Ao longo de todo o mês de fevereiro deste ano, quando o golpe de Estado em Mianmar completou dois anos, quase 2,4 mil pessoas foram sentenciadas à prisão pela junta militar que governa o país. O número é extraordinariamente alto, vez que supera a quantidade de todos os vereditos dos dois anos anteriores. As informações são da rede Radio Free Asia (RFA).
Um levantamento feito pela ONG tailandesa Associação de Assistência aos Prisioneiros Políticos (AAPP) indica que 2.384 pessoas foram condenadas no mês passado. O número é maior que o total de 2.299 vereditos de prisão registrados entre o golpe de Estado, em fevereiro de 2021, e o dia 31 de janeiro de 2023. Somente em 13 de fevereiro, 1.293 pessoas foram presas, com 1.274 delas julgadas e condenadas.
O que ajuda a explicar a alta de casos, segundo analistas, é a tentativa do governo de desencorajar a oposição. A resistência aos militares é crescente no país e gera inclusive violência, com constantes confrontos entre grupos rebeldes armados e as forças de segurança estatais.
Também pesa a aplicação mais severa da lei antiterrorismo, que foi alterada em agosto de 2021 para facilitar sua aplicação pelo Estado. Em fevereiro, 13 civis foram detidos com base nessa normativa legal. Entre eles, um jovem de 20 anos condenado por abandona os estudos em protesto contra a educação pró-junta.
Entre as mais de quatro mil pessoas condenadas pelos militares nos últimos dois anos estão Aung San Suu Kyi, a líder democrática presa no golpe de Estado, e o presidente deposto Win Myin. Enquanto ela já foi sentenciada a 33 anos de prisão, as penas aplicadas ao ex-governante somam mais de 12 anos.
Os partidários de ambos, bem como entidades humanitárias e governos estrangeiros, classificam as denúncias como politicamente motivadas. E os abusos vão além. Uma denúncia feita recentemente aponta que Suu Kyi e Myin têm sido impedidos de acessar seus advogados.
Outra arbitrariedade revelada por advogados é a abertura de processos diferentes em diversos tribunais do país contra um mesmo réu. Ao final dos julgamentos, as penas de todas as condenações são somadas, a fim de aumentar o tempo de encarceramento dos presos políticos.
Desde o golpe militar, a AAPP registrou 19.954 casos de prisões politicamente motivadas em Mianmar, com 16.093 pessoas ainda encarceradas. Também foram registradas 3.073 mortes provocadas pelos militares, com dados atualizados pela última vez na quarta-feira (1º).
Por que isso importa?
Mianmar enfrenta “uma campanha de terror com força brutal”, segundo palavras da ONU (Organização das Nações Unidas). A repressão imposta pelo governo militar foi uma reação às eleições presidenciais de novembro de 2020.
Na ocasião, o partido NLD (Liga Nacional pela Democracia, da sigla em inglês) venceu as eleições com 82% dos votos, ainda mais do que havia obtido no pleito de 2015. Em fevereiro de 2021, então, a junta militar, que já havia impedido o partido de assumir o poder antes, derrubou e prendeu a líder democrática Aung San Suu Kyi.
O golpe deu início a protestos no país, respondidos com violência pelas forças de segurança nacionais. As ações abusivas da junta levaram ao isolamento global de Mianmar, e em dezembro de 2022 o Conselho de Segurança da ONU aprovou uma resolução histórica que insta os militares a libertar Suu Kyi. A Resolução 2669 ainda exige “o fim imediato de todas as formas de violência” e pede que “todas as partes respeitem os direitos humanos, as liberdades fundamentais e o estado de direito”.
A proposta, feita pelo Reino Unido, foi aprovada no dia 21 de dezembro de 2022 com 12 votos a favor. Os membros permanentes China e Rússia se abstiveram, optando por não exercer vetos. A Índia também se absteve.
Beijing e Moscou, por sinal, estão entre os poucos governos do mundo que mantêm relações formais com Mianmar. Inicialmente, o golpe foi recebido com reprovação pela China, que vinha dialogando para firmar acordos comerciais com o governo eleito e perdeu bastante com a derrubada. Mas o cenário mudou desde então.
O governo chinês frequentemente se coloca ao lado da junta ao vetar resoluções que condenam a brutalidade dos atos contra opositores e a população civil em geral. A posição ficou evidente mais uma vez em dezembro de 2022, embora a China tenha optado por não vetar a resolução.
A China é um também dos principais fornecedores de armas para a juntar militar, desrespeitando um pedido de embargo global feito pela ONU para enfraquecer o regime birmanês. Entretanto, há indícios de que as forças locais seguem se equipando com novos armamentos chineses, tendo ainda como fornecedores complementares a Rússia e o Paquistão.
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