por Cristiane Noberto
Recentemente, a Coreia do Norte voltou aos noticiários internacionais após EUA, Japão e Coreia do Sul pressionarem por uma desnuclearização. O governo norte-coreano também acusou Joe Biden de realizar uma política hostil e chamou a vizinha do Sul de “degetos”, pelo fato de ambos ensejarem o fim do arsenal nuclear no país.
Há mais de 50 anos numa das ditaduras mais fechadas do mundo, na qual os cidadãos são extremamente vigiados, o líder supremo Kim Jong-un controla a nação com mãos de ferro, assim como seu avô e pai. A fome, os trabalhos forçados e a educação precária são algumas das características que estes asiáticos evitam mostrar ao mundo.
Materiais que abordem verdadeiramente a história do país são difíceis de encontrar e muito controlados. As relações entre os cidadãos são observadas de perto e ninguém pode sair do país. Os estrangeiros que chegam são monitorados constantemente, com data marcada para irem embora.
A censura nos meios de comunicação locais também é algo “comum” no país. De acordo com o ranking de liberdade de imprensa feito pela organização Repórteres Sem Fronteiras, de 2021, o país asiático ocupa a 178ª posição. Com apenas quatro canais estatais, até mesmo os desenhos infantis são editados para a reprodução aos cidadãos.
A dificuldade em encontrar especialistas que pudessem indicar filmes e livros para a construção desta reportagem reflete bem a política norte-coreana. Durante pouco mais de um mês, A Referência conversou com jornalistas, enviamos e-mails sem respostas, contatos frustrados por meio de redes sociais. Mesmo assim, o trabalho de “formiguinha” é encontrado nos cinco filmes e cinco livros sobre a ditadura asiática que verão a seguir.
Prepare a pipoca: o resultado são filmes e livros para se aproximar da ditadura asiática mais fechada do mundo e entender melhor a política songun, campos de trabalho, cultura e o dia a dia dos norte-coreanos.
Cinco filmes:
1) Os amantes e o déspota (2016) Direção: Adam e Robert Cannan Disponível em: https://www.vudu.com/content/movies/details/The-Lovers-and-the-Despot/757160 |
O documentário conta o drama vivido pelo cineasta Shin Sang-ok e pela atriz Choi Eun-hee, nomes importantes e populares do cinema sul-coreano, que foram sequestrados em 1978 pelo ditador norte-coreano Kim Jong-il. Não é segredo para ninguém que o Jong pai era louco pelo cinema. O sequestro teria a intenção de melhorar a qualidade do cinema produzido na Coreia do Norte. Por oito anos, o casal foi mantido dentro da nação até que, em uma viagem para participar de um festival de cinema na Europa, conseguiram fugir. Os depoimentos dos dois artistas trazem relatos emocionantes e cheios de reviravoltas.
2) Steel Rain (2017) Direção: Yang Woo-Suk Disponível em: https://www.netflix.com/br/title/80226234?preventIntent=true |
Poderia ser um daqueles filmes de ação clichês, mas não é. O longa pega carona nos diversos eventos históricos passados pela península coreana e explora as diferenças entre as duas Coreias. Em resumo: a Coreia do Norte passa por um golpe de Estado e Kim Jong-un é levado à Coreia do Sul em estado grave. A possível unificação das duas coreias e as condições sociais entre as duas nações são alguns dos pontos explorados no filme, e o espectador consegue ter alguma dimensão da tensão entre as vizinhas asiáticas.
3) Pulgasari (1985)Direção: Shin Sang-ok. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=eCKSR0JArUQ |
Pulgasari é um dos três filmes dirigidos pelo sul-coreano Shin Sang-ok, sequestrado por Kim Jong-il. É um daqueles filmes de monstros, cheio de efeitos especiais. Este é um dos filmes preferidos (se não o preferido) do ex-ditador. O diretor conseguiu importar toda uma equipe do Japão para a produção. Inclusive, Kenpachiro Satsuma, o ator que interpretou Godzilla na época, participou do longa. Pulgasari é baseado em uma criatura folclórica coreana que se alimenta de metal e cresce conforme se alimenta. A saga, então, foca em ser uma parábola anticapitalista na qual o monstro representaria o consumismo exagerado.
4) Campo 14: Zona Total de Controle (2012) Direção: Marc Wiese Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=FM_EkxskfDg&t=3s |
O longa é baseado em fatos reais descritos no livro, de mesmo nome (está mais abaixo), no qual o norte-coreano Shin Dong-hyuk relata seu nascimento e os 23 anos vividos em um campo de trabalhos forçados. A primeira lembrança do asiático é a execução de uma pessoa, quando ele tinha apenas quatro anos. Aos seis anos, Shin viu uma colega de classe ser espancada até a morte por roubar grãos de milho. Foi perseguido e torturado aos 13 anos. Viu diversas execuções públicas, que geravam medo e terror. O filme ganhou um prêmio do Fórum de Direitos Humanos em Genebra em 2013.
