No mês passado, uma estudante de Hong Kong foi presa ao retornar ao território semiautônomo depois de uma temporada de estudos no Japão. A detenção, baseada na lei de segurança nacional, é a primeira de que se tem notícia de um cidadão honconguês por um ato praticado no exterior, o que expõe o alcance global da repressão chinesa. As informações são da rede Deutsche Welle (DW).
A jovem de 23 anos, que não teve a identidade revelada foi formalmente acusada de “incitar a secessão” por ter compartilhado nas redes sociais postagens que as autoridades classificaram como “incitação á independência de Hong Kong”.
“Não sabemos como as autoridades de Hong Kong estão rastreando as atividades ou comentários do povo de Hong Kong no exterior, e o caso mais recente deixaria as pessoas que podem não se ver como políticas muito preocupadas com sua própria segurança”, disse Patrick Poon, pesquisador visitante. na Universidade de Tóquio.
O alcance internacional da lei já vinha sendo destacado por especialistas. E não são apenas os cidadãos locais que correm risco. Mesmo estrangeiros que venham a violar a lei podem ser detidos caso venham a pisar em território chinês.
“A rede de vigilância e a repressão transnacional de Hong Kong são reais”, alerta Sunny Cheung, um ativista exilado de Hong Kong e membro não residente do instituto de pesquisa Fórum do Pacífico, sediado no Havaí, território norte-americano.
O que explica tamanho poder do governo é o texto legal vago, que pode ser usado contra qualquer pessoa com sentimentos anti-China que eventualmente coloque os pés em um território chinês, casos de Hong Kong e de Macau, antiga colônia portuguesa transferida para o domínio chinês em 1999.
Em julho de 2020, quando a lei entrou em vigor, a Anistia Internacional advertiu para o alcance da normativa legal ao fechar seu escritório em Hong Kong. Segundo a ONG, qualquer pessoa na Terra, “independentemente de nacionalidade ou localização, pode ser tecnicamente considerada como tendo violado a lei e pode ser presa e processada se estiver em uma jurisdição chinesa, mesmo para trânsito”.
Embora os estrangeiros também estejam ao alcance da repressão, são os cidadãos locais as principais vítimas, mesmo que não vivam mais no território. “As autoridades de Hong Kong estão tentando disciplinar os residentes de Hong Kong no exterior, informando-os de que o Big Brother ainda os vigia mesmo quando estão em outros países”, diz Cheung.
No caso da jovem presa em março, foi basicamente isso que ocorreu, embora ela seja cidadã de Hong Kong. De acordo com especialista legal Tomoko Ako, do Japão, que conhece os detalhes da prisão, a estudante não era particularmente política, mas foi presa após retornar ao território para renovar seus documentos.
“O governo confiscou o passaporte, e agora ela não pode voltar ao Japão para concluir seus estudos”, disse Ako, que agora atua junto à universidade japonesa para que seja concedido à estudante o benefício do ensino à distância a fim de concluir o curso.
Diante da ameaça, os cidadãos de Hong Kong no exterior têm mudado certos hábitos para fugir da perseguição. Cheung cita um exemplo. “Nos Estados Unidos, organizamos uma cúpula a portas fechadas envolvendo mais de cem habitantes de Hong Kong. Pela segurança dos participantes, não revelamos o local do evento, e a identidade dos participantes foi apagada após o evento”, disse ele.
Desde que a lei passou a vigor, há pouco menos de três anos, ela já serviu como base jurídica para mais de 200 prisões em Hong Kong, com 140 desses indivíduos formalmente acusados de um crime.
Por que isso importa?
Após a transferência de Hong Kong do domínio britânico para o chinês, em 1997, o território passou a operar sob um sistema mais autônomo e diferente do restante da China. Apesar da promessa inicial de que as liberdades individuais seriam respeitadas, a submissão a Beijing sempre foi muito forte, o que levou a protestos em massa por independência e democracia em 2019.
A resposta de Beijing aos protestos veio com autoritarismo, representado pela lei de segurança nacional, que deu ao governo de Hong Kong poder de silenciar a oposição e encarcerar os críticos. A normativa legal classifica e criminaliza qualquer tentativa de “intervir” nos assuntos locais como “subversão, secessão, terrorismo e conluio”. Infrações graves podem levar à prisão perpétua.
No final de julho de 2021, um ano após a implementação da lei, foi anunciado o primeiro veredito de uma ação judicial baseada na nova normativa. Tong Ying-kit, um garçom de 24 anos, foi condenado a nove anos de prisão sob as acusações de praticar terrorismo e incitar a secessão.
O incidente que levou à condenação ocorreu em 1º de julho de 2020, o primeiro dia em que a lei vigorou. Tong dirigia uma motocicleta com uma bandeira preta na qual se lia “Liberte Hong Kong. Revolução dos Nossos Tempos”, slogan usado pelos ativistas antigoverno nas manifestações de 2019.
Os críticos ao governo local alegam que os direitos de expressão e de associação têm diminuído cada vez mais, com o aumento da repressão aos dissidentes graças à lei. Já as autoridades de Hong Kong reforçam a ideia de que a normativa legal é necessária para preservar a estabilidade do território
O Reino Unido, por sua vez, entende que ela viola o acordo estabelecido quando da entrega do território à China. Isso porque havia a promessa de que as liberdade individuais, entre elas eleições democráticas, seriam preservadas por ao menos 50 anos. Metade do tempo se passou, e Beijing não cumpriu sua parte no acordo. Muito pelo contrário.
Nos últimos anos, os pedidos por democracia foram silenciados, a liberdade de expressão acabou e a perspectiva é de que isso se mantenha por um “longo prazo”. Nas palavras do presidente chinês Xi Jinping, “qualquer interferência deve ser eliminada”.
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