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segunda-feira, 17 de maio de 2021

Incêndio na principal igreja de Belarus gera mobilização nacional

por Cristiane Noberto

Ainda não se sabe a origem do incêndio que derrubou o telhado da igreja de Budslau, em Belarus, a 150 km ao norte da capital, Minsk. O incidente ocorreu na manhã de terça-feira (11) e os bombeiros levaram cerca de quatro horas para apagar o fogo. Não houve feridos.

Em Belarus, a religião católica é a segunda com mais adeptos e possui forte vínculo com a Polônia. A ortodoxa, ligada à Rússia, é a primeira com mais devotos no país. O santuário de Budslau é um dos mais importantes para os católicos belarussos, e abriga uma pintura centenária da padroeira do país, Nossa Senhora de Budslau. Com estilo Barroco, a igreja foi fundada em 1783, e passava por manutenções constantes. A última, segundo Yuri Sanko, porta-voz da paróquia, havia sido realizada há quatro anos.

A imagem da Santa, o Santíssimo Sacramento e outros objetos de valor foram resgatados pelo padre Dmitry Dubovik, responsável pelo monumento, ainda no início do incêndio.

Incêndio em principal igreja de Belarus gera mobilização nacional
Igreja de Nossa Senhora de Budslau, em Belarus, em chamas, maio de 2021. (Foto: Reprodução/Facebook)

“Quando Notre Dame pegou fogo em Paris, a França estava de joelhos. Em face da tragédia de Budslau, nós nos ajoelharemos, pediremos desculpas a Deus por nossos pecados pessoais e os pecados de nosso povo, e nos reconciliaremos uns com os outros”, disse o arcebispo Tadeusz Kondrusiewicz ao portal Catholic.by.

Fiel e frequentadora do santuário, Stefania Manko, 28 anos, radicada na Polônia, afirma que o incêndio é uma tragédia. “Para mim, o Santuário em Budslau tem significado como o Cristo Redentor, no Rio de Janeiro. Sinto nesses lugares como se eu estivesse no céu, perto de Deus. Esta tragédia no Santuário é muito triste para mim. Mas, eu também vejo como um sinal para os católicos cuidarem mais desta igreja em Belarus. O Santuário de Budslau deve ser visto como construção, como comunidade do povo e deve ser cuidado”, lamenta.

De acordo com o guia turístico Apanasevich Yauheni, 35, que trabalha voluntariamente na limpeza dos escombros, o telhado foi danificado em 80% e a cúpula, a pior parte, havia muitas pinturas antigas, inclusive estavam passando por restauração. Agora, tudo está bem danificado.

Não se sabe também como ficará a estrutura das paredes, pois absorveram muita água. Por enquanto, a principal preocupação é do telhado. Estima-se que o projeto de restauro levará dois meses ou mais e terá um custo entre US$ 80 e US$ 100 mil.

De acordo com o portal “BelTA“, o presidente Aleksander Lukashenko afirmou que não há pressa na restauração. “Não há necessidade de pressa aqui, até mesmo os especialistas dizem. Deixe os especialistas decidirem, examinarem o que precisa ser feito. Sem o Estado, eles não farão nada, de qualquer maneira”, disse o mandatário.

Lukashenko ainda questionou se o dinheiro arrecadado estaria sendo desviado para a Polônia. “Não sei onde está este dinheiro. Eles [poloneses] não vão recolher nada para restaurar esta igreja. É necessário abrir uma conta [da igreja] e deixar que o povo transfira dinheiro diretamente para lá sem correr risco de ir para a Polônia. Cada pessoa, tanto quanto puder, se quiser”, afirma.

Incêndio criminoso

Também será investigada a possibilidade de incêndio criminoso. O funcionário da igreja Yuri Sanko explica que há quatro anos a igreja passou por uma grande reforma e a possibilidade de incêndio na fiação não parece uma justificativa plausível.

Para a professora de idiomas Volha Yermalayeva Franco, 32, os católicos viraram alvo do governo do país depois de muitos participarem ativamente de manifestações contra o regime ditatorial no último ano. “O governo acusa que os protestos estão sendo manipulados por forças ocidentais, e a força ocidental mais próxima de Belarus é a Polônia. Como a religião católica é ligada à Polônia, o governo passou a vê-los como alvo”, revela. 

Volha acredita que o incêndio é uma forma de barrar a tradicional festa de Budslau para evitar mobilizações contra o governo. “Essa festa nunca teve conotação política, é de fato uma festa religiosa. Porém, é bem possível que esse ano ganhe comentários políticos e um ataque contra a festa seria para evitar mais protestos”, alerta.

Arrecadação

Foi grande a mobilização em prol da reestruturação do santuário. Em apenas um dia, mais de 40 mil rublos belarussos (cerca de R$ 82 mil), foram doados para a reconstrução da igreja. No mesmo dia do incêndio, o canal “Vamos restaurar Budslau juntos!”, em tradução livre, apareceu no Telegram, mobilizando as arrecadações. Até o fechamento desta reportagem, a campanha já havia arrecadado cerca de 325 mil rublos (aproximadamente R$ 678 mil).

“Incêndio em Budslau. O principal santuário de Belarus está em chamas” – Vídeo: catholic by – Youtube

Yauheni possui uma história de ancestralidade com o santuário. “Minha família mora em Budslau desde 1668. Muitos dos meus ancestrais trabalharam na construção dessa igreja. Então, para mim [o monumento] é muito importante, é um orgulho. Esta mobilização para arrecadar fundos não se trata apenas de religião. Esta igreja é uma casa e quando queimam a sua casa é uma tragédia. Nós, católicos devotos de Budslau, acreditamos que esta é a casa da Nossa Senhora”, afirma o guia turístico.

O guia turístico Apanasevich Yauheni, em frente à igreja de Nossa Senhora de Budslau após o incêndio, em maio 2021. (Foto: Arquivo pessoal)

Budslau Fest

Todos os anos, no primeiro fim de semana de julho, desde o século XVII, milhares de fiéis de Belarus e de outros países peregrinam até a igreja para participar das celebrações em homenagem a Nossa Senhora em Budslau. A celebração anual está na Lista Representativa do Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade da Unesco em 2018.

“Eu sou católica, fui batizada como criança e participei muitas vezes de retiros e peregrinos no Budslau. Fui pela primeira vez em 2004 quando celebramos os 500 anos do ícone [imagem de Nossa Senhora de Budslau]. O arcebispo sempre fala sobre lembranças nos tempos de comunismo, quando foi proibido participar de missas como essa. Já fui cinco vezes desde então”, relata Stephania.

Igreja de Budslau antes do incêndio, julho de 2019 (Foto: Reprodução/Instagram)

De acordo com a Radio Free Europe, bispos da diocese de Minsk-Mahilyow e funcionários do Ministério da Cultura discutirão a restauração da igreja Budslau a tempo da festa neste ano.

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