5) Sob o Sol (2015) Direção: Vitaly Mansky Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=zjL6pD7bvvQ |
Um documentário que acompanha a pequena Zin-mi, 8 anos, e sua família, nos preparativos para se juntar à União das Crianças da Coreia do Norte. A princípio, o filme parece uma propaganda positiva do regime norte-coreano. Vitaly Mansky tentou negociar por dois anos com o governo para ter a autonomia sob a produção que lhe foi negada. Então, escorregadio, Mansky promove imagens “escodidas” do que realmente acontece no dia a dia da família, as interrupções do governo e como tudo ali parece ser manipulado.
Cinco Livros
1) Fuga do campo 14 Blaine Harden. Editora Intrínseca, 2013. Disponível em: https://amzn.to/3wm8TaD |
O livro que inspirou o filme. Shin Dong-hyuk nasceu e cresceu no Campo 14, um dos imensos complexos destinados a presos políticos da Coreia do Norte. Seus residentes estão condenados a trabalhar até 15 horas por dia, sofrendo fome e frio, sujeitos a uma rotina de violências sumárias – aos 13 anos, Shin assistiu à execução da mãe e do irmão mais velho por tentarem escapar. De lá, ninguém foge. Existe apenas uma exceção. Determinado a descobrir como é a vida do outro lado da cerca eletrificada, Shin supera todo tipo de dificuldade e consegue deixar a Coreia do Norte. Mas as marcas do passado ainda estão em seu corpo e assombram sua mente, pois durante muitos anos ele guardou um terrível segredo.
2) Para poder viver: A jornada de uma garota norte-coreana para a liberdade. Yeonmi Park. Editora: Companhia das letras, 2016. Disponível em: https://amzn.to/3f5w57t |
Yeonmi Park não sonhava com a liberdade quando fugiu da Coreia do Norte. Ela sequer conhecia o significado dessa palavra. Tudo o que sabia era que fugir era a única maneira de sobreviver. Se ela e sua família ficassem na terra natal, todos morreriam – de fome, adoentados ou mesmo executados. Park cresceu achando normal que seus vizinhos desaparecessem de repente. Acostumou-se a ingerir plantas selvagens na falta de comida. Acreditava que o líder de seu país era capaz de ler seus pensamentos. Aos treze anos, quando a fome e a prisão do pai tornaram a vida impossível, Yeonmi deixou a Coreia da Norte. Era o começo de um périplo que a levaria pelo submundo chinês de traficantes e contrabandistas de pessoas, a uma travessia pela China através do deserto de Gobi até a Mongólia, à entrada na Coreia do Sul e, enfim, à liberdade.
3) O Reino Eremita. Renato Alves. Quixote, 2018. Disponível em: https://amzn.to/3hE0L1e |
Neste livro, o jornalista brasiliense Renato Alves narra a viagem à Coreia do Norte e suas percepções. Além do texto, o leitor se depara com imagens do dia a dia dos norte-coreanos. A moda, o cinema, a educação, a história do país, a vida cotidiana e os costumes do interior, a filosofia juche – que difunde os ideais do regime norte-coreano. O autor conta do momento em que estava na China e quase não conseguiu entrar na Coreia do Norte até quando voltou e teve todas as suas fotos auditadas. Algumas delas, inclusive, impublicáveis.
4) Nada a Invejar: Vidas comuns na Coreia do Norte. Barbara Demick, traduzido por José Geraldo Couto. Editora: Companhia das letras, 2013 Disponível em: https://amzn.to/3v8OBBt |
Seis histórias são contadas nessa narrativa que leva o leitor a ter uma ideia do que é viver na Coreia do Norte. Com um título irônico, extraído de um hino ufanista norte-coreano, Nada a Invejar relata um painel bastante vívido do cotidiano na Coreia dos ditadores Kim Il-sung (1912-94) e Kim Jong-il (1942-2011), pai e filho que reinaram absolutos por mais de seis décadas e ainda perpetuam seu legado autoritário na figura do herdeiro Kim Jong-un. A jornalista Barbara Demick mostra o que há por trás do culto à personalidade dos tiranos e o controle absoluto da vida pessoal, que faz de cada vizinho (ou mesmo um familiar) potencial espião e delator. O relato das dificuldades e da fome marcam o livro. Uma realidade sufocante que não exclui, porém, o humor, os gestos de altruísmo e solidariedade ou os sonhos de liberdade.
5) Pyongyang. Uma Viagem a Coreia do Norte. Guy Delisle. Zarabatana, 2017 Disponível em: https://amzn.to/3oBoyQN |
Nesta graphic novel, Delisle traça um retrato irônico e crítico da Coréia do Norte, apresentando seu testemunho único do país, dos habitantes, dos costumes, da situação de expatriado e do regime totalitário de Kim Jong-Il, a única dinastia comunista do mundo. Com a companhia constante e obrigatória de um guia e um tradutor, ele percorre a capital e arredores com seu olhar de artista, vendo além do que é cuidadosamente selecionado para ser apresentado aos raros visitantes estrangeiros.
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