma festa religiosa. Porém, é bem possível que esse ano ganhe comentários políticos e um ataque contra a festa seria para evitar mais protestos”, alerta.
Arrecadação
Foi grande a mobilização em prol da reestruturação do santuário. Em apenas um dia, mais de 40 mil rublos belarussos (cerca de R$ 82 mil), foram doados para a reconstrução da igreja. No mesmo dia do incêndio, o canal “Vamos restaurar Budslau juntos!”, em tradução livre, apareceu no Telegram, mobilizando as arrecadações. Até o fechamento desta reportagem, a campanha já havia arrecadado cerca de 325 mil rublos (aproximadamente R$ 678 mil).
Yauheni possui uma história de ancestralidade com o santuário. “Minha família mora em Budslau desde 1668. Muitos dos meus ancestrais trabalharam na construção dessa igreja. Então, para mim [o monumento] é muito importante, é um orgulho. Esta mobilização para arrecadar fundos não se trata apenas de religião. Esta igreja é uma casa e quando queimam a sua casa é uma tragédia. Nós, católicos devotos de Budslau, acreditamos que esta é a casa da Nossa Senhora”, afirma o guia turístico.
Budslau Fest
Todos os anos, no primeiro fim de semana de julho, desde o século XVII, milhares de fiéis de Belarus e de outros países peregrinam até a igreja para participar das celebrações em homenagem a Nossa Senhora em Budslau. A celebração anual está na Lista Representativa do Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade da Unesco em 2018.
“Eu sou católica, fui batizada como criança e participei muitas vezes de retiros e peregrinos no Budslau. Fui pela primeira vez em 2004 quando celebramos os 500 anos do ícone [imagem de Nossa Senhora de Budslau]. O arcebispo sempre fala sobre lembranças nos tempos de comunismo, quando foi proibido participar de missas como essa. Já fui cinco vezes desde então”, relata Stephania.
De acordo com a Radio Free Europe, bispos da diocese de Minsk-Mahilyow e funcionários do Ministério da Cultura discutirão a restauração da igreja Budslau a tempo da festa neste ano.
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